Til (José de Alencar): uma heroína clássica, mas com elementos modernos

Til é um romance de José de Alencar, escritor e político brasileiro do século XIX. Conhecida como uma de suas obras mais maduras, o autor de clássicos como Lucíola, Senhora, O Guarani, entre outros, nos presenteia com uma heroína muito interessante, livre, com ideias próprias e que busca um tipo de harmonia em sua vida, mas também aos que a cercam.

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Ambientando no interior paulista, o leitor será levado a um espaço muito bonito que corresponde hoje às cidades de Campinas, Piracicaba, Santa Bárbara entre outras. As descrições das casas típicas da época, as estradas de terra e fazendas, são fáceis de imaginar para qualquer leitor familiarizado com a paisagem brasileira. Assim, temos um espaço narrativo muito agradável, que enaltece as qualidades da vida no campo, uma característica do Romantismo, escola literária a qual o livro pertence.

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A linguagem da obra

A linguagem do livro pode causar estranheza aos novos leitores, pois, naturalmente, ele contém muitas palavras que não são mais usadas com frequência nos dias de hoje e também a composição das frases, que pode causar um estranhamento. Neste sentido, é importante o leitor saber que o livro também é um jeito de aprender sobre as mudanças da nossa língua, que não é morta, pelo contrário, é viva e acompanha a evolução de nossa sociedade. Alguns exemplos que podem causar estranhamento:

“Ninguém diria que nesse corpo mimoso dormia a alma que se revelara poucos momentos antes e parecia espedaçar o frágil e delicado invólucro; ninfa celeste a romper a argila de sua formosa crisálida.” (p. 17)

“Ao recobrar-se do soçobro que tivera, escutando as palavras de Linda…” (p. 61)

“Não acreditava, porém, a gente do lugar nas proezas de arromba que blasonava o pábulo, nem tomava ao sério as roncas e bravatas com que andava sempre a azoinar os ouvidos aos mais” (p. 90)

E, por se tratar do período romântico, o leitor irá enfrentar frases como:

“O amor, porém, é contagioso, com especialidade na solidão, onde a alma tem necessidade de uma companheira, e quando de todo não a encontra, divide-se ela própria para ser duas: uma, esperança; outra, saudade.”

p. 54

“Em Linda era pudor: quando o nome de Miguel lhe pruria o lábio, ainda não o tinha pronunciado, que sentia arderem-lhe as faces; e por isso o murmurava baixinho dentro do coração. ”

p. 55

Quando caímos no assunto que relaciona às dificuldades do leitor em ler os clássicos nacionais, um dos motivos é a dificuldade que surge perante o vocabulário e também à estrutura das frases. No entanto, há linhas de pensamento que buscam a solução por meio da alteração das palavras nesses livros, o que considero um enorme equívoco, pois, o fato é que o problema mora na dificuldade em formar leitores críticos no Brasil, capazes de enfrentar as dificuldades de um livro, sem considera-lo chato ao ponto de abandoná-lo e assim, concluir que livros não prestam. Portanto, usando o exemplo deste livro, Til, ele não deveria ser indicado para jovens leitores, porém o nosso sistema educacional é tão complexo e defasado que ainda precisamos de vestibulares que, erroneamente, indicam livros ótimos, mas não consideram o problema da má formação de leitores no Brasil.

Mas vamos voltar ao livro.

Quem é Til?

Til é um apelido de Berta, a heroína da história. Ela não conhece o passado de seu pai e sua mãe, vive com uma senhora em uma casa simples, possui bons amigos e adora passear pelos campos, assim, vários momentos importantes da obra acontecem quando Berta está fora de casa.

A princípio, a narrativa é linear, o que pode causar uma certa preguiça no leitor, pois os acontecimentos parecem não se conectarem tanto, como se o autor estivesse apenas “jogando” algumas informações a fim de, mais para frente, amarrar a sua trama com todos os pontos e pingos nos “is”. É realmente isso que ele faz, pois a partir da segunda parte da obra, será impossível desgrudar os olhos da história, que caminha para acontecimentos até previsíveis, mas sem perder a beleza e a curiosidade que tão bem desenvolve José de Alencar, a partir da utilização de recursos narrativos, como um mistério a ser revelado e a não-linearidade com o uso de “flash-backs”.

Além de Berta, outro grande personagem da obra é Jão Fera, um capanga que causa medo em vários personagens da história, mas que possui a sua própria regra de conduta e que, conforme é revelado o passado de Berta, também conhecemos que Jão Fera não é totalmente mal, muito pelo contrário.

O menino Brás

Destaca-se também a figura do menino Brás, que dá à nossa heroína o apelido de Til. Ele, um típico bicho-do-mato, é uma criança silenciosa, que aparece de repente e, como uma travessura infantil, acaba colocando Berta numa situação de muito perigo. Neste ponto, vemos a reação quase animalesca de uma criança sozinha, mas desesperada por ter feito mal sem querer a única pessoa que gosta… Ele, neste sentido de não ter “bons modos” para conviver em sociedade espelha-se na figura de Jão Fera, como se fosse um exemplo da infância, que não vamos conhecer, do matador.

É curioso que nos romances clássicos sempre há a presença de uma grande casa, uma grande fazenda, com pessoas que possuem um certo poder no ambiente. Assim é a família de Luís Galvão, que vive muito bem em sua fazenda, mas que esconde um passado marcado por uma atitude vergonhosa e que muito prejudicou várias pessoas que fazem parte da história.

Um Brasil escravocrata

No século XIX o Brasil era um país escravocrata. Em vários momentos, os negros aparecem na obra, sem interrupção profunda para a narrativa, mas que deixa o leitor do século XXI bastante incomodado. Como exemplo, o momento em que o fogo atinge a fazenda e então há a movimentação dos brancos para tirar as correntes da senzala, para não deixar os negros morrerem.

“À exceção de alguns escravos fechados na senzala, a quem o clarão despertara, estavam os mais ferrados no sono profundo, que sucedera mui naturalmente ao cansaço dos folgueados de São João e às libações copiosas.
Assim, já Luís Galvão passara a tronqueira da roça que o administrador, ainda tonto de sono, babatava à busca das chaves da senzala para soltar a gente…”

p. 203

E como manda as regras de um romance clássico, precisamos de uma história romântica, ela existe, mas, talvez o ponto mais interessante do livro, é que não é o amor que dá impulso à personagem principal Til, ela é impulsionada por um simples desejo de viver, de estar em constante movimento, ajudar as pessoas (alguns a consideram mística, quase uma santa), compreender os incompreensíveis e assim, o amor clássico fica reservado para Miguel e Linda, personagens secundários, mas importantes para o leitor compreender o quanto Til é especial, como história, como personagem, como dar uma voz diferente às mulheres do século XIX.

Se José de Alencar pode ter referências antiquadas em sua obra, devemos acreditar que sim, devido ao próprio contexto em que ele se encontrava, no entanto, a sua mente caminhou na construção de uma personagem que dá orgulho e confiança às mulheres que reconhece o seu papel na sociedade como algo muito além de amar e agradar o sexo oposto, pois para Til, a generosidade e a sua liberdade têm um sabor melhor. Ela realmente salvou pessoas, como uma heroína de ação. E ainda podemos adicionar pequenas pitadas de negação à vida diferente de suas raízes, que ela tanto se orgulha.

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