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Mrs. Dalloway em Bond Street (Virginia Woolf): o próprio fluxo de consciência

No mínimo é curioso quando uma escritora consegue usar uma personagem de diversas formas. Imagino que a criação literária passa por muitos caminhos e quando se tem a sensibilidade de utilizar ao máximo as próprias criações, é como preparar um prato de alta gastronomia e devorá-lo por completo, saboreando cada elemento tão especial que ali foi adicionado. Ou seja, é uma mágica e se, conduzida por uma mente genial, o resultado sempre surpreende. Assim, a escritora inglesa Virginia Woolf (1882 – 1941) nos presenteou com Mrs. Dalloway, sua personagem que aparece em diversas de suas histórias, ora como coadjuvante, ora como protagonista, mas sempre deixando uma marca por onde passa.

“Para todas as coisas grandiosas, é preciso ir ao passado.”
Virginia Woolf

O conto Mrs. Dalloway em Bond Street, publicado em 1923, motivou Virginia Woolf a dar novos caminhos para a sua personagem. Na época, o seu amigo poeta T.S. Eliot leu o conto e afirmou que considerava aquela história incompleta. Dessa maneira, antes mesmo do comentário de seu amigo, Woolf registrou em seus diários sobre o desejo de ampliar o dia dessa personagem que até hoje nos seduz.

“Mrs. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as luvas.”

Nesse conto, Clarissa Dalloway vai para Bond Street comprar luvas e, muito parecido com o primeiro momento do livro, há uma sensação de encantamento por Londres, seus movimentos e barulhos; uma certa preocupação por conseguir comprar o que precisa e diálogos do cotidiano que se intercalam com os pensamentos da personagem. Mrs. Dalloway reflete sobre a infância, sobre o relógio marcando as horas, sobre a doença de uma amiga, sobre a possibilidade de mulheres terem seus espaços no Parlamento, Shakespeare, o trabalho monótono da vendedora de luvas, uma explosão lá fora.

O conto vai se conectando por pequenos lampejos do dia, como realmente são os nossos pensamentos. De repente, estamos pensando em algo do passado, algum “fio” desse passado se conecta com o nosso olhar, reparamos em um carro vermelho e decidimos por comprar luvas brancas, com pérolas. Em suma, esse caos intencional é como Virginia Woolf constrói suas narrativas. A princípio, pode não fazer sentido, mas quando nos deixamos levar por essa pluma da narrativa, a certeza que fica é de estar diante de uma grande obra.

A personagem pode ser vista, então, como uma pluma. Ela passeia pela vida e se deixa levar por ela. Em alguns momentos, parece que vai perder sua força, mas se adapta ao vento. Quando se aproxima de outras pessoas, provoca admiração e estranhamento. Por que ela está lá?

O próprio fluxo de consciência

Vejo a personagem como uma representação do próprio fluxo de consciência porque quando ela está no conto – ou até mesmo em seu romance, não é tudo sobre ela, é tudo sobre a vida, sobre a forma como as pessoas interagem umas com as outras e como elas recebem as influências externas (o relógio, o carro, uma explosão na rua). Ou seja, é sobre as doenças, a vida, a morte. Sobre como é bom estar junto, ao mesmo tempo em que nossa mente sempre caminha em espaços de solidão, alguns confortáveis, outros tristes. Há ainda, entretanto, aqueles angustiantes, a depressão e também um lampejo que nos leva para outros lugares, sem explicação.

Mrs. Dalloway é um fio condutor que entrelaça a narrativa não-linear, que busca essa conexão no cotidiano e transforma pequenas histórias – de um dia ou de um único momento, em uma profunda reflexão sobre a vida.

Onde comprar Mrs. Dalloway em Bond Street (edição da Nós Editora): Amazon

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