Uma noite na praia, de Elena Ferrante: uma viagem sombria pelo abandono e pelas palavras

Não dá para negar que Elena Ferrante é uma das grandes autoras do momento. A italiana, que utiliza pseudônimo e mantém uma áurea de mistério em torno da sua vida, vem ganhando nos últimos anos cada vez mais atenção, e o seu livro mais famoso, Amiga Genial, primeiro de uma tetralogia, acaba de ser adaptado como série pela HBO.

Mas hoje não vou escrever sobre a “Série Napolitana”, mas a respeito de uma obra da escritora voltada para o público infanto-juvenil: Uma noite na praia, publicado pela Intrínseca em 2016, com tradução de Marcello Lino e ilustração de Mara Cerri. Comprei esse livro há poucos dias e o devorei imediatamente. E é sob o impacto dessa leitura que escrevo esta pequena resenha.

Conheça as 40 escritoras favoritas de Elena Ferrante

uma noite na praia
Capa do livro na edição da Editora Intrínseca COMPRE NA AMAZON

Um pouco sobre a história…

O livrinho apresenta Celina, a boneca preferida da Mati, mas que é esquecida na praia, após o pai da menina a presentear com um gato, que monopoliza suas atenções. A partir de então, a narrativa é contada em primeira pessoa pela boneca falante, trazendo uma curta história de abandono, de esquecimento.

Já é possível perceber que os temas são difíceis até para adultos. A escrita de Ferrante é dura, direta e, ao mesmo tempo, enigmática. As ilustrações da italiana Mara Cerri ajudam a criar um ambiente melancólico, triste, até sombrio. A todo momento se sente a angústia de Celina, submetida a todas as intempéries de uma praia à noite: as maldades do Salva-Vidas Malvado, o descarte em uma pilha de lixo, ao lado de outros brinquedos esquecidos e objetos jogados fora, a ação do mar e do fogo, a destruição, a perda da palavra…

“Vejo Celina, meu Nome, o Nome que minha Mati me deu, sair voando pelo ar, pendurado no fio de saliva do Salva-Vidas Malvado, e em seguida desaparecer, no meio do rabo de lagartixa, para dentro da grande boca do Salva-Vidas.”

p. 16

Temas difíceis, mesmo em um livro infantil

Nota-se que a escritora mantém, mesmo em um livro infantil, assuntos muito caros a outras obras de sua autoria. Estão presentes a solidão, o abandono, a violência masculina contra a mulher, o abuso (sim, algo me diz que esse livro é sobre abuso!), o desespero pela perda da palavra – esta que liberta todas as suas personagens. Quando Celina se vê esquecida, e o Salva-Vidas Malvado da Noite a invade e rouba suas palavras, o seu nome, o que resta? Como se salvar?

“Estou furiosa. Perdi meu Nome, mas não quero perder mais nada. Com essas palavras, Mati e eu fomos felizes. Com essas palavras, ela falava e me fazia falar, fazia falaram os animais, as estrelas, as nuvens, os grãozinhos de areia, águas do mar, os raios e os trovões, os guarda-sóis e as cadeiras, todas as coisas.”

p. 30

É impossível não terminar a leitura com um nó na garganta, um aperto angustiado no peito, o que me fez questionar se o livro era realmente adequado para crianças. Porém, ao refletir com mais calma, penso que, apesar da história ter tons sombrios e ser repleta de simbolismos, a obra traz assuntos que fazem parte da existência humana. O bebê, desde cedo, é submetido a situações de abandono, e o crescimento também carrega consigo o domínio da linguagem, da palavra, que ajuda a criança a entender e se apropriar do mundo, a criar uma identidade. Diante de tudo isso, ainda não recomendaria o livro para crianças muito pequenas, mas acredito que seria uma leitura interessante para jovens leitores que podem começar a perceber as nuances nas linhas e entrelinhas das aventuras de Celina.

Compre “Uma noite na praia” na Amazon

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *