Algumas personagens conseguem transcender seus lugares. Mrs Dalloway é uma dessas. Criação de Virginia Woolf, a personagem transita entre as diversas camadas de uma narrativa, ora em destaque – como personagem principal; ora como alguém que apenas dialoga rapidamente (mas deixa rastros profundos). Em certos momentos, também é de sua responsabilidade promover encontros, criar laços, diálogos e arcos.
A personagem, além do romance de mesmo nome, aparece também:
- no livro “A Viagem” (1915), o primeiro romance da autora: Clarissa Dalloway e seu marido Richard cruzam o caminho da personagem principal por um curto espaço de tempo, porém, transformador;
- no conto “O vestido novo” (1927), os personagens principais vão a uma festa de Mrs. Dalloway;
- no conto “A apresentação” (escrito em 1925, porém publicado em 1975), personagens também estão em uma festa da anfitriã Mrs. Dalloway;
- no conto “Juntos e à parte” (escrito em 1925, publicado em 1944 na coletânea “Uma casa assombrada“), também com Clarissa Dalloway promovendo encontros;
- no conto “O homem que amava sua espécie“, em que ela está presente, assim como o seu marido Richard;
- e no conto “Uma recapitulação“, onde duas pessoas se encontram no jardim da casa de Mrs. Dalloway.
Mas quem é Mrs Dalloway?
“Mulher charmosa, firme, cheia de vida, com o cabelo grisalho em estranho contraste com o rosto corado, assim a viu Scrope Purvis…” (Contos Completos, p. 214)
Mrs. Dalloway é uma mulher inglesa que, em sua casa, recebe pessoas, conversa com elas, se encanta pela vida e também é vista como encantadora. A grande beleza da personagem, no meu ponto de vista, está entrelaçada com o fluxo de consciência, pois tudo se relaciona de uma maneira mais sutil, porém, por um delicioso mergulho na mente dessa personagem, em seu passado, em seu presente e também a tudo que está em sua volta – as pessoas, as ruas, a cidade, os sons e o tempo.
Conhecer Clarissa Dalloway é conhecer a experiência da personagem consigo mesma. A rua e as pessoas que Clarissa encontra, a colocam como uma ponte de reflexão para o próprio leitor. É a vida comum com todas as suas engrenagens em perfeito funcionamento.
Conheça 10 motivos para ler Mrs. Dalloway
No cinema, há duas atrizes que representaram lindamente a personagem:
Vanessa Redgrave no filme de 1997
Meryl Streep no filme As Horas (2002)
A Mrs Dalloway que encobre os silêncios…
No próprio livro está a frase do título acima. Dita por um dos personagens que interagem com Clarissa, a frase causa um efeito muito intenso durante a leitura. De repente, vemos Mrs. Dalloway não mais como uma mulher que está realizada com o seu papel de anfitriã, mas sim alguém que esconde – como todos nós escondemos – sentimos mais verdadeiros e muito diferentes da vida externa, aquela vida que as pessoas veem. Então, sempre que penso em Mrs. Dalloway – é como se realmente ela fosse uma pessoa real, o sentimento principal é de sororidade e depois vem seguido de uma admiração, mas também uma certa comiseração por ela ser quem é, do jeito que é (com toda a burguesia que a cerca).
Me pego a pensar no quanto em nós há uma Mrs. Dalloway, vista pelos outros de formas tão diferentes, em alguns momentos tão próxima, em outros uma desconhecida.
Aqui se faz um silêncio. Sem festas. Apenas o silêncio.
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