Monstros e monstruosidades na literatura é um livro organizado por Julio Jeha, professor/doutor da UFMG. Além de textos do autor, a obra conta com outros especialistas literários que analisam os monstros na literatura e na vida real.
A obra, além da apresentação de Julio Jeha, está dividida em sete artigos que abordam, com diferentes perspectivas, a construção dos monstros na literatura.
Como o mal começa?
A princípio, podemos entender que o monstro se faz presente desde as narrativas mais remotas. Se vasculharmos o nosso passado, sempre iremos encontrar histórias orais ou escritas que trazem o monstro como uma representação do mal ou do oculto. Assim, as diferentes mitologias enraizadas em diversas culturas espalhadas pelo mundo trazem essa referência do monstro como um ponto importante para as histórias, seja por uma situação de guerra, ódio, vingança, desconstrução etc. Como os arquétipos de Carl Gustav Jung, sabemos de sua existência, porém, não conseguimos determinar o seu início.
Por que o mal existe?
O que é o mal? O que é o sofrimento? Porque representamos esses sentimentos não-compreendidos em figuras de três cabeças, quatro olhos, metade do corpo homem, outra metade cavalo, etc? São perguntas sem respostas, porém, um caminho possível de trilhar é o quanto conseguimos, a partir da linguagem, expressar o mal e o medo que nos atinge.
Podemos usar as figuras de linguagem, expandir nosso vocabulário, juntar substantivos e adjetivos de muitas formas para explicar as nossas dores, os nossos medos, nossas angustias e, principalmente, os nossos monstros. Mas sempre, ficará uma sombra nesse misterioso instrumento em que nos colocamos para expressar nossa vida, nossa sociedade, nossa cultura e também a nossa política.
O livro “Monstros e monstruosidades na literatura” aborda diversos pontos sobre a construção do mal e do monstro. O leitor irá perceber o quanto eles se modificaram através do tempo por conta da evolução da ciência, da tecnologia e também nas mudanças culturais, religiosas e morais.
Até certo ponto, o monstro era uma criação divina. Deus (ou Zeus ou Deusas etc) castigavam os homens por crueldade ou por se sentirem ameaçados e assim, os monstros surgiam. Com as guerras, a ciência e a tecnologia, os monstros começaram a também ser construções dos próprios homens. Frankenstein, de Mary Shelley, é um excelente exemplo dessa modificação cultural e social, pois, em nome da Ciência e da obsessão, uma criatura foi criada e o próprio criador não conseguiu suportar sua aparência disfórmica. E, consequentemente, o criador, por seu comportamento, hoje em dia, é visto como um monstro.
A monstruosidade contemporânea
Segundo o ensaio de Mariângela de Andrade Paraizo (De sereias, cidades ou sirenes), a partir das sirenes das grandes cidades podemos relacioná-las com as sereias, monstros mitológicos que atraem, deslumbram e assombram.
“As sirenes podem ser tomadas como metonímia da cidade; pela sedução que exercem, as sereias também podem ser uma metáfora da metrópole contemporânea, que destrói grandes contingentes de migrantes, convidando-os, desenraizando-os e dispersando-os.” (p. 87)
Para Sam Coale, no ensaio presente no livro chamado “Os sistemas e o indivíduo: monstros existem” essas figuras “são a base da ficção popular contemporânea, são invocados por escritores como Stephen King, tornados visíveis em filmes de horror, que irrompem em cinemas nas sextas-feiras.” E a grande pergunta é por que gostamos tanto de um filme ou livro de terror? Por que histórias sobrenaturais são tão interessantes?
Por vivermos em uma constante negação dos nossos problemas sociais, esses monstros carismáticos que atingem grandes vendas e bilheterias, nos deixam cegos perante os reais monstros da nossa vida: a fome, a miséria, a violência em todas as suas esferas. Por meio da literatura, diversos autores conseguiram amenizar esse tecido que encobre os nossos olhos e nos colocou diante dos verdadeiros monstros da vida atual. Como exemplo dado por Sam Coale, temos Thomas Phynchon que em uma de suas obras ataca o sistema capitalista americano e o considera o coração desse monstro real.
Há ainda uma análise sobre outros monstros, como os vampiros e os extraterrestre, porém, o que fica é essa construção contemporânea dos monstros que, mesmo habitando o inconsciente ou sendo apenas uma expressão artística, permanece como algo real quando olhamos tudo à nossa volta: as guerras, os crimes, a violência, a solidão. Que são elementos difíceis de controlar, mas sabemos que erradicar suas existências ainda é o caminho que nos torna mais humanos.
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Respostas de 2
Uau, Francine! Essa comparação formulada pela Mariângela me cativou bastante! Interessante pensar nessa força de sedução da cidade, nos levando a cair nos seus caprichos. Bela resenha!
Oi, Thomaz!
Obrigada por ler! 🙂
Eu fiquei muito impressionada com o texto da Mariângela e agora, em tudo que vejo, imagino os monstros contemporâneos…
Um livro realmente importante pra gente compreender mais os nossos dias.
Beijos!