Eduardo Bueno pode ser atribuído como um dos principais disseminadores da geração de Keruac, Ginsberg, Burroughs, entre tantos outros que durante a década de 1950 compuseram a beat generation (Geração Beat). Jornalista e escritor, Peninha, como é conhecido, traduziu On the Road, e fez com que o movimento de fato aterrissasse na Ilha de Vera Cruz, ou Terra de Santa Cruz. Melhor dizendo, na Terra dos Papagaios. Sim, pois todos esses nomes antecederam ao que hoje conhecemos como Brasil. E não: não somente devido à árvore da qual se poderia se confeccionar a tinta vermelha que tingiria os tecidos dos nobres europeus.
É sobre isso e muito mais que se trata A Viagem do Descobrimento: um olhar sobre a expedição de Cabral (Estação Brasil, 2019). Lançado originalmente no final dos anos 1990, é o primeiro volume de quatro livros de uma série chamada coleção Brasilis. Trata-se de um livro, que assim como Brasil: uma história – cinco séculos de um país em construção (tem resenha aqui), foge da formalidade acadêmica sem ser banal, resume sem ser leviano.
O livro começa em um dos momentos da chamada “Semana de Vera Cruz” (período de dez dias na qual a expedição de Cabral permaneceu nas costas de Bahia no final de abril de 1500). O destino final era Calecute na Índia. Sua missão era contornar o “Cabo da Boa Esperança” de acordo com as orientações dadas por Vasco da Gama, primeiro navegador a atravessar o Atlântico para o Índico, comprovando a tese de muitos séculos de que haveria, sim, como navegar da Europa à Índia contornando o continente sul-africano.
O que acontece é que, quando Vasco da Gama chega à Calicute para fundar uma feitoria, se depara com o rei vigente forrado de ouro da cabeça aos pés (literalmente, pois há registros de anel reluzente em seu dedo mindinho do pé). Os presentes trazidos de Portugal não satisfazem o soberano, e Vasco da Gama, embora retorne para casa com o feito da travessia, faz com que o rei D. João II, se sentindo ultrajado, organize a maior expedição marítima que o mundo já havia visto para retornar à Calecute levando o que havia de melhor em Portugal, para que desta vez o rei se convencesse a passar a negociar com os lusos.
Muito mais do que a empreitada em si, o livro te faz reviver o que de fato foi a viagem de Cabral, remontando através de registros históricos o lado humano da viagem. Não nos esqueçamos que a história é feita de seres que sangram, sentem fome, calor, sede, como nós. Eduardo Bueno nos faz sentir as dificuldades que a situação insalubre a bordo acabavam por causar nos tripulantes. Doenças, abusos sexuais, alimento em forma de ração comido por baratas, bebedeiras e maus tratos.
Trata também de como foi o primeiro contato com os índios Tupiniquim, que, muito provavelmente, ao avistarem as embarcações surgindo em meio ao mar de Porto Seguro, acreditaram se tratar de seres sobrenaturais, ou até mesmo deuses. Uma recepção amistosa. Troca de presentes e uma confraternização dando origem a um país com fama de festeiro. Batucadas, música e o registro de um “salto mortal” de um dos portugueses, que deixou os índios maravilhados.
Hipóteses históricas
O livro traça hipóteses históricas entre teorias que consideram o descobrimento de Cabral um mero acaso, e os que tratam como planejado. Que Portugal, caso não tivesse certeza da existência de uma grande ilha, ou continente mais ao oeste do Atlântico, no mínimo já obtinha alguns indícios. Além de trazer à tona o fato de que, no início de 1500, antes do descobrimento oficial registrado em 22 de abril, dois espanhóis estiveram navegando pela costa do Ceará. Eram eles Vicente Pinzón, capitão de Niña e companheiro de Colombo na descoberta da América em 1942, e Diego de Lepe. Ambos teriam costeado desde a costa de Mucuripe até a foz do Amazonas.
Os outros volumes que compõem o relançamento da coleção Brasilis são: Náufragos, traficantes e degredados; Capitães do Brasil; e A coroa, a cruz e a espada. Edições que receberam novas e atraentes capas, e cujos textos são tudo isso que eu já disse: leves na compreensão, fervorosos no explanar dos fatos. Precisamos de uma literatura voltada para a história com essas características. Que atraia mais leitores (mesmo aqueles que consideram que livros tem muitas coisas escritas). Pois vale sempre lembrar: “o povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.