Aqui estou sentada diante do computador procurando tecer algumas ideias a respeito de literatura e política. Mas as ideias foram formadas em diversos fios que tentaram se auto organizar e deram um nó em si mesmas. Assim, em uma tentativa frustrada, mas de quem sente algo que deve se chamar perseverança, insisto em traçar essas linhas.
Começou quando novembro chegou e percebi que no mês anterior eu só havia lido um único texto literário. Um conto chamado “O tiro“, de um escritor russo chamado Alexandr Púchkin. A princípio, tive o desejo de escrever sobre a obra, porém, alguma notícia sobre a barbárie chamada dois mil e vinte deve ter tirado a minha concentração. Portanto, agora, o conto se tornou uma vaga lembrança sobre um homem violento que despertou uma certa curiosidade em outro homem. O tempo passa, as vidas deles se distanciam, mas em outro momento eles se reencontram. Esse homem violento não tem medo de morrer. É mais ou menos isso e muito mais que me escapa.
Sobre literatura e política
Ainda me choca o fato de ler pelas redes sociais comentários que enaltecem o distanciamento de literatura e política. Me choca porque é tão forte em mim a ideia de que a vida é política. Então, ainda é comum encontrar nos comentários (que nunca devemos ler mas) que a revista Livro & Café deve falar apenas de literatura e não de política. O que me faz pensar na própria política e seu poder de enaltecer a ignorância.
Então, o título desse texto é o trecho de uma música eternizada na voz de Cássia Eller, que veio a mim depois que fiz a leitura da primeira crônica do livro “Linhas Tortas”, de Graciliano Ramos. E cheguei a esse livro porque, na tentativa de buscar mais referências literárias para desenvolver minha escrita, tirei o livro da prateleira no impulso de que um imortal da literatura me salvasse.
Ele não me salvou, porque sei que ninguém precisa ser salvo a não ser salvar-se todo dia de alguma coisa. Mas na crônica toda linda de Graciliano Ramos ele fala sobre o quê? Sobre ela, a política:
“Está aqui um deputado que é um poço de manha, papagueador quando parola com o eleitorado, mudo na câmara, gênero peru; ali está um presidente de estado que outra coisa não tem feito senão apregoar pelas trombetas oficiais as maravilhas que ninguém vê, mas que ele teve o louvável intuito de realizar; temos acolá um advogado ventoinha, equilibrista emérito, camaleão legítimo; vem depois o comerciante voraz, enriquecido com os favores clandestinos, negociatas escusas e contrabandos; mais distante, avulta a majestade rotunda do industrial insatisfeito, empanturrado pelas propinas que a guerra lhe meteu no bucho.”
Graciliano Ramos, p. 14. Linhas Tortas
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu. Tá tudo assim, tão diferente…
Nada mudou de 1915 para cá, se recortarmos esse trecho de “Linhas Tortas” e colarmos na capa de um jornal de 2020 será exatamente a mesma coisa. Como em um novo jogo de xadrez, as peças foram trocadas, mas ainda cumprem as mesmas funções. Não quero pensar nos nomes que configuram essa política descrita por Graciliano Ramos ao mesmo tempo que todos os nomes já estão aqui. Entretanto verbalizá-los ou escrevê-los é um ação difícil.
Mas para não terminar essas minhas linhas tortas que mal chegam aos pés das linhas tortas de Graciliano Ramos, vou parafrasear o Émile Zola, que disse algo mais ou menos assim: “os políticos não gostam de literatura porque é um força que lhes escapa.”
Apesar de fragilizados com esse dois mil e vinte, os artista são aqueles que também não são nomeados pelo lado de lá, mas é uma tentativa inútil porque a arte, como a natureza, sempre ressurge – é um poder que escapa. Resta saber quando a estação mudará de novo.