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A mulher que escreveu a Bíblia (Moacyr Scliar) e um verniz de comédia

A mulher que escreveu a Bíblia, de autoria de Moacyr Scliar, foi publicada pela primeira vez em 1999 e, no ano seguinte, levou o Prêmio Jabuti na categoria Romance. A edição que li para esta resenha foi publicada pela Folha de S. Paulo na Coleção Literatura Ibero-Americana.

O romance conta a perspectiva de uma mulher que, após se submeter a sessões de terapia de vidas passadas, acredita que foi uma das esposas do Rei Salomão. A partir dessa descoberta ela escreve, então, um relato detalhado de sua experiência de uma existência anterior, com base em suas visões desse passado.

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O livro é dividido em duas partes. Na primeira, o próprio terapeuta faz um breve relato e apresenta o manuscrito produzido por uma de suas pacientes. Em seguida, podemos ler o próprio registro da mulher em primeira pessoa.

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Resumo (com spoiler)

A protagonista é uma aldeã, filha do chefe da tribo, que se descobre feia. E a fealdade aqui é descrita por ela como falta de simetria entre os elementos de seu rosto, um cabelo desarrumado e manchas em sua face. 

Apesar de sua aparência, ela vive a vida em sua vila natal e aprende a ler e escrever com um dos trabalhadores que serve a seu pai. Mas um dia a comitiva real chega e decreta: a filha mais velha do chefe da tribo deve ser oferecida como esposa para Salomão. 

A partir desse momento, a mulher é levada até o palácio do Rei e passa a viver como uma de suas inúmeras esposas. Sofre com a rejeição do marido, que não consuma o casamento por causa de sua aparência. 

Mas, sua sorte começa a mudar quando é incumbida de escrever um livro que conta a história daquele povo desde o início: a Bíblia.

Pressão estética com verniz de comédia

Com uma linguagem fluida, cômica, que mistura de forma convincente e harmônica um vocabulário mais rebuscado, fazendo referência à época histórica, e várias expressões contemporâneas, o texto oferece uma leitura muito agradável. 

Esse trabalho com a linguagem também proporciona verossimilhança para o relato, que parece realmente escrito por uma mulher culta, mas que, às vezes, deixa escapar um anacronismo ou outro.

Com várias cenas hot e referências a um desejo sexual intenso, a trama é dinâmica e muitas das situações, embora dramáticas, ganham um verniz de comédia difícil de resistir.

E com tudo isso, é um livro que faz refletir sobre a pressão estética a que mulheres são submetidas, sobre como a inteligência é vista como um mecanismo de defesa ou até mesmo de compensação para mulheres que não querem ou não podem fazer jus ao padrão de beleza.

Além disso, é uma história que faz pensar sobre as circunstâncias em que a própria Bíblia foi escrita. No caso, especialmente o Antigo, ou Velho, Testamento. 

Em um período em que a escrita e a leitura, assim como o acesso a papéis e tinta, eram privilégios de pouquíssimas pessoas, quem foram os eleitos que tiveram a oportunidade de contar aquela história? Quais os interesses pessoais, políticos e econômicos envolvidos? Quais trechos ficaram de fora do livro na hora da edição?

Quem vai curtir A mulher que escreveu a Bíblia

Quem gosta dos especiais de Natal do Porta dos Fundos e do estilo de humor do Monty Pyton, vai gostar de A mulher que escreveu a Bíblia.

Sobre quem escreveu

Moacyr Scliar (1937-2011) foi um escritor brasileiro nascido em Porto Alegre. Formado em medicina, especialista em saúde pública e professor universitário. Publicou uma vasta obra literária de diferentes gêneros: contos, romances, livros infanto-juvenis, ensaios e também atuou como cronista em jornais da época. De origem judia, ele era um estudioso de textos considerados sagrados e afirmou que lia a Bíblia como um livro de literatura. 

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