Com 376 títulos publicados, a Editora Folheando, localizada em Belém (Pará) conta com mais de um terço do seu catálogo dedicado a autores e autoras da região Norte e Nordeste.
Para o editor Douglas de Oliveira, o grande desafio das editoras é derrubar o mito do escritor regional. “Um escritor sudestino pode ser um escritor regional, bem como um escritor do Oiapoque pode ser um escritor universal. Precisamos desconstruir o que resta ainda dessa imagem de que literatura produzida no Norte e Nordeste são apenas cordéis e lendas amazônicas”.
Segundo Cupertino Freitas, autor do romance Roupa Lavada, a imprensa exerce um papel fundamental nesse processo. “É necessário romper a bolha em que estamos e conseguirmos espaço na mídia. Dar destaque nacional para as obras produzidas na região, de forma a despertar a curiosidade e o interesse do mercado, da imprensa e do público do Sul e do Sudeste por histórias escritas por escritores nortistas e nordestinos”, ressalta.
Apesar de nomes como Itamar Vieira Jr., Monique Malcher e outros ganharem destaque pelas suas produções literárias, a invisibilidade ainda é a realidade para a grande maioria de quem produz literatura no Norte e no Nordeste do país. “Temos observado maiores oportunidades para autores da região norte, amazônica e região nordestina, mas maioria das pessoas não pensa ser possível, por exemplo, uma história de ficção com origem e cenários amazônicos enquanto expoentes da literatura brasileira”, observa Giu Yukari Murakami, autora de “A Aprendiz de Erveira“.
Apesar da constatação, a autora se mostra otimista com o mercado literário: “Hoje, ele está muito mais aberto à diversidade, o que traz esperança de que possamos pluralizar cada vez mais vozes na literatura brasileira para que mais pessoas se identifiquem com essas histórias”.
Problemas de infraestrutura e distribuição: os obstáculos do dia a dia
Quem escreve um livro quer que sua história chegue ao máximo de leitores possíveis. E hoje, em um mundo globalizado, em que é possível realizar compras e vendas pela internet, levar uma obra literária para qualquer lugar do mundo é algo simples, correto? Errado! Pelo menos para autores que não estão no eixo Sul-Sudeste.
“Além da dificuldade de acesso à grande imprensa, existem questões físicas e estruturais. Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade de enviar os livros pelos Correios porque moro numa pequena cidade de 24 mil habitantes no meio da Ilha do Marajó. O Correio vive lotado e demora muito para as encomendas serem enviadas ou chegarem aqui”, explica Marcos Samuel Costa, autor do romance “Dentro de um Peixe“.
A distribuição dos títulos do Norte e do Nordeste é também uma das preocupações do autor de “Martelo Alagoano“, Thalles Gomes: “Qual é a proporção de editoras, livrarias e bibliotecas fora da zona oeste paulistana e da zona sul carioca? Quantos livros a população que vive longe deles pode adquirir? A exclusão afeta a região amazônica e nordestina tanto quanto as periferias de Rio, São Paulo e Porto Alegre. É preciso desconcentrar e distribuir não só o circuito literário, mas a renda e o poder”.
Apesar de realidades diversas, autores e autoras independentes enfrentam problemas comuns: desafios para distribuição, acesso à livrarias e, consequentemente, seus leitores. De acordo com o jornalista Anderson Araújo, esses problemas são culturais, econômicos e políticos. “O que também move a produção cultural é o dinheiro. E percebemos que há uma concentração e circulação de poder e de riquezas em determinadas regiões”. Além de encontrar editoras que compreendam as histórias e queiram publicá-las, ele reforça que é preciso de suporte para que o trabalho circule em outras regiões . “Precisamos de mais editais, de ações para que autores e autoras ganhem visibilidade e que vençam essas barreiras”, afirma o autor de “Manual Prático de Como Vestir Um Pai Morto“.
Romancista da Amazônia: o resgate da obra de Dalcídio Jurandir pela editora Folheando
Pensando na valorização dos autores da região, a Editora Folheando irá lançar em outubro uma edição especial de “Passagem dos inocentes”, de Dalcídio Jurandir, que completa 60 anos de história, em 2023. “O trabalho do Dalcídio estava sob os cuidados de uma editora que encerrou seus trabalhos. Com isso, decidimos publicar a obra dele, mantendo viva a escrita do autor”, conta Douglas, editor da Folheando.
Nascido em 1909, na Vila de Ponta de Pedras (Ilha do Marajó, PA), Dalcídio foi um célebre escritor da literatura brasileira e publicou 10 romances que formam um panorama amazônico. Em seus livros, explorava temas como a modernização amazônica, o campo marajoara, a vida das camadas sociais mais pobres e suas realidades econômicas difíceis. Pelo conjunto de sua obra, ganhou o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, e o prêmio Vecchi – Dom Casmurro. Foi amigo próximo de Jorge Amado, Zelia Gatai, dentre outros autores e autoras renomados.
“Para nós, da Folheando, deixar a obra de Dalcídio descansando em edições antigas não é uma opção. Dalcídio apresenta uma Amazônia do século 20 que poucos conhecem. A riqueza de seus personagens, os cenários marajoara e belenense merecem ser conhecidos pelos leitores”, destaca Douglas.
Por: Karoline Lopes e Marcela Güther (Com.tato – curadoria de comunicação)