Batalha no Vale do Sol é o primeiro romance de Mari Mendes. Lançamento da Editora Expressão Popular, conta a história de uma ocupação de luta por moradia, permeada por situações reais da classe trabalhadora e acontecimentos do campo do mistério.
Em suas linhas de abertura, Batalha no Vale do Sol apresenta Madalira, uma jovem mãe solo, que ao se perceber uma nova mulher, vê um ramo de arruda brotar em seu peito. A história de Madalira se entrelaça com a de tantas outras mulheres lutadoras, como Nita, Beguina, Doralice, Josiane, Talisca, nesta ocupação urbana chamada Vale do Sol.
Sobre a presença de figuras femininas fortes, a autora diz que é difícil, mesmo escrevendo uma ficção, não trazer a realidade da sua vivência nas obras, e comentou que se inspirou em diversas mulheres que conhece, mencionando especificamente mulheres evangélicas.
É neste mesmo terreno ocupado que as pessoas leitoras conhecerão o guardador de carros Saimon, também chamado de Levita, que é o protagonista de um dos três atos em que é dividido o romance: Livro de Madalira, Livro do Levita e Livro do Vale do Sol.
Uma inspiração
Mari Mendes teve como inspiração a história da sua família, nas palavras de Mari ‘a falta da casa própria nos expôs a uma série de situações, como a experiência de morar em edículas de parentes, a tentativa frustrada de conseguir um terreno por usucapião, aluguéis que se tornam impossíveis de pagar. Por isso, a questão da moradia sempre foi algo sensível para mim. Inclusive moro nos fundos da casa da minha sogra desde o início da pandemia do novo coronavírus.’
No desenrolar da trama, onde a dura realidade da luta por moradia e um mundo do mistério se relacionam, as pessoas da ocupação se deparam com a necessidade de resistir ao despejo pela tropa de choque. Neste momento, que extrapola a organização da lida diária em comunidade na ocupação, é que a inteligência, a coragem e o humanismo de cada uma das personagens vêm à tona por meio das ações coletivas.
A autora conta ainda como se deu a sua aproximação com movimentos sociais de luta por moradia durante o período que cursou Geografia na UFSCar. ‘Acompanhei as notícias do despejo violento ocorrido na Ocupação Pinheirinho em São José dos Campos em 2013, conheci a história de organização popular da Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte, além das ocupações no centro da cidade do São Paulo, como a Mauá. Todas essas iniciativas de luta estão plenas de histórias fantásticas de mulheres e homens de luta e me inspirei muito nelas.’
Os temas essenciais para a sociedade
Para Mari Mendes a literatura deve falar sobre os temas essenciais para a sociedade, e na sua visão, a vida das pessoas organizadas em uma ocupação, que tem por objetivo garantir a moradia, é muito relevante para nosso momento histórico.
‘A casa própria não é apenas um sonho pessoal. O déficit habitacional tem a ver com a maneira como nossas cidades cresceram e se desenvolveram; tem a ver com a lógica do mercado imobiliário, que trata um direito básico, que deveria ser universal, como mercadoria.’ lembra a autora.
Diante dessa realidade difícil onde a casa própria se tornou inacessíveis às famílias mais pobres, sobretudo no período em que o Brasil foi governado pela extrema direita fascista, como destacou Mari, ela quis também mostrar a beleza e complexidade das pessoas que estão engajadas nas lutas por moradia digna. ‘Quando usamos termos como “maravilhoso” ou “fantástico” nos referimos a acontecimentos extraordinários e admiráveis. Na sociedade em que vivemos hoje, ser uma lutadora ou um lutador popular é extraordinário e admirável. Em contraposição a uma narrativa que coloca essas pessoas como “criminosas” ou “terroristas”, aponta Mari Mendes.
Ela lembra também que no campo da literatura os acontecimentos fantásticos têm diferentes camadas, que podem significar coisas diversas dependendo de quem lê. E sobre alguns dos eventos no campo do mistério na obra ela relata ‘muito provavelmente a simbologia da arruda ou do Levita escapam ao que eu procurei propor durante a escrita do livro.’
Outro fator importante para Mariana é a editora pela qual Batalha no Vale do Sol foi lançado. Segundo ela é um elemento que também agrega para a relevância da obra no contexto de lutas sociais e populares. ‘ A editora Expressão Popular está ligada aos movimentos sociais e fornece alguns dos clássicos da literatura que embasam a formação de lutadores e lutadoras populares do nosso país.’
Sobre Mari Mendes
Mariana Mendes tem 31 anos, nasceu em Minas Gerais, na cidade de Itaúna, mas desde a primeira infância mora no interior de São Paulo, primeiro em Sorocaba e mais recentemente na cidade de Votorantim. É mãe e trabalha como redatora.
Em 2022 foi uma das autoras com texto publicado na coletânea Mulheres da Palavra ‘Escritos saídos da gaveta para uma revolução em curso’, do coletivo de escritoras de Sorocaba. Desenvolveu, neste mesmo ano, uma oficina de contos a partir da sua prática e a disponibilizou gratuitamente de forma virtual. Potências do Encontro, livro de contos, foi sua primeira obra publicada pela Editora Patuá no ano 2019 e foi contemplada pelo Prêmio Sorocaba de Literatura em 2021. Participou de outras coletâneas de contos e poemas: Mulherio das Letras (2018) e Nunca Mais (Peabiru, 2022). É colaboradora do site Livro & Café.