Mais uma vez Katherine Mansfield me deixa estupefata com a qualidade de seus contos. Terminei agora a leitura de “Conto de homem casado” que, junto com “Je ne parle pas français”, está na lista dos meus contos preferidos. Não preferidos contos de Katherine Mansfield, mas sim de todos os contos que já li até então. E por quê? Tentarei explicar, mas antecipo que literatura, como arte, é por mim apreciada de uma maneira amadora e ingênua, prefiro assim, de ser como uma criança a admirar as cores de um objeto que naturalmente se gosta.

Por quê são os melhores contos, para mim?

Esses dois contos têm em comum o homem como personagem principal, o primeiro é um escritor decadente, filosofando sobre a sua vida num café francês. O segundo é um homem casado, escrevendo em seu escritório enquanto a esposa cuida do bebê.

Em certo ponto os dois personagens divagam sobre o processo da escrita e as dificuldades em obter uma escrita simples e boa. Outro ponto em comum é a volta ao passado dos personagens, recordando a infância, trazendo elementos importantes para a construção do entendimento deles sobre quem são naquele momento: na mesa do escritório, na mesa do café. Assim, há o reconhecimento que eles não são homens tipicamente interessantes: são feios, fracos e nutrem de um olhar blasé para o mundo.

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Personagens e seus caminhos nos contos de Katherine Mansfield

Após essa leve apresentação dos dois personagens Katherine constrói caminhos diferentes para cada conto: “Je ne parle pas français”, escrito em 1918, segue num ritmo mais agitado, há a entrada de outros personagens que o faz ganhar um ar delicioso de aventura. O outro, “Conto de homem casado”, escrito em 1921, permanece numa lentidão bela, com uma pitada de fluxo de consciência até o fim que leva o leitor a um estado de beleza, de contemplação da arte literária. É lindo.

Por fim, Katherine Mansfield viveu apenas 35 anos, faleceu de uma doença grave. Um pouco antes de morrer, em seu diário, ela deixou registrado que gostaria de escrever “livros diferentes”. Não deu tempo. E eu fico aqui me perguntando o que mais de preciosos ela poderia ter escrito se não fosse a tão misteriosa morte chegar. Será que chegou mesmo na hora certa? Sempre divago sobre isso quando sinto que a pessoa poderia ter produzido muito mais nessa vida. Katherine merecia isso. Em sua lápide há uma frase de Shakespeare:

Mas eu lhe digo, meu tolo senhor,
dessa 
urtiga, o perigo, colhemos
esta flor, a salvação.

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8 Comentários

  1. Ela morreu muito jovem, né? Que pena! Que interessante que estes dois contos com uma base central tão parecida (homem + mesa + reflexões sobre o ato de escrever) tomem rumos bem diferentes! Fico imaginando se ela teria pensado desde o começo em criar estas coincidências para depois desviar o rumo da história que veio depois ou se ela teria começado sem notar, por ser apenas uma preferência do seu tipo de personagem, tema e ambientação. Como não conheço bem esta autora, nem ouso arriscar um palpite rs.

  2. Mansfield forma a tríade do conto moderno: Maupassant, Tchekhov e ela.
    Já li todos os contos traduzidos para nossa língua. No livro Felicidade está o conto “Bliss” que dá título à coletânea. Atualmente, o conto foi traduzido com outro título: “Estado de Graça”, que realmente parece mais apropriado do que “Felicidade”. É excelente, pois a epifania (ferramenta talvez essencial para a prosa curta moderna) é de primeira água. Uma contista de primeira, aprendiz de Tchekov, mas que, em muitos momentos, se equipara ao mestre.

  3. “Je ne parle pas français”, “Bliss”, “Pequena Governanta”, são primorosos. Mansfield é uma contista de primeira mão. Infelizmente nos privou da oportunidade de ler um romance tecidos na sua prosa tão boa, que seria, certamente, genial.

  4. Ah, os contos de Katherine Mansfield! Ando com vontade de lê-los novamente.
    Venho me perguntando o mesmo, mas em relação aos suicidas, ao certo “fascínio” que alguns provocam. Ana C., Sylvia Plath e outros… teriam eles ” dado certo”?

  5. Consegui um exemplar de FELICIDADE, traduzido por ÉRICO VERÍSSIMO – estou lendo os contos de forma aleatória e posso dizer que gostei muito de PRELÚDIO, FELICIDADE, JE NE PARLE PAS FRANÇAIS e O SEU PRIMEIRO BAILE. Descobri que PRELÚDIO tem uma continuação, NA BAÍA (que está no livro CONTOS da COSACNAIFY). Cheguei até KATHERINE por uma biografia de Clarice Lispector (de Benjamim Moser), onde ele destaca a influência de MANSFIELD em LISPECTOR (Meu Deus, duas EXCELENTES ESCRITORAS). Obrigado

  6. Olá Francine, adorei sua postagem. Também sou fã de KM. Estou lendo seus livros publicados no Brasil este ano. Também li Je ne parle pas français. Li que o personagem homem que narra a história é inspirada no marido dela, Murry. Cada dia fico mais e mais fascinada pela obra dela. A gente pode trocar algumas idéias. Beijos.

  7. Querida Franscine, cometi um erro. O personagem inspirado no marido de KM é na verdade a personagem de Dick Harmon, o ingles, escritor, sério, e reservado… que confusão a minha. Beijokas.

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