Barba ensopada de sangue: intensidade e beleza narrativa na obra de Daniel Galera.

    Daniel Galera é um escritor brasileiro, e ter uma obra em mãos que se passa num ambiente tão palpável quanto o nosso próprio país confere uma proximidade maior com os mitos que a literatura há tanto tenta nos inculcar como verdade. Mas quem não é brasileiro também terá contato com o livro, e, consequentemente, com nosso país – embora com uma parte que bem frequentada pelos turistas: o litoral –, tal fato se deve pelo livro ter seu capítulo inicial publicado pela Granta, e os direitos dele como um todo vendidos para países longínquos como Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália, Argentina, Portugal, Romênia e Holanda. A fama de Barba Ensopada de Sangue obviamente não se deu sem razão, já que possui uma intensidade e uma beleza narrativa que nos dá uma dor na consciência pela possibilidade de estarmos deixando passar despercebidos alguns talentos da nossa literatura contemporânea.

    A particularidade do protagonista no primeiro parágrafo

    Por ter saído na Granta, o primeiro capítulo merece um parágrafo próprio. A primeira página do livro, especificamente, trata de uma particularidade do protagonista sem nome: ele possui uma doença cerebral rara que o faz se esquecer da fisionomia das pessoas.

    Nesta página há uma descrição minuciosa da feição do pai, que, ao final, o narrador desmascara o protagonista por dizer que este não reconhecia as feições de seu interlocutor como as de seu pai, pois não sabia como estas eram, e que só chegava à conclusão de que tal pessoa era o pai porque só ele morava naquela casa.

    Logo em seguida há um jogo de palavras sobre a doença do protagonista, mesmo que esta ainda não seja explícita. Mas o que faz valer a genialidade do capítulo introdutório é o seu tom excêntrico e amargo baseado num diálogo entre pai e filho e do qual sai um pedido inesperado por parte do progenitor: ele irá se suicidar e quer que o filho, após o ocorrido, leve a cadela que se encontra no momento ao lado do dono, ao veterinário para uma eutanásia; pois, como disse o dono, ‘ela não conseguiria viver sem mim’.

    Após o incidente do pai, que realmente obteve sucesso, o personagem sem nome muda-se para Garopaba, cidade onde o avô morava antes de ser assassinado misteriosamente. O motivo que move o personagem nessa empreitada é descobrir sobre o passado do avô que tanto se parecia com ele quando tinha a mesma idade (fato comprovado ao comparar sua face (o protagonista também não se lembra como ela é) com a foto do avô no espelho), mas conforme se prossegue no livro, descobre-se o porque do interesse pelo avô, e tal razão é algo por qual todos passamos, e sobre esse mesmo motivo, discorrerei na segunda parte do próximo parágrafo.

    Relações exploradas de um modo que abraçam

    O mais relevante e louvável no livro são as relações, que mesmo tão simples são exploradas dum modo que nos abraçam e nos motivam a acompanhar e perscrutá-las até seus âmagos ou ápices.

    Entretanto, não é apenas isso que “Barba ensopada de sangue” encerra na sua melhor qualidade: ao se relacionar com outrem, o personagem sem nome se faz conhecer, ao despertar nas pessoas qualidades e gênios que ele também abriga dentro de si, de forma que os personagens secundários tenham a funcionalidade de um espelho, fazendo o personagem se desbravar no decorrer das páginas, deixando de lado aquele estereótipo de protagonista que é uma mera câmera passiva dos acontecimentos do livro. Ao contrário, em Barba ensopada de sangue, os acontecimentos principais são as várias transformações do protagonista ao travar suas relações. Todas elas são importantes, mas conforme avança o livro, elas ficam mais perigosas, e o protagonista se revela cada vez mais, até que a soma de todas suas transformações lhe encharcam a barba de sangue em vários sentidos.

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