Vivemos numa época em que estar cansada virou quase um estado civil. Acordamos cansadas, trabalhamos cansadas, descansamos… também cansadas. Byung-Chul Han olha para esse cenário com a precisão de quem enxerga as rachaduras por dentro. E não se assusta em nomeá-las. Em Sociedade do Cansaço, ele descreve a lógica de um mundo que trocou a obediência pela produtividade infinita, e que nos convenceu de que podemos tudo, desde que estejamos dispostas a esgotar corpo, mente e alma no processo.
Neste artigo, reuni 7 ideias centrais do livro, comentadas com calma e com o olhar de quem acredita que literatura ajuda a pensar o tempo presente. Não é um resumo; é uma conversa. Daquelas que a gente tem com a xícara na mão e o pensamento cheio de perguntas.

Vamos para a lista de ideias:
1. Da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho
Antes, obedecíamos.
Agora, nos superamos. Ou tentamos até quebrar.
Han explica que trocamos a velha lógica do “dever” (faça isso, siga a norma) por uma lógica do “poder”: você pode mais, basta querer. Parece libertador, mas não é.
O problema desse “poder” é que, quando falhamos, a culpa cai inteira sobre nós.
Nada de contexto, nada de estrutura: só autocobrança.
A liberdade virou uma coleira invisível.
2. A autoexploração é mais eficiente do que qualquer chefe
Aqui Han é cirúrgico:
não precisamos mais de patrões opressores; nós mesmos damos conta do recado. É rir para não chorar. Ou chorar rindo…
Somos funcionários, fiscais, empresários e críticos de nós mesmos.
Temos metas para o corpo, metas para a mente, metas para o descanso (que ironia).
É uma cadeia produtiva inteira operada dentro da cabeça.
E o pior? A gente acha que isso é autonomia.
3. O excesso de positividade adoece
A sociedade do desempenho aboliu o “não”.
Tudo precisa ser otimizado, melhorado, acelerado, organizado. E com sorriso no rosto.
O problema é que essa overdose de positividade impede qualquer crítica.
Quem questiona parece ingrato.
Quem se cansa parece fraco.
Quem descansa parece improdutivo.
Han diz que resistir passa por recuperar o direito ao limite: ao tédio, ao não dar conta, ao silêncio.
4. Burnout: a doença do século do “você pode tudo”
O burnout, para Han, não é uma falha individual.
É quase um sintoma social inevitável.
Quando tudo vira projeto — corpo, carreira, vida emocional —, a exaustão aparece como um grito do organismo: eu não aguento mais ser máquina.
Nesse sentido, o burnout não é falta de força.
É excesso de esforço.
É o corpo puxando o freio que a mente ignorou.
5. A multitarefa como regressão, não avanço
Fazer mil coisas ao mesmo tempo virou símbolo de competência.
Han olha para isso e diz:
isso não é evolução, é instinto de sobrevivência.
A multitarefa nos coloca num estado contínuo de alerta, como animais à espreita.
Perdemos profundidade, concentração, presença.
Estamos sempre conectadas, mas raramente atentas.
A atenção plena virou artigo de luxo.
6. A vida transformada em projeto permanente
Se antes a vida era vivida, hoje ela é gerenciada.
Somos empreendedoras de nós mesmas:
planejamos, monitoramos, mensuramos… até o descanso vira “KPI”.
“Dormir oito horas”, “beber dois litros d’água”, “ler 30 páginas”.
É a lógica da produtividade invadindo o íntimo.
Han nos provoca a perguntar:
onde está a vida que não cabe em planilhas?
7. O desaparecimento do outro empobrece a experiência humana
Na corrida pelo desempenho, não sobra espaço para o outro (o diferente, o contraditório, o imprevisível.)
A alteridade se dissolve.
O diálogo vira disputa.
O convívio vira comparação.
Han alerta: sem o outro, não há mundo comum.
Só indivíduos competindo pelo pódio invisível do “mais produtiva”, “mais disciplinada”, “mais resiliente”.
E isso, claro, cansa.
Profundamente.
Conclusão
Sociedade do Cansaço é um livro pequeno, mas nada leve. Ele incomoda porque descreve exatamente o que vivemos. E porque nos lembra que o problema não está em nós, mas no modelo que nos atravessa. Analisar essas ideias é um jeito de recuperar o respiro, o senso crítico e, quem sabe, um pouco de calma.
Ler Han não resolve o cansaço, mas ajuda a compreendê-lo.
E compreender, às vezes, já é o primeiro descanso.
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