Não há muito que se discutir quanto a On The Road ser o principal relato da Geração Beat e também a grande obra de Jack Kerouac. Isso é fato. Mas uma coisa me deixou bastante intrigado ao terminar de ler Big Sur (2009, L&PM Pocket). Por que eu praticamente não havia lido ou ouvido falar sobre ele? E por que quando não referem-se à Kerouac sobre On The Road, falam sobre Tristessa, Os Subterrâneos, Visões de Cody, mas nunca sobre Big Sur? Será que a crítica não deu tanta importância à obra, ou meu deslumbramento é apenas uma questão de ponto de vista e gosto pessoal?
Um Kerouac mais velho…
Embora Big Sur nos mostre um Kerouac mais velho e debilitado, sob o alter ego de Jack Duluoz, o espírito estradeiro de busca incessante ainda está presente, assim como a necessidade de registrar cada acontecimento minuciosamente por meio do fluxo espontâneo com que as palavras lhe vêm à mente. E é isso que faz desta obra, a meu ver, talvez a maior demonstração da qualidade literária apresentada por Kerouac, em que ao registrar com sinceridade assustadora a angústia de se ver doente e enlouquecendo, nos faz sentir quase na pele todo o seu sofrimento.
(…) porque se eu não escrever o que eu vejo acontecer nesse globo infeliz arredondado pelos contornos da minha caveira eu acho que posso ter sido mandado à Terra pelo pobre Deus a troco de nada. (pág. 95)
Como todos os seus livros, Big Sur é autobiográfico, e embora com nomes fictícios, diversos nomes importantes da cena beat aparecem em suas páginas como Neal Cassady (como Cody Pomeray), Carolyn Cassady (Evelyn), Gary Snyder (Jarry Wagner), Philip Whalen (Ben Fagan), Michael McClure (Pat McLear), Lenore Kandel (Romana Swartz), Lawrence Ferlinghetti (Lorenzo Monsanto) e Robert La Vigne (Robert Browning).
Uma cabana na Califórnia
Cansado da badalação e do assédio causados pela fama, Kerouac se retira por três semanas em uma cabana emprestada por Monsanto em Big Sur, na costa Californiana. O trajeto que percorre após desembarcar de ônibus e ter que seguir a pé por um percurso em meio à escuridão até chegar ao local onde a cabana se localizava, é por si só um momento narrativo que te faz estar ali com o personagem, dando passos curtos com a visão alcançando poucos palmos à frente dos pés iluminados por sua lanterna, se guiando por sons, percebendo-se sobre uma ponte em meio a cânions, apreensivo com o que lhe espera pela frente.
Quando finalmente chega ao local e horas depois a noite dá lugar ao dia, Jack narra suas mais simples atividade com riqueza, fazendo com que pareça que todo o livro se desenvolverá no relato de seu retiro ao longo das três semanas. Até que ele resolve voltar, e ao chegar a São Francisco, onde a notícia da morte de seu gato Tyke recebida em uma carta de sua mãe, dá início a uma drástica mudança em seu estado de espírito. Duluoz sente profundamente a perda e está sempre se lembrando da morte de seu bichano, e quando por ventura outros animais morrem ao longo do livro, ele em sua confusão depressiva sempre acaba se culpando por elas.
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Um registro intrigante
Entre o cruzar estradas e estadias, Jack se vê novamente ao lado de seu velho parceiro Cody. Este lhe apresenta Billie, uma de suas amantes, mãe do pequeno Elliott, com os quais Kerouac se hospeda por um tempo e se relaciona, vivendo ao seu lado dias de fortes crises de alucinações e ideias de conspirações sendo tramadas contra ele, que vão se potencializando e chegam ao extremo quando resolvem passar uns dias na velha cabana em Big Sur (Jack Kerouac) junto a um grupo de beats amigos de Kerouac.
Um registro intrigante, que me fez questionar como deve ter sido registrar tudo o que descreveu, pois dá a quem lê a sensação de algo acontecendo no instante da leitura, parecendo ser impossível ter sido escrito simplesmente relembrando, e sendo assim, é de se pensar que ao escrever ele deve ter sofrido tudo aquilo novamente.
A presença dos principais elementos da geração beat
A obra contem todos os principais elementos característicos da geração beat: a estrada, fortes laços de amizade, sexualidade livre, prosa espontânea e improviso, poesia, drogas, álcool, além de interpretações e ideias iluminadas sobre diversos fatores da vida. Uma ótima pedida se a intenção é dar um mergulho na cena beat, embora eu indicasse como uma leitura a ser feita após ler On The Road, sendo possível então notar o contraste que os anos e a bebida trouxeram ao autor, tudo registrado visceralmente em seu ultimo livro de estrada.
Além do mais eu sei só de olhar para Cody que virar um escritor não tem nenhuma importância porque a vida é tão sagrada para ele que não é necessário fazer mais nada além de viver, a escrita é só um pensamento tardio ou um arranhão na superfície. (pág. 81)
Respostas de 4
O blog livro&café vai mudar de nome para livro&café&geraçãobeat! Excelente resenha! Vou querer ler esse livro.
Hahahaha, tá bom, eu paro de resenhar geração beat hahaha. Leia sim, adorei!
hahaha tá doido de parar? Quando você resenhar todos os livros da Geração Beat, pode fazer uma segunda resenha para cada um deles! haahah
Hahaha. Ah, que alívio! 🙂