Desonra (Coetzee): o declínio social

Desonra é parte da obra laureada pelo Prêmio Nobel de Literatura do autor Sul-Africano John Maxwell Coetzee. Conta-se a respeito de um declínio social que é encarado de uma forma peculiar pelo protagonista David Lurie. Há um antagonismo presente nas atitudes de David Lurie referente ao seu próprio declínio ao contrário do relativo à sua filha Lucy. David Lurie não liga mais para as opiniões que externos formulam sobre seu modo de vida, embora demonstre uma crescente preocupação com o que ele pensa a respeito da qualidade de vida da própria filha: fazendo um papel que ele próprio vem repudiando. Talvez o fato de ele estar na posição de pai lhe conceda o direito, esse tema é abordado em determinadas partes do livro.

O livro começa com David perdendo sua prostitua preferida, que não deseja mais vê-lo ou prestar seus serviços a ele. A defesa de saciar os instintos primitivos é um lema na vida de David Lurie, o que faz com que poucas páginas a frente ele esteja tendo um caso com uma aluna.

O fio da narrativa em Desonra (Coetzee)

Em Desonra (Coetzee) não há surpresas, pois o fio da narrativa é bem simples: um professor universitário da Cidade do Cabo, que após ser expulso por ter um caso com uma aluna, vai morar no interior com a filha, que vive numa pequena chácara.

O que confere a qualidade são os diálogos de David e sua percepção de mundo. E o primeiro destes que pude notar foi seu julgamento universitário pelo caso de ter mantido relações sexuais com uma aluna. David Lurie é aquela espécie de voz interior que todos normalmente devem ter armazenado em algum lugar que não possui o mínimo que seja de paciência para a hipocrisia, e dotado de uma maravilhosa oratória o personagem desbrava e desmascara a burocracia e a moral que lhe rodeia, não sobrando para o intimidado apenas o caminho mais fácil, abusar de seu poder e julgar Lurie culpado.

A filha é uma cachorreira, como diz na tradução: ela dá banho, trata, leva para passear e hospeda cães em seu canil, que fica no quintal da casa. Os cães são uma luz vermelha [ao contrário de Roxanne] pra indicar quando haverá um momento de ouro na narração, isso porque além do canil da filha, David acaba por oferecer ajuda numa clínica veterinária amadora, que funciona também como abatedouro de cães (não usei uma palavra mais amena porque o clima que rege por lá é o mesmo, embora a administradora tenha um coração excelente e use como lema: alguém tem de fazer esse trabalho).

Há um paralelo inesperado que se forma com o caso da expulsão da escola de David que pode ser considerado spoiler por alguns, caso deseje, pule o próximo parágrafo.

Completando dois quintos da leitura tem a passagem que descreve a chegada de três homens na casa de Lucy que a violentam e queimam a cabeça de David utilizando álcool. Após o ocorrido que cria um abismo na relação entre o pai e a filha, a falta de justiça acumula mais angustia no protagonista, que teve uma punição imensamente superior por ter transado com o consentimento da parceira.

O fim do livro é um resumo da sensação que nos acompanha desde as primeiras páginas e têm seu ápice nas finais. Sensação que eu considero muito mais preciosa que qualquer spoiler.

Leia também: A vida dos animais (J. M. Coetzee)

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