Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy é um livro que mostra o que se passa fora das cidadezinhas do velho oeste norte americano que possuíam aqueles bares cujas pequenas portas de vai-vem eram a moldura típica de um cavaleiro de pernas arqueadas sacando suas armas do seu cinto de utilidades.
Antes de mais nada: não é preciso torcer o volume para que dele saia sangue; ele por si só já é um portal que jorra um manancial vermelho digno de Kubrick.
Em termos gerais, Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy é um livro que mostra o que se passa fora das cidadezinhas do velho oeste norte americano que possuíam aqueles bares cujas pequenas portas de vai-vem eram a moldura típica de um cavaleiro de pernas arqueadas sacando suas armas do seu cinto de utilidades.
A narração se dá em terceira pessoa, é crua e fria, os fatos são repentinos e nos pegam em grande parte das vezes desprevenidos, de modo que frequentemente voltamos algumas palavras para que a linha de raciocínio traçada pelo narrador faça sentido.
O visual tem presença marcante já que diálogos são escassos e o que mais permeia o livro, fora sangue, são paisagens belamente construídas a partir da genialidade da escrita de McCarthy e confrontos entre grupos distintos em meio ao deserto.
O protagonista da obra
O “protagonista” do livro não tem nome e é apelidado pelo narrador de Kid. A primeira página trata de sua infância e transição para a vida adolescente, quando foge de casa e do pobre antro familiar onde até aquele momento viveu. Kid não é propriamente o personagem principal porque a história não é sobre ele, mas principalmente sobre o que acontece a sua volta, nos grupos a que ele passa a pertencer no período narrado de sua vida, que vai até os vinte e oito.
Meridiano de Sangue é ágil e em poucas páginas o personagem se encontra na casa dos vinte anos. A narrativa é truncada, os pensamentos misturados com as falas e sonhos. O autor não titubeou em tirar a vida de pessoas ao fim do parágrafo que fora sua primeira aparição no livro. Apenas o Kid não morre, ele funciona como uma câmera e aonde quer que vá, a narração o segue e nos deixa a par do grupo em que ele se encontra e dos seus objetivos.
O grupo que foi seu tutor por mais tempo se dedicava a escapelar índios apaches (quem aí já teve um forte apache?) com que ganhavam recompensa em ouro por unidade. Seu grupo, além dessa imensa chacina, também comete inúmeras atrocidades, como o decorrente estupro e assassinatos aos que lhes dirigem um bom dia.
Uma figura que dá suas caras na página trinta e só volta dali a cem delas é o Juiz, homem erudito, desprovido de um pelo sequer (na maioria das vezes que a narração recai sobre ele, o sujeito está nu, vagando pela noite, pois não dorme), poliglota e que tem por lema de vida a guerra como a atividade mais nobre que o ser humano pode se permitir. Personagem muito mais emocionante de acompanhar do que o próprio protagonista.
Um leitor perdido…
As situações mudam de uma letra para outra e deixam o leitor tão perdido como os breves personagens ainda vivos em meio a inúmeros desertos, mas como a leitura é cíclica e os mesmos temas são repetidos parágrafo após parágrafo (guerra entre grupos antagônicos no deserto e paisagens bucólicas em cânions), não há muito o que temer.
Abaixo algumas frases do livro:
O caminho foi se estreitando entre rochedos e após algum tempo chegaram a um arbusto de cujos ramos pendiam bebês mortos.
Pararam lado a lado, hesitantes sob o calor. Aquelas pequenas vítimas, sete, oito delas, haviam sido perfuradas pelas gargantas nos galhos partidos de um pé de prosópis para fitar cegamente o céu nu. Calvas e pálidas e inchadas, larvais de algum ser indefinido. Os desterrados passaram mancando, olharam para trás. Nada se mexia.
O branco ergueu o olhar ébrio e o preto avançou e com um único golpe [de sua Bowie] decepou sua cabeça.
Duas cordas espessas de sangue escuro e duas mais finas subiram como serpentes do toco de seu pescoço e num arco foram sibilar dentro da fogueira. A cabeça rolou para a esquerda e parou aos pés do ex-padre onde quedou de olhos aterrorizados. […] O fogo cuspia vapor e enegrecia e uma nuvem de fumaça cinza subiu e os arcos colunares de sangue lentamente arrefeceram até que apenas o pescoço borbulhava suavemente como um guisado e depois também isso parou. [O cadáver] Continuava sentado como antes, exceto pela cabeça ausente, encharcado de sangue, a cigarrilha ainda entre os dedos, curvado na direção da gruta escura e fumegante em meio às chamas para onde sua vida tinha ido.
Uma resposta
Oi, Alister. Tudo bem? Tenho interesse em adquirir a edição de “Meridiano de Sangue” publicada pela Editora Alfaguara. Se você tiver (ou conhecer alguém) e queira vendê-lo, me dá um retorno? Valeu! Mauricio