O livro Últimos Poemas (L&PM, tradução de Luiz de Miranda) foi concluído no leito de morte do autor. Assim, as poesias possuem a melancolia típica de Neruda e também um pouco de existencialismo.
Pablo Neruda é um dos principais escritores chilenos do século XX. Sua obra está marcada pela singularidade dos poemas que misturam temas relacionados ao amor, a vida cotidiana, a política, o mar, etc.
Após a sua morte, em 23 de setembro de 1973, muitas poesias do autor foram publicadas, um jeito de manter acesa a chama da forte linguagem de Neruda. E, no caso do livro Últimos Poemas (L&PM, tradução de Luiz de Miranda), que foi concluído no leito de morte do autor, as poesias possuem a melancolia típica de Neruda e também um pouco de existencialismo. Um exemplo é o poema “Regressando”, p. 21, que fala sobre morte, destino e regresso:
“Porque é obrigatório
obedecer ao inverno,
deixar crescer o vento
também dentro de ti”
Outra poesia que leva o leitor para o seu próprio interior chama-se “Eu me chamava Reyes”, p. 35. É interessante perceber que, diferente do mar – sempre presente na obra do autor, este é um poema sobre a terra:
“Eu não nasci mas me fundaram,
me puseram todos os nomes
de uma só vez,
me chamei matagal,
depois ameixeira, lariço e depois trigo,
por isso sou tanto e tão pouco,
tão multidão e tão desamparado,
porque venho de baixo,
da terra.”
Pelo fato de algumas poesias terem sido escritas no leito de morte do autor, cria-se a expectativa de que o poeta nos revele alguma luz acerca da morte, porém, a mensagem que fica é a necessidade de olhar para si mesmo, se conhecer, se entregar na própria profundidade, como certeza de uma vida bem vivida. É lindo o que diz o poema “Volta-se a mim”, p. 55:
“quer o homem molhar-se na água pura
no vento elementar, e não consegue
senão voltar ao poço de si mesmo”
“O Mar e os Sinos” é o subtítulo da edição brasileira, título original da obra, que se faz presente nos versos do primeiro poema, chamado de “Inicial”, p.13. Nele, melancolia e solidão se faz presente, que causa no leitor uma mistura de admiração, identificação e tristeza. Grande Pablo Neruda!
O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.E vive o mar.
Existem os sinos.