Abaixo está uma pequena seleção do que mais me marcou na leitura do livro de memórias de Pablo Neruda, Confesso que Vivi, que transformei em 15 motivos para ler Pablo Neruda.
No livro, publicado pela primeira vez em 1974, o poeta conta importantes momentos de sua vida. Destaquei-os de forma a mostra as inúmeras facetas do autor, que teve uma importante vida literária e política para o seu país e também para o mundo.
1. A personagem inesquecível de Pablo Neruda é…
“Começarei por dizer, sobre os dias e anos de minha infância, que meu único personagem inesquecível foi a chuva. A grande chuva austral que cai como uma catarata do Pólo, desde o céu do Cabo de Hornos até a fronteira. Nesta fronteira, o Far West de minha pátria, nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva”
(p. 13)
2. É muito bela a história que ele conta sobre a primeira vez que viu o mar
“Quando estive pela primeira vez diante do oceano fiquei atônito. Ali, entre duas grandes elevações (o Huilque e o Maule) desencadeava-se a fúria do grande mar. Não eram só as imensas ondas nevadas que se erguiam a muitos metros sobre nossas cabeças, como também um estrondo de coração colossal, a palpitação do universo” (. 25)
Por que a presença do mar é tão forte na obra de Neruda? Desde criança ele se encantou com o mar.
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3. Pablo Neruda nasceu poeta
O olhar de um poeta é um olhar especial, não é um olhar comum, pois em tudo pode ter tristeza e melancolia. A criança Pablo Neruda encontrou um cisne negro machucado, alimentou-o por mais de vinte dias e percebeu que o animal o agradecia por aqueles gestos diários. Porém, o animal morreu nos braços dele, perto do mar, em Porto Saavedra. Mais um motivo para ler Pablo Neruda.
“Então, quando o tinha à altura o peito, senti que se desenrolava uma tira, algo como um braço negro que me roçasse o rosto. Era seu comprido e odulante pescoço que caía. Assim aprendi que os cisnes não cantam quando morrem”. (p. 28)
Há uma lenda que o cisne, minutos antes de morrer, canta uma canção. E assim, existe uma metáfora, referindo-se ao canto do cisne como um final épico e dramático. Ou seja, parece que Pablo Neruda queria dizer que não havia então finais grandiosos, e imaginar que tudo isso se fez presente em sua mente quando criança, fica fácil imaginar que Neruda já nasceu poeta. Em sua casa, uma chuva forte lá fora, ele escreve alguns versos em seu caderno.
“A chuva desaba como uma catarata. Em um minuto a noite e a chuva cobrem o mundo. Ali estou só e em meu caderno de aritmética escrevo versos. (…) Que solidao a de um pequeno menino poeta, vestido de negro, na fronteira espaçosa e terrível. A vida e os livros pouco a pouco vão me deixando entrever mistérios esmagadores” (p. 29)
A lembrança mais forte é um poema que ele escreveu para a sua madrasta. Algumas palavras inseguras, mas vindas do coração.
“Senti uma vez uma intensa emoção e tracei algumas palavras semi-rimadas mas estranhas a mim, diferentes da linguagem diária. Passei a limpo num papel, preso de uma ansiedade profunda, de um sentimento até então desconhecido, espécie de angústia e tristeza. Era um poema dedicado à minha mãe, isto é, a que conheci como tal, a madrasta angelical, cuja sombra suave protegeu toda minha infância.” (p. 29)
Ao mostrar o poema para o seu pai, houve a reação instantânea: “de onde copiastes”. E assim, conta Pablo Neruda, que esta foi a primeira crítica literária que recebeu.
4. Pablo Neruda, como tantos outros artistas, também já foi vaiado
Um motivo ao contrário ler Pablo Neruda. Com o seu amigo Romeo Murga, que morreu devido à pobreza em que vivia, Pablo leu as suas poesias para um público seleto, de pessoas importantes da cidade de São Bernardo, próxima à capital. A reação do público foi muito ruim: riram de Pablo e, quando o seu amigo, mais faminto que ele, começou a declamar o poema, as pessoas gritava: “poetas famintos! Fora! Não estraguem a festa!” (p. 41)
5. A bela timidez de Pablo Neruda
O próprio Pablo Neruda explica que em sua juventude era muito tímido. Uma explicação bela, poética, visceral:
“A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida.” (p. 45)
6. Os sentimentos de Pablo sobre o seu primeiro livro publicado é tão lindo!
Pablo Neruda vendeu os poucos móveis que tinha e se único relógio para pode pegar a impressão de seus livros.
“Sempre sustentei que a tarefa do escritor não é misteriosa nem mágica, mas que, pelo menos a do poeta, é uma tarefa pessoal, de benefício público. O que mais se parece com a poesia é um pão ou um prato de cerâmica ou uma madeira delicadamente lavrada, ainda que por mãos rudes.” (p.63)
O autor também afirma o quanto é especial o momento da publicação do primeiro livro. Momento este que não se repete na vida de um poeta. Um belo motivo para ler Pablo Neruda.
“No entanto creio que nenhum artesão pode ter, coo o poeta te, por uma única vez durante a vida, esta sensação embriagadora do primeiro objeto criado por suas mãos, com a desorientação ainda palpitante de seus sonhos. É um momento que não voltará nunca mais. Virão muitas edições mais cuidadas e belas. Chegarão suas palavras vertidas na taça de outros idiomas como um vinho que cante e perfume em outros lugares da terra. Mas esse minuto em que o primeiro livro sai, com tinta fresca e papel novo, esse minuto de arrebatamento e embriaguez, com som de asas que revoluteiam e de primeira flor que se abre na altura conquistada, esse minuto é único na vida do poeta” (p. 63)
Leia a resenha: Últimos poemas (O mar e os sinos) – Pablo Neruda
7. As pessoas declamam os poemas de Neruda
Um dos poemas mais famosos do autor chama-se Firewall, segunde ele, diversas vezes em sua vida, pessoas o paravam na rua para recitar os últimos versos do poema, presente no livro Crepusculário:
“Já não se encantarão meus olhos nos teus,
já não abrandará junto a ti minha dor.
Mas onde quer que vá levarei o teu rosto
e onde quer que vás levarás a minha dor.
Fui teu, foste minha. Que mais? Juntos demos
uma volta no caminho por onde o amor passou.
Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te amar,
do que colher no teu jardim o que eu semeei.
Vou-me embora. Estou triste: estou sempre triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.
… Do teu coração diz-me adeus um menino.
E eu digo-lhe adeus.”
Curiosidade: quando a banda Titãs gravou o Acústico MTV, em 1997, teve como convidado o cantor argentino Fito Páez. Na apresentação da música “Go Back” eles encaixaram, ao final, os versos de Firewall.
8. Pablo Neruda gostava de viajar
Pablo Neruda viajou muito. Com todos os poetas de sua época, gostava de Paris e outros países da Europa, mas também conheceu países exóticos como Rússia, China e Índia.
Durante uma viagem pelo sudeste asiático, em um “ônibus que saía de Penang e iria para a selva e as aldeias da Indochina para chegar a Saigon” (p. 97), o poeta se sentiu muito sozinho e também com medo, pois ninguém falava a sua língua e o ônibus quebrou. Porém, como tudo foi resolvido de uma forma tranquila, e por ele estar em um lugar exótico, foi possível ver um ritual dos locais e uma música diferente, que o acalmou:
“O poeta não pode temer o povo. Pareceu-me que a vida fazia uma advertência e me ensinava para sempre uma lição: a lição da honra oculta, da fraternidade que não conhecemos e da beleza que floresce na escuridão.” (p. 98)
Confira a resenha do livro O coração amarelo (Pablo Neruda)
9. A lista de escritores clássicos preferidos do autor é ótima
Tolstói, Dostoiévski, Tchecov, Proust, Rimbaud, Walt Whitman fazem parte de sua vida de leitor.
10. Pablo Neruda se considerava um poeta do povo
“Coube a mim sofrer e lutar, amar e cantar; couberam-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e o do sangue. Que mais quer um poeta? E todas as alternativas, desde o pranto até os beijos, desde a solidão até o povo, perudram em minha poesia, atuam nela porque vivi para minha poesia e minha poesia sustentou minhas lutas. E se muitos prêmios alcancei, prêmios fugazes como mari-posas de pólen fugitivo, alcancei um prêmio maior, um prêmio que muitos desdenham mas que é na realidade inatingível para muitos. Chegue através de uma dura lição de estética e de busca, através dos labirintos da palavra escrita, a ser poeta de meu povo” (p. 202)
11. Envolveu-se intensamente na política de seu país
Pablo Neruda teve cargos políticos importantes, era de esquerda e teve de fugir de seu país depois de realizar um discurso contrário à posição do senado. Ele teve sua liberdade cassada, sendo autorizada a sua detenção. Com seus amigos de luta política, pertencentes ao Partido Comunista, conseguiu cruzar a fronteira entre o Chile e a Argentina e depois embarcou para Paris. Era o ano de 1945 e ele escreveu numa parede: “Até breve, minha pátria. Vou-me embora mas levo-te comigo” (p. 218). Pablo só voltou para seu país em 1952. Aí está mais um motivo para ler Pablo Neruda.
Nos anos 70 chegou a ser um possível candidato à presidência do país, mas deixou a sua candidatura para apoiar Salvador Allende, que foi eleito no mesmo ano.
12. Pablo Neruda era amigo de Jorge Amado e Zelia Gattai e sofreram juntos dentro de um avião
Mais um motivo para ler Pablo Neruda… Viajaram para a China: Pablo Neruda, Matilde Urritia (sua mulher), Jorge Amado e Zelia Gattai. Durante o voo, sentiram muito medo:
“Eu olhava como a cara de Jorge amado passava do branco ao amarelo e do amarelo ao verde. Enquanto isso ele via em minha cara a mesma mutação de core produzida pelo medo que nos agoniava. Começou a chover dentro do avião. A água se infiltrava por grande goteiras que me recordavam minha casa de Temuco, no inverno. Mas eu não achava a menor graça nestas goteiras a 10.000 metros de altura. O engraçado isto sim, foi um monge que vinha atrás de nós. Abriu um guarda-chuva e continuou lendo, com serenidade oriental, seus textos de antiga sabedoria” (p. 271)
13. Neruda doou a sua biblioteca com 5 mil livros a uma universidade do Chile
“Tanto corria pelo mundo que minha biblioteca cresceu desmedidamente, ultrapassando as condições de uma biblioteca particular. Certo dia presenteei a grande coleção de caracóis que lvei vinte anos para juntar e aqueles cinco mil volumes escolhidos por mim com o maior amor em todos os países. Presenteei-os à universidade de minha pátria.” (p. 321)
14. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1971 e foi jantar com amigos de deixar qualquer leitor com inveja
O nome de Pablo Neruda esteve por muitas vezes cotado para ganhar o prêmio máximo da literatura, mas foi em 1971, quando ele estava em Paris, que o anuncio no rádio informou o seu nome como ganhador do prêmio. Para comemorar, ele foi jantar com grandes amigos, entre eles Gabriel García Márquez e Cortázar. Mais um motivo para ler Pablo Neruda.
“Eu estava recém-operado, anêmico e titubeante ao andar, com pouca vontade de me mover. Chegaram os amigos para jantar comigo naquela noite: Matta, da Itália; García Marquéz, de Barcelona; Siqueiros, do México; Miguel Otero Silva, de Caracas; Arturo Camacho Ramírez, da própria Paris; Cortázar, de seu esconderijo.” (p. 357)