O conto A Cartomante, de Machado de Assis: seja enganado e fique feliz, menos o Vilela

Uma resenha e um vídeo sobre o conto A Cartomante, uma das histórias mais geniais de Machado de Assis. Se é que há alguma coisa dele não genial…

A obra “A Cartomante” figura entre os magistrais contos ede Machado de Assis, nosso autor supremamente disseminado, reverenciado e aclamado em todos os tempos. Dotado de um poder singular para construir narrativas que envolvem o leitor em intricadas situações psicológicas e ambíguas com brilhantismo, Machado concebe uma grandiosidade na construção de personagens e na trama, elevando o conto, essa forma breve de narrativa, a um patamar de cativar o leitor.

A habilidade com que Machado de Assis brinca não apenas com as estruturas convencionais das narrativas curtas, mas também com o leitor, é verdadeiramente prodigiosa. Ele conduz o leitor por caminhos inesperados, fazendo-o experimentar todas as agonias e alegrias dos personagens, envolvendo-o num jogo sutil e fascinante.

Para aqueles que não têm a fortuna de se familiarizarem com a obra de Machado de Assis, ler o conto é como uma oportunidade única e, igualmente, como uma ruptura com a noção equivocada de que o autor é de difícil apreensão. Machado de Assis, longe de ser um desafio, exige apenas a consciência de que nos encontramos diante de um autor do século XIX, cujo estilo e escolhas vocabulares espelham a realidade do Brasil daquela época. Talvez, inicialmente, surja um leve estranhamento, mas a recomendação é prosseguir com serenidade, ler com concentração, declamar em voz alta e permitir que o narrador desvele a trama, revelando a irresistível paixão que reside na escrita singular e autêntica do universo machadiano.

Machado de Assis, proclamado como um dos luminares da literatura brasileira e, por que não dizer, mundial, ergue-se como um especialista de histórias impregnadas de significados e camadas, submetidas a análises exaustivas e dissecações de todas as naturezas. Em seu opus magnum, “Dom Casmurro“, por exemplo, cada capítulo desvela verdades universais acerca da vida em sociedade e das profundezas da alma, revelando as fraquezas e forças humanas, além de desvelar as podridões nas relações. Se a Rússia ostenta Dostoiévski, o Brasil ostenta Machado de Assis.

Sobre o conto “A Cartomante”

O conto “A Cartomante”, datado de 1884, inauguralmente publicado nas páginas do jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, e posteriormente incorporado ao livro “Várias Histórias”, bem como a antologias do autor, emerge como um exemplar notável. Desde o título, que sugere a centralidade de uma cartomante, até a trama que desvela três personagens principais: Rita, Camilo e Vilela, Machado tece uma narrativa que transcende as expectativas.

conto A Cartomante
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A astúcia do autor se revela logo na abertura, ao extrair um trecho de Hamlet, antecipando a tragédia iminente. O leitor, ingênuo, cai incauto na armadilha machadiana, um deleite literário. “Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia.”

Rita, uma mulher crente em cartomantes, e Camilo, um homem cético, formam um casal proibido, ela sendo esposa de Vilela, o melhor amigo de Camilo. A complexidade das relações extraconjugais no século XIX, sob a lente machadiana, revela-se uma originalidade à época.

Os elementos cruciais do conto incluem a paixão entre Rita e Camilo, o temor de Rita de perder seu amor, a visita à cartomante em busca de certezas, a devoção de Camilo, a descoberta do leitor sobre o caso ilícito, a ameaça por meio de uma carta misteriosa, a angústia de Camilo, o bilhete do amigo, a visita à cartomante e suas palavras, culminando em um desfecho trágico e anti-climático.

A originalidade da obra de Machado de Assis se manifesta na quebra da estrutura padrão dos contos, na condução sinuosa do narrador e nas emoções contrastantes. A linearidade da história contrasta com a complexidade dos sentimentos do leitor, imerso na dualidade moral e imoral dos personagens, revelando uma crítica social contundente à burguesia da época, característica marcante do Realismo literário.