“Como nossos pais” é uma música icônica da MPB (Música Popular Brasileira) escrita por Belchior e popularizada na voz de Elis Regina. Lançada em 1976, a canção é uma reflexão profunda sobre as expectativas e desilusões da juventude em relação às gerações anteriores, bem como sobre as mudanças sociais e culturais da época.

A letra expressa um senso de desencanto e desilusão com o mundo adulto, contrastando a inocência da juventude com as responsabilidades e compromissos da vida adulta. Há uma crítica à ideia de que a geração mais velha sabe melhor, enquanto os jovens são deixados para trás, sem entender totalmente as escolhas e compromissos que estão sendo feitos em nome deles.

Como nossos pais também aborda temas como a busca por identidade e autenticidade em uma sociedade que muitas vezes impõe padrões e expectativas. A letra sugere uma sensação de alienação e desconexão, onde o eu lírico se sente preso em um mundo que não é seu, questionando os valores e ideais que lhe foram transmitidos.

A interpretação de Elis Regina adiciona uma camada adicional de emoção à música, transmitindo a complexidade e a profundidade das letras com sua voz poderosa e emotiva. Sua entrega apaixonada e emotiva ajuda a transmitir a mensagem da música de uma forma que ressoa profundamente com o público.

“Como nossos pais” continua relevante até hoje por sua temática atemporal e sua capacidade de capturar os sentimentos universais de desilusão, alienação e busca por autenticidade. É uma obra-prima da música brasileira que continua a inspirar e emocionar as pessoas décadas após seu lançamento.

Como nossos pais
Belchior

Como nossos pais (Belchior)

Não quero lhe falar meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos

Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa

Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram
E o sinal está fechado prá nós
Que somos jovens

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração

Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu ‘tô por fora
Ou então que eu ‘tô inventando

Mas é você que ama o passado
E que não vê
É você que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei que quem me deu a ideia
De uma nova consciência e juventude
‘Tá em casa
Guardado por deus
Contando vil metal

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais

Análise de trechos selecionados

1. “Não quero lhe falar meu grande amor / Das coisas que aprendi nos discos / Quero lhe contar como eu vivi / E tudo o que aconteceu comigo

Esse trecho de “Como nossos pais” reflete uma busca por autenticidade e experiência pessoal em contraste com a superficialidade das influências externas, como os discos e a mídia em geral. O eu lírico expressa um desejo de compartilhar suas próprias experiências e vivências com seu grande amor, em vez de recorrer a ideias e conceitos aprendidos de fontes externas.

Ao mencionar “as coisas que aprendi nos discos”, a música sugere uma crítica à tendência de buscar respostas e orientações fora de si mesmo, em vez de confiar na própria vivência e na própria jornada pessoal. Há uma valorização da autenticidade e da individualidade, como se o eu lírico estivesse dizendo que prefere compartilhar sua verdadeira essência e suas próprias histórias, em vez de se apoiar em influências externas.

A segunda parte do trecho, “Quero lhe contar como eu vivi / E tudo o que aconteceu comigo”, reforça essa ideia de valorizar a experiência pessoal e a narrativa individual. O eu lírico deseja compartilhar suas próprias experiências, incluindo os altos e baixos da vida, em vez de simplesmente reproduzir conceitos pré-estabelecidos. Isso sugere uma busca por conexão genuína e intimidade através do compartilhamento de experiências pessoais e autênticas.

2. “Por isso cuidado meu bem / Há perigo na esquina / Eles venceram / E o sinal está fechado prá nós / Que somos jovens”

Esse trecho de “Como nossos pais” evoca uma sensação de desilusão e desesperança diante das dificuldades e desafios enfrentados pela juventude. A referência à “perigo na esquina” sugere um ambiente hostil e incerto, onde os jovens se deparam com ameaças e obstáculos imprevistos.

A frase “eles venceram” carrega uma carga de resignação e impotência, sugerindo que forças externas, possivelmente representadas por figuras de autoridade ou instituições estabelecidas, prevaleceram sobre os jovens. Isso pode ser interpretado como uma crítica à falta de oportunidades e ao sistema que favorece aqueles que já estão no poder, deixando os jovens em desvantagem.

O sinal de trânsito fechado “prá nós que somos jovens” simboliza um obstáculo ou uma barreira que impede o avanço e o progresso da juventude. Isso pode ser entendido como uma metáfora para as limitações e desafios que os jovens enfrentam ao tentar encontrar seu lugar na sociedade e alcançar seus objetivos.

3. Eu vou ficar nesta cidade / Não vou voltar pro sertão / Pois vejo vir vindo no vento / Cheiro de nova estação

Esse trecho de “Como nossos pais” aborda uma mudança de perspectiva e uma sensação de otimismo em relação ao futuro. O eu lírico expressa sua decisão de permanecer na cidade em vez de retornar ao sertão, indicando uma escolha por novos caminhos e oportunidades em vez de se apegar ao passado ou à tradição.

A referência ao “cheiro de nova estação” sugere um renascimento ou uma mudança iminente, simbolizada pelo vento que traz consigo os aromas frescos da próxima estação. Essa imagem evoca um sentimento de esperança e expectativa em relação ao que está por vir, representando uma abertura para o novo e uma disposição para abraçar as possibilidades que o futuro reserva.

Ao optar por ficar na cidade e seguir em frente, o eu lírico parece estar rejeitando a ideia de voltar ao passado ou se prender a um lugar ou modo de vida específico. Em vez disso, ele escolhe se adaptar e se mover em direção ao desconhecido, confiante de que a mudança trará novas oportunidades e experiências enriquecedoras.

Dica de leitura: biografia de Belchior

Um livro revelador sobre uma figura fascinante da mpb que merece ser mais conhecida do público. Um artista às vezes enigmático, sempre refinado e imensamente popular.

A morte de Belchior, em abril de 2017, foi uma comoção nacional. Dez anos antes, o artista desaparecera. Foi a partir do mistério desse sumiço que Jotabê Medeiros deu início à pesquisa para um livro sobre o autor de clássicos como “Velha Roupa Colorida”, “Alucinação” e “Como nossos pais”. Realizou dezenas de entrevistas com parceiros musicais, amigos, familiares e produtores de seus discos. Apenas um rapaz latino-americano traz períodos pouco conhecidos da vida de Belchior, como os anos em que passou em um mosteiro, na adolescência. Foi ali que o artista travou seu primeiro contato com a literatura e a filosofia e habituou-se ao silêncio e à introspecção que seriam características marcantes até o fim da vida. COMPRE NA AMAZON

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