Emily Dickinson foi uma poeta americana que nasceu em 1830 e faleceu em 1886. A sua vida, até hoje tão misteriosa, é motivo de pesquisa entre os estudiosos de sua obra, pois ela vivia reclusa e somente após a sua morte é que os seus poemas foram encontrados. Em vida, publicou alguns poemas, muitas vezes no anonimato. Mesmo não pertencendo à época, a obra de Emily Dickinson é considerada moderna, por desprezar, lindamente, o estilo de sua época. Abaixo uma seleção com 5 poesias de Emily Dickinson, do livro “Cinquenta Poemas”, com seleção e tradução de Isa Mara Lando:
“À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickinson.”
Harold Bloom
Como se o Mar se abrisse
Como se o Mar se abrisse
E nos mostrasse outro Mar –
E este – ainda outro – e os Três
Fossem só antecipação –
De Períodos de outros Mares –
Por Praias não visitadas –
Estas também à Beira de Mares indevassados –
A Eternidade – são os Mares que virão –
Emily Dickinson é conhecida por sua habilidade em explorar temas profundos com uma linguagem compacta e evocativa. Neste poema, ela evoca a sensação de infinitude e mistério ao descrever uma série de mares que se revelam sucessivamente. A imagem de “como se o Mar se abrisse” sugere a revelação de segredos profundos e ocultos. Cada mar que surge é uma antecipação de outros mares, simbolizando a continuidade e a vastidão do conhecimento ou da experiência que ainda está por vir. A menção de “Praias não visitadas” e “Mares indevassados” destaca o desconhecido e o inexplorado, remetendo à ideia de que a eternidade é um fluxo constante de novos horizontes e descobertas.
Eu temo o Homem de Fala frugal
Eu temo o Homem de Fala frugal –
Eu temo o Homem Silente –
O Falador – posso vencer –
O Tagarela – entreter –
Mas Aquele que pondera – Enquanto o Resto –
Gasta até a última libra –
Desse Homem – tenho receio –
Temo que Ele seja Grande –
Neste poema, a voz lírica expressa temor e respeito por aqueles que são silenciosos e ponderados. Ao contrário do falador ou tagarela, que podem ser facilmente vencidos ou entretidos, o homem de fala frugal é visto como uma figura poderosa e enigmática. Dickinson sugere que a sabedoria e a profundidade residem naqueles que pensam cuidadosamente e falam pouco, inspirando receio e admiração. A frugalidade na fala é associada à grandeza, destacando a importância de ponderar e refletir antes de se expressar. Isso reflete o próprio estilo de vida de Dickinson, que viveu reclusa e valorizava a introspecção.
Pedi uma coisa só –
Pedi uma coisa só –
Nenhuma outra – foi negada –
Meu próprio Ser – eu por ela oferecia –
O Grande Mercador sorriu com zombaria –
Brasil? Girou um botão –
Sem um olhar na minha direção –
“Mas – Madame – não há mais nada –
Em que esteja – interessada?”
Este poema apresenta uma interação metafórica entre o eu lírico e um “Grande Mercador”. O eu lírico ofereceu seu próprio ser em troca de algo desejado, mas o mercador, zombando, não demonstrou interesse. O poema explora a futilidade e a insignificância percebida do desejo humano diante das forças maiores do mundo. O mercador representa a indiferença do universo ou das forças superiores às necessidades individuais. Dickinson frequentemente explorava temas de desejo e frustração em sua obra, refletindo suas próprias lutas internas e a sensação de isolamento.
Tomei na Mão o meu Poder
Tomei na Mão o meu Poder –
E me lancei contra o Mundo –
Bem menos tinha – que Davi –
Eu, porém – em dobro me atrevi –
Mirei com minha Pedra – mas quem caiu
Fui Eu e ninguém mais –
Será Golias – tão grande –
Ou eu – pequena demais?
Neste poema, o eu lírico assume o papel de Davi contra Golias, simbolizando uma luta corajosa contra forças aparentemente intransponíveis. No entanto, ao contrário da história bíblica, o eu lírico falha, destacando a realidade de que a coragem e a determinação nem sempre garantem a vitória. O poema questiona se o tamanho de Golias é realmente tão grande ou se a própria pequenez do eu lírico é que resultou na derrota. É uma reflexão sobre autopercepção, poder e o desafio de enfrentar obstáculos gigantescos. Dickinson frequentemente questionava o valor da ação individual em um mundo indiferente.
Eis a minha carta ao Mundo
Eis a minha carta ao Mundo
Que em Min nunca escreveu –
Singelas Notícias que a Natureza deu –
Com Majestade e doçura
Sua Mensamge se destina
A Mãos que nunca verei –
Por amor a Ela – doces conterrâneos –
Julgai-me com ternura
Este poema é uma mensagem do eu lírico ao mundo, expressando um sentimento de isolamento e um desejo de comunicação. A “carta ao Mundo” contém notícias simples que a Natureza proporcionou, apresentadas com majestade e doçura. A mensagem é destinada a mãos que o eu lírico nunca verá, ressaltando a distância e a desconexão. O pedido final para ser julgado com ternura por amor à Natureza sugere uma busca por compreensão e aceitação, uma oferta de vulnerabilidade e sinceridade. Dickinson, que passou grande parte de sua vida em reclusão, frequentemente explorava a temática do isolamento e a necessidade de conexão em sua poesia.