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O Conto da Aia (Margaret Atwood): necessário, porém, angustiante

O Conto da Aia foi escrito por Margaret Atwood em 1985, é considerado, pela autora, um romance especulativo, pois imagina uma sociedade do século XXI dominada por uma religião que segue, assustadoramente, preceitos bíblicos do Velho Testamento.

A personagem principal chama-se “Offred”, ela é um “Aia” e isso, para a República de Gilead, significa que ela tem uma função muito específica: gerar filho para as famílias dos Comandantes que deram um golpe na democracia e transformaram o país em um estado teocrático. Esse “gerar filho” é da pior maneira possível, pois, com o consentimento e participação da Esposa, o Comandante, mensalmente, realiza o ato sexual (estupro) em Offred, em nome de Deus, seguindo a Gênesis, 30:1-3:

“Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacob,
teve Raquel inveja da sua irmã, e disse a Jacob:
Dá-me filhos, ou senão eu morro.

Então se acendeu a ira de Jacob contra Raquel e disse:
Estou eu no lugar de Deus, que te impediu
o fruto de teu ventre?

E ela disse: eis aqui a minha serva, Bilha;
Entra nela para que tenha filhos sobre os meus joelhos,
e eu, assim, receba filhos por ela.”

O conto é narrado pela própria Aia, que intercala acontecimentos de sua rotina atual e de seu passado e, assim, descobrimos que a vida dela não era muito diferente de uma mulher comum do século XXI. Trabalho, filho, casamento, amizade etc.

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Foi de repente

O livro é chocante em diversos aspectos, porém, o mais assustador é descobrir como que a vida de Offred chegou a esse ponto. Como aquela cidade absurda, machista, controladora, opressora e violenta surgiu. Foi de repente. Notícias políticas e direitos perdidos estavam presentes em seu dia-a-dia, mas, como é muito comum, ela vivia a sua vida acreditando que tudo iria melhorar naturalmente, porém, em poucos dias, aconteceu o golpe e ela se viu dentro de um galpão escuro sendo doutrinada para ser uma Aia. Ela não podia mais estar com sua família, ter uma família, uma profissão, estudar, ter conta no banco, vestir-se como quisesse, ler um livro, escrever etc.

O sentido de coletividade

Há um sentido de coletividade nas Aias, que pode-se estender para as outras mulheres da história, como: as Esposas – que possuem também uma rotina a ser seguida, apesar de não sofrerem a violência física (mas a psicológica, mesmo aquelas que acreditavam no poder teocrático, começam a sentir) e as Tias – que são mulheres mais velhas, totalmente devotas à religião, com a função de doutrinação e controle das Aias.

As Esposas, por não poderem ter filhos, veem as Aias com uma certa afronta, mas como são religiosas, demonstram compreender a importância de seguir os preceitos da Bíblia. No entanto, a relação de Offred com Serena, a Esposa do Comandante, é difícil de ser definida, pois, apesar de toda crueldade de Serena, em alguns momentos é como se essas mulheres se ajudassem, como se entendessem, que, por fim, mais uma vez, as mulheres estão todas dominadas pelos homens e precisam se unir, de qualquer forma.

Capa da edição brasileira, pela editora Rocco.

As aias não possuem mais a si próprias

Portanto, esse sentido de coletividade, faz o leitor entender que Offred pode ser qualquer uma das Aias. O seu nome, dado quando ela chegou na casa, é a junção do nome do comandante com esse “Of”, que no inglês pode ser traduzido como “Dofred”. Ou seja, as Aias não possuem mais a si próprias, elas são do comandante, do homem, do sistema teocrático. Elas não possuem uma particularidade, se vestem igual, usam um chapéu que dificulta o contato visual e qualquer atitude que demonstre o mínimo de desconforto nessa situação tão opressora, elas sofrem sérias torturas.

A narrativa é a tentativa de Offred encontrar algum sentido naquilo tudo. Fugir é o seu desejo, mas há também o medo de confiar e o medo da tortura. Porém, em pequenas ações do dia-a-dia, as Aias conseguem demonstrar que, de alguma forma, essa coletividade forçada, para que elas não se sintam únicas, colabora para que elas se reconheçam uma nas outras e é assim que algumas tiram forças para suportar; outras para lutar e há ainda aquelas que conseguem fugir, apesar de toda a obscuridade em entender o que acontece com quem conseguiu “fugir” de Gilead.

Quem perde primeiro os direitos é a mulher

O Conto da Aia mostra, mais uma vez, que quando o governo enfraquece e um golpe acontece, quem perde primeiro os direitos é a mulher. Tudo porque ainda é o homem que controla as políticas, ainda é ele e a Bíblia que dão à mulher a caixinha da culpa. É culpa dela não ficar grávida; é culpa dela engravidar e a outra não; a culpa é dela por ser necessário um golpe; a culpa é dela por ser estuprada; a culpa é dela. Inteiramente dela, todos os dias.

No livro, diferente da série produzida pela Hulu, o mistério sobre as Aias, os Comandantes e a República de Gilead permanece. Assim, a história pode funcionar como uma metáfora sobre um dia-a-dia que já acontece. As tantas mulheres que se sentem na obrigação de ter filhos. Aquelas mulheres que se sentem na obrigação de manter um casamento de aparências. Outras cegas pela religião. As mulheres, que por conta de sua cor, opção sexual ou condição social, estão aprisionadas em um estereótipo que as anula. Todas elas com a culpa. Todas elas sendo culpadas de alguma forma, o tempo todo. Gilead já é aqui.

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Respostas de 2

  1. Eu tinha intenção de ler MW, q ainda não conhecia. Mas comecei por esse O conto de Aia, e desisti de seguir com o meu intento. Você está certa quando diz q o livro é uma metáfora de uma determinada realidade. Poxa, mas peraí, não precisava ser tão rebarbativo! Não gostei de nada. Nem do estilo de sua escrita (sem nenhum encanto literário), nem muito menos da história, em si. Achei-o simplesmente doentio.
    Minha irmã tinha acabado de ler o diabo do livro… Havia gostado tanto, que, não só me indicou como me deu de presente. Bom, fora isso, combinamos em quase tudo. ?

  2. Oi, Heloisa! Entendo super quando leitores não gostam de certos livros… mas quanto ao clima sombrio e sem esperança, acredito que se não fosse assim o livro cairia para outras discussões, se tornando mais um livro distópico… e ele consegue ir muito além, apesar de dão dolorido, é um livro importante para as mulheres e para toda a sociedade e suas divisões políticas, sociais e religiosas.

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