Os Testamentos (Margaret Atwood): a resistência é individual, coletiva e por meio das palavras

Os Testamentos, de Margaret Atwood: o que acontece depois de “O conto da aia?”

A canadense Margaret Atwood ficou mais conhecida aqui no Brasil depois da série premiada O Conto da Aia, baseada em seu romance publicado em 1985 e que ainda tanto diz sobre a podridão de nossa sociedade. Neste ano, a autora nos presenteou com a continuação dessa história: Os Testamentos, um romance que se passa 15 anos após os acontecimentos narrados em O Conto da Aia, quando um golpe teocrático aniquilou a sociedade e, principalmente, o modo de vida das mulheres.

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Então, é necessário ter lido O conto da Aia para ler Os Testamentos, uma vez que algumas personagens apresentadas no primeiro livro serão o foco nessa nova empreitada das mulheres em sobreviver e, se possível, quebrar o poder.

E se você acompanha a série, também vai ser interessante ler o livro, uma vez que uma das personagens mais odiadas da história, Tia Lydia, nos envolve em sua narrativa sobre a situação de si própria e também do poder teocrático que conseguiu perdurar por 15 anos.

Quem derruba o poder? Quem tem coragem?

Pensando em nossa própria história, das mais recentes do Brasil ou até mesmo o passado distante dos impérios, há uma dúvida quanto ao momento em que a torre do poder começa a desmoronar. Geralmente, como um processo comum enraizado em nosso modo de interpretar o mundo, colocamos os vilões e os mocinhos em destaque. Até analisamos alguns pontos de vista, mas sempre com a ideia de construir uma jornada heroica rumo a um objetivo comum: de solidariedade, de paz, de amor, de liberdade. E tudo isso é possível quando utilizamos um olhar mais distante para a nossa própria história.

Porém, o caminho do livro Os Testamentos é diferente, pois nosso olhar é próximo: nos aproximamos da vilã e nos aproximamos das mocinhas para buscar uma chama única que constrói e destrói tudo. Buscamos momentos individuais e forças extraordinárias para entender essa máquina potente que se chama vida e, como qualquer célula, luta para sobreviver independente em que lado da história se está.

Para resistir, qual é o caminho?

Há, portanto, dois caminhos: o coletivo, de acreditar que apenas a união pode ter forças para lutar por seus interesses. E o individual: quando o ser humano, independente se “do bem” ou “do mal”, não mede esforços e dores para alcançar os seus interesses.

Em “Os Testamentos”, vamos perceber que não é necessário escolher os caminhos. Eles acontecem de uma forma quase involuntária, pois seguir interesses individuais e compartilhar a vida com outras pessoas, nada mais é o que chamamos de vida. E podemos adicionar aqui um tiquinho de coragem para agir em prol de si mesmo ou do outro.

Sendo assim, Os Testamentos, dá vida a outras personagens tão essenciais para a construção e destruição de Gillead. E nos coloca, genialmente, nesse momento da chama única e tão particular que constrói os indivíduos e também os coletivos. Que destrói ideias, reconstrói conceitos. Busca o que há de mais profundo e intenso na vida, no ser humano e nas formas de se juntar e lutar.

Poemas Tardios – Margaret Atwood: a vida comum impregnada de mistérios

Os Testamentos mostrar que, independente do horror em que se vive, chegará o momento da coragem e, antes disso, é necessário tecer nosso manto de proteção por meio de nossas ações e pensamentos, de qualquer maneira possível.

O poder dos livros e a liberdade do pensamento

Cena da série O Conto da Aia, produzida pela Hulu. De vermelho, a Aia June. De marrom, a Tia Lydia.

No universo distópico criado por Margaret Atwood, os livros possuem muita importância justamente porque eles foram proibidos. Até mesmo o ato de ler se tornou um crime e apenas pessoas ligadas de forma direta ao governo de Gilead possuem algumas permissões para leitura e escrita. O que é uma premissa comum em alguns livros que abordam o futuro destruído por poderes autoritários, como 1984, de George Orwell e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.

Virginia Woolf escreveu em um de seus artigos: “não há portões, nem fechaduras, nem cadeados com os quais você conseguirá trancar a liberdade do meu pensamento.”

E, partindo desse ponto, temos como proposta dessa fabulosa distopia criada por Margaret Atwood, a ideia de que, para combater a barbárie, precisamos de nosso próprio pensamento. É isso que mantém a força das “aias”. É isso que mantém o poder das “tias”.

Por fim, se o que está guardado, mesmo sendo algo tão efêmero, caminhou pelos livros e pelo ato corajoso de escrever, pensar, analisar e conhecer novos universos, a resistência será construída e irá agir por meio das palavras. Sempre.

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