Dos vastos territórios da Amazônia às planícies do Cerrado, cada tribo e comunidade indígena carrega consigo um tesouro de histórias, transmitidas oralmente ao longo dos tempos. São os contos indígenas: relatos que celebram a harmonia com o ambiente, o respeito pelos seres vivos e a reverência aos espíritos que habitam a Terra. Nos contos indígenas, encontramos não apenas entretenimento, mas também uma janela para compreendermos a cosmovisão desses povos, sua relação sagrada com a natureza e sua sabedoria ancestral que ecoa através das eras.
Os contos indígenas estão abaixo, na seguinte ordem:
- O nascimento do mundo
- A dança do arco-íris
- O céu ameaça a Terra
- A origem da lavoura
- Origem do rio Amazonas
- Como surgiu a noite
- Como apareceu a rede de dormir
- Como o céu se afastou da Terra
- Como surgiram os homens
- Lenda da criação do mundo
- Com nasceram os rios
- Como surgiram os diamantes
- Como surgiu a Lua
- O roubo do fogo
- Por que é triste o jaburu
- Como surgiu a erva-mate
- Lenda da mandioca
- As lágrimas de Potira
- O Uapé
- Como nasceram as estrelas
O nascimento do mundo
Lenda maori recontada por Maria de la Luz
No início só havia Kore, a energia, vagando na escuridão do espaço infinito. Então, veio a luz e surgiram Ranginui, o Pai Céu, e Papatuanuku, a Mãe Terra. Rangi e Papa tiveram muitos filhos: Tangaroa, deus das águas; Tane, deus das florestas; Tawhirmatea, deus dos ventos; Tumatauenga, deus da guerra, que deu origem aos seres humanos; e Uru, que não era deus de nada.
Rangi e Papa viviam num perpétuo abraço de amantes. Acontece que esse enlace apaixonado não deixava a luz penetrar entre seus corpos, onde ficavam os filhos. Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação.
– Vamos matar Rangi e Papa e ficar livres deles! – disse Tumatauenga.
– Não! – disse Tane. – Vamos apenas separálos, empurrando um para cima e deixando o outro embaixo. Assim sobrará espaço para nós e a luz vai poder entrar.
Todos acharam a ideia excelente.
Tane, que era o mais forte de todos, firmou bem os pés em Papa, encaixou os ombros no corpo de Rangi e o empurrou para cima com toda a força.
Os pais se separaram, mas – oh, decepção! – só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos. Além disso, Rangi e Papa estavam nus e, longe um do outro, sentiam muito frio.
Comovido com a situação, Tane abrigou o pai com o negro manto da noite.
Para a mãe fez um vestido com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas. Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa. Os ventos de Tawhirmatea sopravam suavemente seus cabelos. Os filhos de Tumatauenga já começavam a povoar o mundo recém-criado.
Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher e sua participação no novo mundo, Ranginui ficou doente de inveja. Sua dor cobriu o mundo com uma névoa úmida e cinzenta.
Refugiado em uma dobra do manto paterno, Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada aos pais e aos irmãos. Para que ninguém percebesse suas lágrimas, escondia-as em cestas e mais cestas. Mas Tane tudo percebera:
-Uru, meu irmão, preciso de sua ajuda!
– Nada tenho para dar, você bem sabe!
– Ora, Uru, você tem tantas cestas…
Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça: – Não tem nada dentro delas, irmão.
Tane avançou e destampou uma das cestas. Dela voaram luzes faiscantes e risonhas para todos os lados. As lágrimas de Uru haviam se transformado em crianças-luz (para nós, estrelas)!
– Uru, será que você podia me ceder duas de suas cestas? Seus filhos poderiam enfeitar e iluminar a morada de nosso pai… Uru concordou. As duas cestas foram passadas para Te Waka o Tamareriti, uma canoa muito especial. Tane conduziu a canoa até o céu, espalhando sobre o manto de Rangi milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo.
Quando Tane ia pegar a segunda cesta, esta tombou e se abriu, deixando as estrelas se espalharem numa grande faixa chamada Ikaroa, que cruzou o céu de lado a lado (para nós, a Via Láctea). Tane deixou Ikaroa e Waka o Tamareriti (que é a “cauda” da nossa constelação do Escorpião) no espaço celeste, onde se tornaram os guardiões das estrelas.
Dica de leitura: Nós: Uma antologia de literatura indígena
Nesta belíssima antologia ilustrada, o leitor vai conhecer dez histórias contadas ou recontadas por escritores de diferentes nações indígenas. + AMAZON
A dança do arco-íris
Lenda indígena recontada por João Anzanello Carrascoza
Há muito e muito tempo, vivia sobre uma planície de nuvens uma tribo muito feliz. Como não havia solo para plantar, só um emaranhado de fios branquinhos e fofos como algodão-doce, as pessoas se alimentavam da carne de aves abatidas com flechas, que faziam amarrando em feixe uma porção dos fios que formavam o chão. De vez em quando, o chão dava umas sacudidelas, a planície inteira corcoveava e diminuía de tamanho, como se alguém abocanhasse parte dela.
Certa vez, tentando alvejar uma ave, um caçador errou a pontaria e a flecha se cravou no chão. Ao arrancá-la, ele viu que se abrira uma fenda, através da qual pôde ver que lá embaixo havia outro mundo.
Espantado, o caçador tampou o buraco e foi embora. Não contou sua descoberta a ninguém.
Na manhã seguinte, voltou ao local da passagem, trançou uma longa corda com os fios do chão e desceu até o outro mundo. Foi parar no meio de uma aldeia onde uma linda índia lhe deu as boas-vindas, tão surpresa em vê-lo descer do céu quanto ele de encontrar criatura tão bela e amável. Conversaram longo tempo e o caçador soube que a região onde ele vivia era conhecida por ela e seu povo como “o mundo das nuvens”, formado pelas águas que evaporavam dos rios, lagos e oceanos da terra. As águas caíam de volta como uma cortina líquida, que eles chamavam de chuva. “Vai ver, é por isso que o chão lá de cima treme e encolhe”, ele pensou. Ao fim da tarde, o caçador despediu-se da moça, agarrou-se à corda e subiu de volta para casa. Dali em diante, todos os dias ele escapava para encontrar-se com a jovem. Ela descreveu
para ele os animais ferozes que havia lá embaixo. Ele disse a ela que lá no alto as coisas materiais não tinham valor nenhum.
Um dia, a jovem deu ao caçador um cristal que havia achado perto de uma cachoeira. E pediu para visitar o mundo dele. O rapaz a ajudou a subir pela corda. Mal tinham chegado lá nas alturas, descobriram que haviam sido seguidos pelos parentes dela, curiosos para ver como se vivia tão perto do céu.
Foram todos recebidos com uma grande festa, que selou a amizade entre as duas nações. A partir de então, começou um grande sobe-e-desce entre céu e terra. A corda não resistiu a tanto trânsito e se partiu. Uma larga escada foi então construída e o movimento se tornou ainda mais intenso. O povo lá de baixo, indo a toda a hora divertir-se nas nuvens, deixou de lavrar a terra e de cuidar do gado. Os habitantes lá de cima pararam de caçar pássaros e começaram a se apegar às coisas que as pessoas de baixo lhes levavam de presente ou que eles mesmos desciam para buscar.
Vendo a desarmonia instalar-se entre sua gente, o caçador destruiu a escada e fechou a passagem entre os dois mundos. Aos poucos, as coisas foram voltando ao normal, tanto na terra como nas nuvens. Mas a jovem índia, que ficara lá em cima com seu amado, tinha saudade de sua família e de seu mundo Sem poder vê-los, começou a ficar cada vez mais triste. Aborrecido, o caçador fazia tudo para alegrá-la. Só não concordava em reabrir a comunicação entre os dois mundos: o sobe-e-desce recomeçaria e a sobrevivência de todos estaria ameaçada.
Certa tarde, o caçador brincava com o cristal que ganhara da mulher. As nuvens começaram a sacudir sob seus pés, sinal de que lá embaixo estava chovendo. De repente, um raio de sol passou pelo cristal e se abriu num maravilhoso arco-íris que ligava o céu e a terra. Trocando o cristal de uma mão para outra, o rapaz viu que o arco-íris mudava de lugar.
– Iuupii! – gritou ele. – Descobri a solução para meus problemas!
Daquele dia em diante, quando aparecia o sol depois da chuva, sua jovem mulher escorregava pelo arco-íris abaixo e ia matar a saudade de sua gente. Se alguém lá de baixo se metia a querer visitar o mundo das nuvens, o caçador mudava a posição do cristal e o arco-íris saltava para outro lado. Até hoje, ele só permite a subida de sua amada. Que sempre volta, feliz, para seus braços.
O céu ameaça a Terra
Lenda contada por Betty Mindlin
Meninos e meninas do povo ikolen-gavião, de Rondônia, sentam-se à noite ao redor da fogueira e olham o céu estrelado. Estão maravilhados, mas têm medo: um velho pajé acaba de contar como, antigamente, o céu quase esmagou a Terra.
Era muito antes dos avós dos avós dos meninos, era no começo dos tempos. A humanidade esteve por um fio: podia ser o fim do mundo. Nessa época, o céu ficava muito longe da Terra, mal dava para ver seu azul.
Um dia, ouviu-se trovejar, com estrondo ensurdecedor. O céu começou a tremer e, bem devagarinho, foi caindo, caindo. Homens, mulheres e crianças mal conseguiam ficar em pé e fugiam apavorados para debaixo das árvores ou para dentro de tocas. Só coqueiros e mamoeiros seguravam o céu, servindo de esteios, impedindo-o de colar-se à Terra. Talvez as pessoas, apesar do medo, estivessem experimentando tocar o céu com as mãos…
Nisso, um menino de 5 anos pegou algumas penas de nambu, “mawir” na língua tupi-mondé dos índios ikolens, e fez flechas. Crianças dos ikolens não podem comer essa espécie de nambu, senão ficam aleijadas. Era um nambu redondinho, como a abóbada celeste.
O céu era duríssimo, mas o menino esperto atirou suas flechas adornadas com plumas de mawir. Espanto e alívio! A cada flechada do garotinho, o céu subia um bom pedaço. Foram três, até o céu ficar como é hoje.
Em muitos outros povos indígenas, do Brasil e do mundo, há narrativas parecidas ou diferentes sobre o mesmo assunto. Fazem-nos pensar por que céu e Terra estão separados agora… O povo tupari, de Rondônia, por exemplo, conta que era a árvore do amendoim que segurava o céu. (Bem antigamente, dizem, o amendoim crescia em árvore, em vez de ser planta rasteira.)
Antes de o céu subir para bem longe, os ikolens podiam deixar a Terra e ir morar no alto. Iam sempre que ficavam aborrecidos com alguém, ou brigavam entre si, e subiam por uma escada de cipó. Gorá, o criador da humanidade, cansou de ver tanta gente indo embora e cortou o cipó, para a Terra não se esvaziar demais.
A origem da lavoura
A princípio a Terra não era boa nem farta. Não tinha peixes nas águas, animais nos matos e pássaros nos céus. Não se conhecia o fogo. Não existiam frutos e legumes. Os povos alimentavam-se de farelo de palmeira em decomposição, de lagartas e orelhas-de-pau. Certo dia, um jovem, andando pelo mato, viu sentada no seu caminho uma linda moça.
– Quem é você? De onde veio? – perguntou ele.
– Vim do céu – respondeu ela – Meu pai e minha mãe ralharam comigo, e vim embora, descendo com a chuva….
Como todo mundo tinha descido do céu, embora por outro caminho, o rapaz não duvidou daquelas palavras e muito se alegrou com a ideia de encontrar uma moça bonita para ser sua noiva. A moça era acanhada e mostrava receio de encontrar-se com as outras pessoas. Por isso, ambos esperaram que o dia fosse embora e, sob a cortina da noite, chegaram na casa da mãe do rapaz, onde, sem que ninguém visse, o rapaz escondeu a moça num enorme cesto de palha cuja boca fechou com cera. Assim, ela passava os dias escondida, esperando a noite, quando o namorado vinha e a fazia sair do grande cesto. Mas a mãe do rapaz ficou curiosa em saber o que tinha dentro daquele cesto e descobriu ali a filha do céu. Quando a história foi revelada, o rapaz abriu o cesto de palha em plena luz do dia. Mas a menina não queria sair de lá. Baixou a cabeça e custou a levantar. Todos admiraram a beleza da filha do céu, a fizeram sair de dentro do cesto e trataram de enfeitá-la com a cabeça raspada no alto e o corpo pintado de urucum e jenipapo.
A moça gostava de falar do céu e da fartura de frutos e legumes. Certo dia, queixou-se ao marido de que estava enjoada de comer lagartas e manifestou o desejo de voltar ao céu, a fim de trazer algumas sementes. Ensinou como ele devia fazer uma roçada, limpando a terra e preparando-a para receber as sementes trazidas do céu. De manhã, dirigiram-se os dois ao campo onde a filha do céu indicou uma árvore alta e flexível. Subiram até o último galho, e o peso de ambos fez que o tronco vergasse até o chão.
– Pule! – mandou a moça.
Ele pulou e a árvore se esticou novamente levando a bela jovem para o seu lar. Seu marido fez a roçada e um dia encontrou a moça sentada no meio dela, cercada de mudas de bananeira, de batatas e inhames. Do céu, nessa mesma ocasião, veio o primeiro beiju, embrulhado em folhas de bananeira, em forma de estrela.
A bela fez uma nova viagem ao céu para mostrar aos pais o filho que lhe nascera aqui na Terra. Subiu por uma altíssima casa de cupim. Depois de criado o menino, a mãe tornou a subir para o céu, mas de lá nunca mais voltou.
Os povos da Terra continuaram fazendo suas roçadas, ano após ano, cabendo às mulheres plantar a terra preparada. E, quando fazem seus beijus, ainda arranjam as folhas de bananeira em forma de estrela, como a Mãe da Lavoura e Filha do Céu ensinou a fazer.
Adaptação de Augusto Pessôa
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Origem do Rio Amazonas
Há muitos anos, a Lua e o Sol se apaixonaram. O Sol ficou encantado pela beleza da Lua e a iluminava de paixão. A Lua ficou sonhando com o calor do Sol e chorava baixinho querendo se aproximar do seu amado. Era um amor bonito que dava gosto de ver. Mas eles se amavam a distância. O Sol, então, mandou os passarinhos pedirem a Lua em casamento. Aquela revoada de pássaros fez um vôo fantástico até encontrar com a Lua. Chegaram e pediram a Lua em casamento numa linda canção. A Lua ficou cheia de alegria. O casamento foi marcado e o céu se enfeitou. As estrelas brilharam ainda mais e as nuvens criaram desenhos no firmamento. Seria uma festança que duraria um ano inteiro. Mas o mar não gostou e avisou aos noivos:
– O casamento de vocês não pode acontecer! Esse encontro vai destruir o mundo. O amor ardente do Sol vai queimar tudo e a Lua com as suas lágrimas inundaria toda a Terra. Por isso não podem se casar. A Lua apagaria o fogo e o Sol evaporaria a água.
A Lua não se importou com isso. Queria casar de qualquer jeito. Estava completamente apaixonada. Mas o Sol ficou com medo. Amava muito a Lua, mas não queria destruir o mundo. Separaram-se, então, a Lua para um lado e o Sol para o outro. Quando a Lua começava a aparecer no céu, o Sol ia embora. A Lua ainda tentou convencer o Sol. Mas não deu jeito. E ela tenta até hoje. E é por isso que, de vez em quando, a Lua e o Sol ficam juntos no céu. Mas aí tudo escurece e o Sol foge de sua amada.
Na primeira separação, a Lua chorou todo o dia e toda a noite. Foi então que as lágrimas correram por cima da Terra até o mar. Mas o mar estava zangado com a Lua e não deixou que as lágrimas se misturassem com as suas águas. E o mar ainda tenta acabar com as lágrimas da lua com um estrondo forte que os povos chamam de pororoca.
As lágrimas da Lua é que deram origem ao nosso rio Amazonas.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como surgiu a noite
Num tempo já esquecido, o dia não tinha fim. O sol ficava o tempo todo iluminando a floresta. Os homens eram obrigados a dormir no claro. Estavam cansados disso e desejavam um pouco de escuridão para conseguirem dormir melhor.
Mas o sol não deixava de iluminar o eterno dia.
Foi quando um velho, que veio de muito longe, contou que tinha visto um monstro que guardava dois grandes potes. Os potes eram pretos e estavam cheios de escuridão.
Os homens imaginaram que a noite tão desejada poderia estar trancada nesses potes. E resolveram ir pegar a noite.
No dia seguinte, um grupo saiu para ir ao local indicado pelo velho. Andaram bastante até que viram o mostro dormindo ao lado dos potes. Quando se aproximaram, escutaram o barulho que vinha de dentro daquelas vasilhas: o som das corujas, dos macacos noturnos, dos grilos, das rãs e dos sapos do brejo e de todos os seres que vivem na noite. O grupo usando arco e flechas conseguiram quebrar o pote menor. De dentro daquela vasilha saiu a noite com todos os seus bichos. Os homens saíram correndo. Chegaram nas ocas e aproveitaram a escuridão para dormir um pouco. Mas a noite que saiu do pote pequeno não durou muito. Era curta. Não dava para descansar quase nada.
Os homens resolveram voltar e quebrar o pote maior. Dois jovens foram incumbidos de realizar a tarefa, pois eram grandes arqueiros. Os dois rapazes convidaram o Urutau para acompanha-los. Mas aconselharam ao pássaro que corresse bem depressa, porque essa noite era maior e podia pegá-los de jeito. Os três chegaram ao local onde o monstro ainda dormia e com a habilidade dos arcos quebraram o pote maior. Saiu de lá uma noite que não tinha mais fim. Os três fugiram em disparada. Mas Urutau tropeçou num cipó e caiu. Foi logo alcançado pela imensa escuridão. Por isso, até hoje, o Urutau é uma ave noturna.
E foi assim que surgiu a noite.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como apareceu a rede de dormir
Antigamente não existiam redes de dormir.
Homens e mulheres dormiam no chão por cima das folhas, ou pendurados em árvores.
Um pajé chamado Tamaquaré, ia se casar e não queria mais dormir no chão como os homens. Tinha medo de que os animais o machucassem. Também não queria dormir no alto das árvores, porque tinha medo de cair de lá com sua mulher.
Ele resolver falar com o tucano para ver se ele arrumava uma solução.
O pássaro, nessa época, tinha o bico curto e falava pelos cotovelos. Tamaquaré encontrou com ele e pediu:
– Tucano, vou me casar, mas não quero mais dormir no chão e nem pendurado. O senhor pode me ajudar a resolver esse problema?
O tucano pensou muito. Até que teve uma ideia: pegou um monte de cipós e começou a trançar. Depois de trançar bastante aquilo ficou bonito de dar gosto de olhar. O tucano amarrou o trançado entre duas árvores e chamou o pajé. Tamaquaré ficou satisfeito, mas disse ao tucano:
– Gostei muito do seu trabalho! Mas não quero que ninguém saiba como eu consegui esse trançado. Você entendeu? Não conte para ninguém, se não eu vou me zangar com você!
O tucano ficou quieto por um tempo.
No dia do casamento de Tamaquaré houve uma festança danada. O tucano estava animado e orgulhoso. Comeu e bebeu tudo que podia. No meio da festança o pássaro disse bem alto:
– O pajé se casou! E ele não vai dormir no chão como os outros! Vai dormir na rede que eu fiz! Vai dormir bem confortável!
Disse o que disse e mostrou a rede. Todo mundo ficou encantado com aquilo. Mas Tamaquaré se aborreceu. Cuspiu no chão com raiva. Pegou o tucano pelo bico e começou a puxar. Puxou com força e ainda disse:
– Agora, você vai ficar com esse bico comprido para deixar de ser linguarudo. Não vai mais falar e ainda vai voar curto para aprender!
Desde esse tempo, os homens passaram a usar redes para dormir. E o tucano ficou com aquele bicão, falando um nhé-nhé-nhé e voando pequeno.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como o céu se afastou da Terra
Num tempo muito antigo, o céu ficava tão pertinho da Terra que os homens e os bichos andavam no meio das nuvens e das estrelas. Os curumins brincavam no algodão das nuvens e os namorados trocavam juras de amor ao lado da lua.
Estava todo mundo satisfeito com esse céu tão pertinho da terra.
Menos os passarinhos. Eles queriam voar livremente, subir muito alto e, do jeito que estava, só podiam dar voos curtos. Fizeram uma reunião para resolver o problema. O morcego também foi convidado.
No dia da reunião, os passarinhos estavam em festa. Veio pássaro de todos os lados e de tudo que é tipo: juriti, urubu, sabiá, papagaio e muito mais. A discussão estava animada, até que veio do papagaio a ideia:
– Por que a gente não se junta e levanta o céu?
Houve um espanto pela proposta e um grande silêncio se formou. Logo em seguida os pássaros começaram a gritar festejando a ideia. Só o morcego não gostou:
– Não quero participar disso. Vou continuar a dormir de cabeça para baixo.
No dia marcado, todos os pássaros se reuniram e num esforço conjunto começaram a empurrar o céu para cima. E o azul celeste foi subindo, foi subindo. Junto com ele as nuvens, o sol, a lua, as estrelas e todos os corpos celestes. O céu ficou tão alto que ninguém conseguia pegar no sol e nem brincar com as estrelas. Podiam subir na mais alta árvore e no pico da maior montanha que não alcançavam mais o céu.
Os pássaros em festa voavam em todas as direções. Os homens é que não gostaram muito. Eles apreciavam ter os corpos celestes por perto. Ficaram mesmo zangados. E é por isso que, até hoje, homens e pássaros não se dão muito bem.
E o morcego?
O morcego continua a dormir pendurado pelos pés, de cabeça para baixo.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como surgiram os homens
Existem várias lendas sobre como os homens surgiram na terra uma delas é essa:
A floresta era deserta.
Nem uma aldeia, nem uma rede pendurada, nem uma fogueira, nem uma cabana, nem famílias, nem roçado. O dia nascia, mas só iluminava o vazio. Só dava luz à solidão. Os pássaros voavam e só pousavam nos galhos das árvores. Nem um telhado, nem uma palha trançada. Os peixes nadavam nos rios sem uma canoa como companhia.
Até que surgiu o primeiro dos homens. Era jovem e belo e corria livre pela mata. Era amigo das matas e dos animais. Caçava só para comer, nadava com os peixes do rio, dormia com os macacos, sonhava com os pássaros. Tinha tudo para ser feliz. Mas o homem começou a ficar triste. Sentia uma grande solidão. Via que os animais tinham companheiros e ele vivia sozinho. O jovem queria ter uma companheira e seres iguais a ele para conversar.
Um dia, o rapaz foi conversar com sua amiga onça e contou sua tristeza:
– Queria tanto uma companheira. Queria muito correr, conversar e brincar com outros parecidos comigo.
A onça ouviu, em silêncio, o lamento do amigo. Pensou bastante e resolveu contar o segredo de como o jovem poderia ter seus companheiros. A onça disse com cuidado nos ouvidos do nosso herói o grande segredo. O segredo da criação dos homens.
O homem ficou feliz com a descoberta e logo começou a trabalhar como a onça ensinou. Foi até a mata e cortou árvores fazendo grossas toras. Pegou um grande pilão e socou as toras nele. Depois passou pimenta, fincou as toras num descampado e esperou a noite chegar. Quando anoiteceu, fez uma fogueira ao redor de cada uma das toras.
Mas nada aconteceu. Ninguém apareceu. E nosso herói chorou muito.
Mesmo assim, ele não desistiu. Talvez tivesse errado no tipo de árvore que cortou. Voltou para a floresta e cortou toras de outra árvore. E fez tudo como na primeira vez: socou as toras no pilão, passou pimenta e fincou todas no descampado. Quando anoiteceu, acendeu uma fogueira em volta de cada tora. Novamente a madeira não se transformou em gente. E o herói mais uma vez chorou. Foi um choro tão sofrido, tão grande, que o coitado adormeceu ali mesmo.
No meio do descampado, as toras continuavam fincadas no chão.
Quando o sol foi nascendo devagar e acertando seus raios em cada uma das toras elas se transformaram. Um a um foram virando gente. Com o calor do sol, os novos homens despertaram e viveram. Eram tão belos e jovens que todos os animais fizeram uma festa para homenagea-los. E nosso herói viu com alegria o surgimento dos seus companheiros. Ele trocou olhares com uma bela jovem e os dois se apaixonaram.
Logo toda a terra estava povoada.
E até hoje, no alto Xingú, o povo dança comemorando esse dia.
Adaptação de Augusto Pessôa
Lenda da criação do mundo
Os homens viviam dentro do furo das pedras. No princípio dos tempos, eles não conheciam a Terra. Viviam dentro das rochas. Eram felizes e tinham vida eterna. Eles só morriam quando ficavam cansados de viver.
Um dia, eles decidiram que era hora de sair e conhecer o mundo. Foram todos saindo dos furos. Só um deles não conseguiu sair porque estava gordinho.
Na Terra era uma escuridão sem fim. Os homens corriam para todos os lados conhecendo o mundo. Comeram frutas que eles não conheciam.
Até que um dia, ficaram com pena daquele que ficou nas pedras e levaram as frutas mais saborosas para ele e um galho seco. Ao ver o galho, o índio da pedra falou:
– Esse lugar que vocês andam não é bom. As coisas envelhecem e morrem. Não quero ir para esse lugar onde tudo envelhece. Vou ficar por aqui mesmo. E vocês deviam fazer o mesmo!
Mas os outros não deram atenção para as palavras dele e continuaram a conhecer a terra.
Um jovem rapaz, junto com sua amada, andava procurando alimento. Como tudo estava escuro, a mulher feriu as mãos em espinhos quando tentava colher frutas. O rapaz, naquela escuridão danada, comeu mandioca brava. Sentindo muitas dores, ele se deitou e parecia que estava morto. Vários urubus começaram a voar em volta do rapaz achando que ele tinha morrido. Até que um deles disse:
– Eu acho que ele não está morto. Ainda está se mexendo…
Mas outro urubu falou:
– Está se mexendo nada! Ele está é bem morto!
Começou uma confusão danada. Uns achavam que o rapaz estava morto e outros diziam que não.
Para acabar com essa dúvida foi chamado o urubu-rei que era o mais sábio de todos. O grande pássaro de bico vermelho veio voando, flanando pelo céu, se aproximou e começou a observar o rapaz. Até que declarou:
– Esse rapaz está morto!
E pousou na barriga do jovem. Mas o rapaz, que só fingia que estava morto, agarrou com força as pernas do urubu. O pássaro de bico vermelho esperneou, debateu-se, mas não conseguiu se libertar. E o rapaz mandou:
– Quero o mais belo dos enfeites!
E o urubu-rei trouxe as estrelas no céu que piscavam sem parar. Os enfeites eram belos, mas o mundo continuava escuro. E o rapaz pediu mais:
– Quero outro enfeite!
O urubu-rei trouxe a lua com sua luz prateada. Mas a Terra continuava escura. E o rapaz pediu ainda mais:
– Ainda está tudo escuro! Quero outro enfeite! Quero um enfeite mais brilhante!
Então o urubu-rei trouxe o sol que encheu de luz e calor toda a floresta.
O rapaz ficou satisfeito e a grande ave ensinou ao índio qual era a utilidade de cada uma das coisas.
Feliz da vida, o rapaz libertou o sábio pássaro.
O urubu-rei já voava alto e só então o jovem perguntou qual o segredo da juventude eterna. Lá do alto, a ave disse o segredo. Mas voava tão alto, que quase ninguém ouviu o segredo. Só quem ouviu foram as árvores e os animais. E por não ter ouvido o segredo, até hoje todos os homens envelhecem e morrem.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como nasceram os rios
Dizem que antigamente era tudo seco. Não tinha rio, não tinha água, não tinha nada. A Juriti era a dona da água e guardava tudo em três grandes tambores.
Os três filhos do pajé estavam com muita sede e foram pedir água para o passarinho. Mas a Juriti não deu e ainda disse:
– O pai de vocês é Pajé poderoso! Por que não dá água para vocês? Ele que arrume água para seus filhos!
Os meninos voltaram para casa chorando muito. O pajé perguntou por que estavam chorando, os pequenos contaram e o pai disse:
– Não quero vocês andando naqueles lados. É muito perigoso! Tem peixe grande dentro dos tambores.
Mas eles não ouviram o pai e foram de novo até a casa da Juriti. Quando chegaram lá quebraram os tambores e saíram jogando água para tudo que é lado. A Juriti ficou com raiva e mandou o peixe grande atrás dos meninos. Os irmãos correram, mas o peixe engoliu um deles. O coitado ficou só com as pernas fora da boca do peixe.
Os outros dois corriam e jogavam água. Com isso foram formando rios e cachoeiras. O peixe grande foi atrás, também levando água, e fez o rio Xingu.
Correram muito até chegar ao Amazonas. Lá os meninos conseguiram tirar o irmão da boca do peixe. Cortaram suas pernas, pegaram o sangue e sopraram. O menino voltou a viver. Depois eles jogaram toda água que sobrou no Amazonas e o rio ficou muito largo.
Os meninos voltaram para casa e contaram ao pai que tinham quebrado os tambores.
E foi assim que os rios se formaram.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como surgiram os diamantes
Diz a lenda que um casal vivia, juntamente com sua tribo, à beira de um rio. Ele era um guerreiro poderoso e valente. O nome dele era Itagiba, que significa “braço forte”. Ela era uma jovem e bela moça que tinha o nome de Potira, que quer dizer “flor”.
Os dois viviam um amor lindo numa felicidade que enchia os olhos.
Um dia, a tribo foi ameaçada por outros homens. Uma guerra foi declarada e o forte Itagiba teve que partir para enfrentar o inimigo junto com os outros guerreiros.
O casal se despediu com muita tristeza, mas Potira não deixou cair uma só lágrima. A dor era tanta que ela só seguiu seu amado com o olhar. Viu seu amor partir na canoa que descia o rio.
O tempo passou lentamente. Todos os dias, a bela jovem ia para a margem do rio esperar o seu amor. A saudade apertava no peito.
Até que um dia, finalmente, os guerreiros da tribo voltaram. Tinham vencido a guerra. Mas Itagiba não estava com eles. O bravo guerreiro morreu lutando para derrotar o inimigo. Quando recebeu a notícia, a jovem Potira chorou muito. E passou o resto de sua vida chorando na beira do rio. O deus Tupã ficou com pena da jovem. Viu que o amor que ela sentia era verdadeiro. E para homenagear essa grande paixão transformou as lágrimas de Potira em diamantes.
E é por isso que essas preciosas pedras são encontradas entre os cascalhos e areias do rio. Os diamantes são as lágrimas que Potira deixou na beira do rio. Lágrimas de saudade e amor.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como surgiu a Lua
Num tempo de outro tempo, não existiam estrelas ou lua. A noite era tão escura que todos tinham medo de sair. Ficavam nas ocas com pavor da noite escura.
Na tribo, uma jovem não tinha medo. Ela era linda e tinha a pele muito clara. Diferente das outras mulheres da tribo. Por causa dessa diferença, o povo da aldeia olhava para ela com desconfiança. Os homens não queriam namora-la e as mulheres nem conversavam com ela. A moça vivia numa solidão terrível.
Sentindo-se muito só, começou a andar pela noite escura. Todos da tribo ficavam espantados. Principalmente quando ela voltava de seus passeios e dizia que não havia perigo. Não era preciso ter medo.
Nessa mesma aldeia tinha outra mulher. Uma criatura feia e estranha que tinha muita inveja da mulher clara. Com raiva da outra, resolveu sair a noite também. Mas não conseguia enxergar naquela escuridão e terminou cortando os pés nas pedras e espinhos. Ficou com mais raiva da outra. Cheia de rancor e inveja ela foi conversar com a cascavel.
– Cascavel, quero que me faça um favor. Você conhece aquela moça clara?
E a cobra respondeu enrolada em um galho:
– Aquela que anda pela noite?
– Isso mesmo! – respondeu a invejosa – Quero que você morda os seus pés para que ela fique feia e velha!
Por pura maldade a cascavel aceitou o pedido. Ficou de tocaia esperando o passeio da moça clara. Quando ela passou, deu o bote. Mas a cobra não sabia que a índia tinha os pés calçados com duas conchas. A cascavel mordeu as conchas e seus dentes se quebraram. A cobra ficou com muita dor. Começou a gritar e a xingar muito. E a moça clara perguntou:
– O que está acontecendo? Por que quis me morder?
E a cascavel respondeu com raiva:
– Porque uma mulher me pediu. Ela não gosta de você e quer que você fique feia e velha como ela. Ninguém gosta de você!
A jovem clara ficou muito triste. Não queria viver junto de pessoas que não gostassem dela. E não aguentava mais ser diferente dos outros. Querendo resolver essa situação, ela fez uma escada com cipós trançados. Depois pediu para sua amiga coruja que voasse muito alto e amarasse a ponta da escada no céu. A ave fez como a moça pediu. A mulher começou a subir. Subiu muito até chegar ao alto da escada. Chegando ao céu estava tão exausta que dormiu numa nuvem. Num passe de mágica a mulher se transformou num dos mais belos astros. Redonda, clara e iluminada. Era a lua que encheu de luz a noite escura. A mulher feia olhou para o raio de luar e ficou cega. Ficou com tanta vergonha que foi se esconder com a cascavel em um buraco.
Os homens se arrependeram de desprezar aquela moça clara. Eles passaram a adorar a lua que enchia de luz a noite. Alguns apaixonados sonhavam em construir outra escada de cipós para poder ir ao céu encontrar a bela jovem.
Adaptação de Augusto Pessôa
O roubo do fogo
Há muito tempo atrás, o urubu-rei era dono do fogo. Por isso, os homens secavam a carne expondo os pedaços ao calor do Sol. Do outro lado do grande rio era a casa do urubu-rei. Ele e os seus parentes guardavam o fogo em baixo da asa. Os homens precisavam do fogo e um deles, um jovem guerreiro, resolveu roubar o fogo dos urubus. Ele matou uma anta e deixou o bicho estendido no chão e, depois de três dias, ele estava podre e cheio de vermes. O guerreiro avisou a aldeia a sua intenção e fez uma roupa com folhagens. Pegou sua canoa, colocou a anta podre dentro e foi até a outra margem do grande rio vestido com a roupa de folhagem. Ao chegar na outra margem, ele escondeu sua canoa, colocou a anta podre num descampado bem longe da canoa. Ficou encolhido perto da anta como se fosse uma folhagem. Sentindo o cheiro da carniça, os urubus se aproximaram. Antes de chegar na carniça, eles viram, lá do alto, a canoa do jovem guerreiro e a queimaram por inteiro. Ao chegar na carniça, para melhor se banquetearem, despiram a vestimenta de penas, assumindo a forma de gente. Tiraram um tição aceso de debaixo de uma das asas e com ele fizeram grande fogueira. Cataram os vermes, os envolveram em folhas do mato e assaram. O guerreiro, que se mantinha escondido, foi bem devagar até onde estavam as vestimentas de penas e pegou um tição. Mas os urubus viram o jovem e foram correndo vestir suas roupas de penas. O guerreiro correu para sua canoa, mas os urubus já tinham queimado a embarcação. Sem saber o que fazer, o rapaz pediu ao sapo cururu que levasse nas costas o fogo até a outra margem do grande rio. O sapo foi, mas quando chegou na outra margem, onde toda a aldeia esperava, nas suas costas tinha sobrado só uma brasinha. O pajé pegou a brasinha e fez uma fogueira. Do outro lado, os urubus atacavam o guerreiro usando tições como flechas. O jovem não sabia como sair dali. O pajé, lá na outra margem, jogou um pó mágico na fogueira e pediu a Tupã que ajudasse o guerreiro. Da fogueira saiu uma grossa fumaça que foi até a outra margem do grande rio e envolveu o índio dando ao guerreiro uma grande força. Com um sopro ele espantou os urubus. Depois, com suas mãos, juntou as margens do grande rio e pode passar tranquilamente. O rapaz entregou o fogo ao Pajé. Então, o Pajé ateou fogo em todas as árvores com as quais hoje se faz fogo. E assim o fogo chegou aos homens.
Adaptação de Augusto Pessôa
Por que é triste o jaburu?
O jaburu é uma ave estranha. É grande e com pescoço longo. Parece carregar uma tristeza profunda. Fica por grande tempo imóvel como se fosse uma estátua num museu.
Está sempre só. Quando um intruso se aproxima, ele logo fica feroz e luta bravamente para expulsar o suposto inimigo. Depois, volta a ficar tristonho e cabisbaixo apoiando-se numa perna só.
Mas de onde vem essa tristeza toda?
Uma lenda muito antiga explica:
Mandi, um bravo guerreiro, apaixonou-se por Ituna que era a mais formosa mulher da aldeia. A paixão dos dois era bonita de ver.
Mas o pai do rapaz não estava satisfeito. Ele era o cacique e queria que o filho o sucedesse no comando da aldeia. Mas para isso Mandi não podia casar, enquanto não passassem cinco luas, depois de ter recebido do pai o tacape de guerreiro e o cocar de cacique.
Mas a paixão dos namorados era tanta que eles não queriam esperar. O rapaz preferia não ser o líder da aldeia, a perder o amor da sua escolhida. E Mandi não esperou, nem ouviu os pedidos do pai que já estava velho e doente.
Todas as tardes, o casal se encontrava a beira da Lagoa Sagrada e ali ficava a trocar juras de amor. Mas eles não ficavam sós. Uma ave de plumagem cinzenta, pescoço encolhido e que ficava apoiada numa das pernas fazia companhia ao casal. Era o jaburu.
Os namorados se divertiam jogando migalhas de fruta adocicada para aquela ave mansa e esquisita. O pássaro pegava tudo que era oferecido com seu bico grosso e forte.
O jaburu se acostumou tanto com os namorados, que ficou manso. Pegava a comida na palma da mão do casal. E aceitava os carinhos que eles faziam com grande felicidade.
Mas essa felicidade não durou muito.
Uma tarde, uma terrível tempestade se armou no céu. Nuvens escuras e pesadas anunciavam uma grande chuva.
Na aldeia, uma tristeza imensa tomou conta de todos. O cacique estava morrendo. Suas forças estavam se acabando. Num último esforço o líder da aldeia mandou chamar seu filho. Os raios rasgavam o céu, os trovões pareciam fazer tremer o mundo. Mandi foi ver o pai e recebeu dele o tacape e o cocar. Assim que entregou ao filho os objetos sagrados de liderança, o cacique morreu.
O novo cacique beijou a testa do pai e saiu da oca. Do lado de fora, todos saudavam o novo líder, mas num clarão do relâmpago Mandi viu a figura de Ituna. Bela e encantadora. O rapaz não se conteve. Jogou de lado os objetos sagrados e abraçou aquela que era dona do seu coração. A ofensa tinha sido feita. Todos da aldeia ficaram espantados. De repente, um raio fulminou o casal de namorados. Os dois morrerão na hora. Ficaram abraçados, unidos num terrível abraço de morte.
No dia seguinte, o casal foi enterrado unido. Exatamente no local onde passavam todas as tardes as margens da Lagoa Sagrada. O jaburu observava tudo. Quando a última porção de terra cobriu totalmente os corpos dos namorados, a ave foi embora num voo fantástico.
Mas todas as tardes o jaburu voltava. Esperava encontrar os dois namorados que o tratavam com carinho. O tempo passou e a ave foi ficando cada dia mais triste. As penas foram caindo e a dor aumentava tornando o jaburu a imagem da tristeza. Mas ele nunca desistiu. Todas as tardes esperava o casal de namorados apoiado numa perna só, com a cabeça baixa e imóvel como uma estátua.
E é assim até hoje.
Adaptação de Augusto Pessôa
Como surgiu a erva-mate
Conta uma lenda, muito antiga, que os guerreiros de uma tribo tinham partido para a guerra. Um homem, por ser muito velho, teve que ficar. E ele ficou revoltado com isso, chorando no alto da colina, vendo os jovens guerreiros que partiam. O velho lembrava quando era um forte e valente guerreiro. E a sua tristeza aumentava cada vez mais.
A sua única alegria era sua filha que se chamava Iari. Era uma jovem muito bela, mas recusava todos os pedidos de casamento, porque queria ficar ao lado do velho pai.
Um dia, chegou à oca do velho um viajante estranho. Ele tinha roupas coloridas e olhos que brilhavam como o azul do céu. O velho logo percebeu que o homem vinha de muito longe. Pai e filha receberam o estranho muito bem. Iari ofereceu os melhores frutos e o mel mais doce. O velho contou suas façanhas de juventude com riqueza de detalhes. Tudo era feito para agradar o estrangeiro.
No dia seguinte, com o nascer do sol, o homem já estava pronto para partir. O viajante falou para o velho:
– Você é um homem bom. E a sua bondade merece ser premiada. Eu sou um mensageiro de Tupã. Você pode pedir o que quiser que será seu.
O velho homem coçou a cabeça e respondeu:
– Meu amigo, nada mereço pelo que fiz! Mas gostaria de uma força para a minha velhice. Minha filha cuida de mim, mas se eu tivesse novamente forças, ela poderia casar e formar sua própria família. É só o que eu peço: uma força para que eu tenha novamente ânimo.
O mensageiro de Tupã sorriu. Ele tinha entre as mãos uma planta com folhagens verdes. O viajante entregou a planta ao velho e disse:
– Plante essa folhagem e deixe crescer. Você vai fazer ferver as folhas e beber o chá. Fazendo isso vai ter a força que tanto deseja. Esta erva tem a força do próprio Tupã. Ela trará energia para todos os homens da tribo. E sua filha Iari será, a partir de hoje, a protetora das florestas. E vai mostrar o mate para todo mundo.
E desde então, Caá-Iari, como ficou conhecida a filha do velho, é senhora dos ervais e deusa dos ervateiros.
Em seguida, o homem partiu. Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade. Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. Mas como? Estavam tão longe de tudo que ali não aparecia ninguém! Ela não sabia o que fazer. Ela e o pai saíram pela floresta para espalhar a notícia para todo mundo.
Lenda da mandioca
Com alegria contagiante, Mani era uma indiazinha muito estimada pela tribo tupi onde vivia. Ela era neta do cacique e a gravidez da sua mãe foi motivo de tristeza para o chefe da tribo. Isso porque ela tinha engravidado e não era casada com um bravo guerreiro, tal como ele desejava.
O cacique obrigou a filha a dizer quem era o pai do seu filho, mas a índia dizia que não sabia como tinha ficado grávida. A desonestidade da filha desagradava muito o cacique.
Até que um dia, ele teve um sonho que o aconselhava a acreditar na filha, pois ela continuava pura e dizia a verdade ao pai. Desde então, aceitou a gravidez e ficou muito contente com a chegada da sua neta.
Com alegria contagiante, Mani era uma indiazinha muito estimada pela tribo tupi onde vivia. Ela era neta do cacique e a gravidez da sua mãe foi motivo de tristeza para o chefe da tribo. Isso porque ela tinha engravidado e não era casada com um bravo guerreiro, tal como ele desejava.
O cacique obrigou a filha a dizer quem era o pai do seu filho, mas a índia dizia que não sabia como tinha ficado grávida. A desonestidade da filha desagradava muito o cacique.
Até que um dia, ele teve um sonho que o aconselhava a acreditar na filha, pois ela continuava pura e dizia a verdade ao pai. Desde então, aceitou a gravidez e ficou muito contente com a chegada da sua neta.
As lágrimas de Potira
Bem antes de os brancos atingirem os sertões de Goiás, em busca de pedras preciosas, existiam por aquelas partes do Brasil muitas tribos indígenas. Elas viviam em paz ou em guerra e segundo suas crenças e hábitos.
Numa dessas tribos, que por muito tempo manteve a harmonia com seus vizinhos, viviam Potira, menina contemplada por Tupã com a formosura das flores, e Itagibá, jovem forte e valente.
Era costume na tribo as mulheres se casarem cedo e os homens assim que se tornavam guerreiros.
Quando Potira chegou à idade do casamento, Itagibá adquiriu sua condição de guerreiro. Não havia como negar que se amavam e que escolheram um ao outro. Embora outros jovens quisessem o amor da indiazinha, nenhum ainda possuía a condição exigida para as bodas, de modo que não houve disputa. Assim, Potira e Itagibá se uniram com muita festa.
Corria o tempo tranquilamente, sem que nada perturbasse a vida do apaixonado casal. Os curtos períodos de separação, quando Itagibá saía com os demais para caçar, tornavam os dois ainda mais unidos. Era admirável a alegria do reencontro!
No entanto, um dia, o território da tribo foi invadido por vizinhos cobiçosos, devido à abundante caça que ali havia, e Itagibá teve que partir com os outros homens para a guerra.
Potira ficou contemplando as canoas que desciam rio abaixo, levando sua gente em armas, sem saber exatamente o que sentia, além da tristeza de se separar de seu amado por um tempo não previsto. Não chorou como as mulheres mais velhas, talvez porque nunca tenha visto ou vivido o que sucede numa guerra.
Mas todas as tardes ela ia sentar-se à beira do rio, numa espera paciente e calma. Alheia aos afazeres de suas irmãs e à algazarra constante das crianças, ficava atenta. Ela esperava ouvir o som de um remo batendo na água e ver uma canoa despontar na curva do rio, trazendo de volta seu amado. E somente retornava à taba quando o sol se punha e depois de olhar uma última vez, tentando distinguir no entardecer o perfil de Itagibá.
Foram muitas tardes iguais, com a dor da saudade aumentando pouco a pouco. Até que o canto da araponga ressoou na floresta, desta vez não para anunciar a chuva, mas para prenunciar que Itagibá não voltaria, pois tinha morrido na batalha.
E pela primeira vez Potira chorou. Sem dizer uma palavra, como não haveria de fazer nunca mais, ficou à beira do rio para o resto de sua vida, soluçando tristemente. E as lágrimas que desciam pelo seu rosto sem cessar foram-se tornando sólidas e brilhantes no ar, antes de submergir na água e bater no cascalho do fundo.
Dizem que Tupã, condoído com tanto sofrimento, transformou suas lágrimas em diamantes, para perpetuar a lembrança daquele amor.
O Uapé
Pita e Moroti amavam-se muito; e, se ele era o mais esforçado dos guerreiros da tribo, ela era a mais gentil e formosa das donzelas.
Porém, Nhandé Iara não queria que eles fossem felizes. Por isso, encheu a cabeça da jovem de maus pensamentos e instigou a sua vaidade.
Uma tarde, na hora do pôr do sol, quando vários guerreiros e donzelas passeavam pelas margens do rio Paraná, Moroti disse:
— Querem ver o que este guerreiro é capaz de fazer por mim? Olhem só!
E, dizendo isso, tirou um de seus braceletes e atirou-o na água. Depois, voltando-se para Pita, que como bom guerreiro guarani era um excelente nadador, pediu-lhe que mergulhasse para buscar o bracelete. E assim foi.
Assim, em vão esperaram que Pita retornasse à superfície. Moroti e seus acompanhantes, alarmados, puseram-se a gritar. Mas era inútil, o guerreiro não aparecia.
Então a desolação logo tomou conta de toda a tribo. As mulheres choravam e se lamentavam, enquanto os anciãos faziam preces para que o guerreiro voltasse. Só Moroti, muda de dor e de arrependimento — como que alheia a tudo —, não chorava.
O pajé da tribo, Pegcoé, explicou o que ocorria. Disse ele, com a certeza de quem já tivesse visto tudo:
— Agora Pita é prisioneiro de I Cunhã Pajé. No fundo das águas, Pita foi preso pela própria feiticeira e conduzido ao seu palácio. Lá Pitá esqueceu-se de toda a sua vida anterior, esqueceu-se de Moroti e aceitou o amor da feiticeira; por isso não volta. É preciso ir buscá-lo. Encontra-se agora no mais rico dos quartos do palácio de I Cunhã Pajé. E se o palácio é todo de ouro, o quarto onde Pita se encontra agora, nos braços da feiticeira, é todo feito de diamantes. E dos lábios da formosa I Cunhã Pajé, que tantos belos guerreiros nos tem roubado, ele sorve esquecimento. É por isso que Pita não volta. É preciso ir buscá-lo.
— Eu vou! — exclamou Moroti — Eu vou buscar Pita!
— Você deve ir, sim — disse Pegcoé. — Só você pode resgatá-lo do amor da feiticeira. Você é a única! Se de fato o ama, é capaz de vencer, com esse amor humano, o amor maléfico da feiticeira. Vá, Moroti, e traga Pita de volta!
Moroti amarrou uma pedra aos seus pés e atirou-se ao rio.
Durante toda a noite a tribo esperou que os jovens aparecessem; as mulheres chorando, os guerreiros cantando e os anciãos esconjurando o mal.
Com os primeiros raios da aurora, viram flutuar sobre as águas as folhas de uma planta desconhecida: era o uapé (vitória-régia). E viram aparecer uma flor muito linda e diferente, tão grande, bela e perfumada como jamais se vira outra na região.
As pétalas do meio eram brancas e as de fora, vermelhas. Brancas como o nome da donzela desaparecida: Moroti. Vermelhas como o nome do guerreiro: Pita. A bela flor exalou um suspiro e submergiu nas águas.
Então, Pegcoé explicou aos seus desolados companheiros o que ocorria:
— Alegria, meu povo! Pita foi resgatado por Moroti! Eles se amam de verdade! A malévola feiticeira, que tantos homens já roubou de nós para satisfazer o seu amor, foi vencida pelo amor humano de Moroti. Nessa flor que acaba de aparecer sobre as águas, eu vi Moroti nas pétalas brancas, que eram abraçadas e beijadas, como num rapto de amor, pelas pétalas vermelhas. Estas representam Pita.
E são descendentes de Pita e Moroti estes belos uapés que enfeitam as águas dos grandes rios. No instante do amor, as belas flores brancas e vermelhas do uapé aparecem sobre as águas, beijam-se e voltam a submergir.
Elas surgem para lembrar aos homens que, se para satisfazer um capricho da mulher amada um homem se sacrificou, essa mulher soube recuperá-lo, sacrificando-se também por seu amor. E, se a flor do uapé é tão bela e perfumada, isso se deve ao fato de ter nascido do amor e do arrependimento.
Como nasceram as estrelas
Adaptação de Clarice Lispector
Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os índios
olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história
singela do nascimento das estrelas.
Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas
tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer.
Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O
seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.
— Vamos voltar e trazer conosco uns curumins.
(Assim chamavam os índios as crianças.) Curumim dá sorte. E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e numa clareira da floresta — eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os gatinhos também colheram muitas e fugiram das mães voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que reclamariam por eles comerem tanto. Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio porque os dois contariam tudo. Mas — e se as mães dessem falta da avó e do papagaio tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu.
Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram, essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.
Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes. Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, “sempre” não acaba nunca.
Gostou dos contos indígenas? Leia também: Plano de Aula: Dia dos povos indígenas – importância e relevância cultural
Referências: Novo Escola | Augusto Pessoa | Toda Matéria | Epicentro Literário | Como nasceram as estrelas