Até série de terror eu assisto em busca do sublime, é ele quem me arrebenta e me arrebata, em doses de igual intensidade. Em American Horror Story, eu fui tocado por Jessica Lange. Jessica é das que transbordam. Quando ela sofre, eu acredito.

    Em todos os seus personagens, talvez a vaidade seja o pecado em evidência, sua perdição. E eu acredito, porque isso parece vir de dentro. A própria Jessica envelheceu, com dignidade. E a dignidade me encanta. Muitas optaram por caminhos mais curtos, em robes de seda e barbitúricos: live fast, die young. Estas quiseram eternizar suas imagens jovens em camisetas e guarda-chuvas com cabos de cisne. Jessica não. Ela sobreviveu para ser o próprio retrato de Dorian Gray, estampando na pele o resultado do tempo. E o retrato é lindo, porque em vez da velhice mostra a vida.

    De todo modo, as mulheres que ela interpreta na série não concordam com isso. Elas buscam a beleza, a juventude, a fama, o sucesso, o sexo, todos como caminhos para algo maior: ser amadas. Por muitos, por alguém… Enfim, a vaidade é a manifestação da carência, sempre.

    Na quinta temporada, há uma cena que me marcou tanto a ponto de eu não conseguir ver mais nada. Eu ainda não superei a intensidade de Jessica nela. No enredo, ela interpreta Elsa Mars, a dona de um freak show, um circo de aberrações, atração comum nos Estados Unidos de uma determinada época. De fato, o circo representa toda sua tentativa de virar uma estrela, de ser grande, ser reconhecida, ser famosa. É o pecado da vaidade manifestado, que provavelmente vai conduzi-la à perdição. Pecado e paga, como na tragédia.

    A cena que me fulminou foi um show de Elsa, interpretando de modo digníssimo David Bowie. Anacronismos a parte, no palco Elsa é a estrela que sonha em ser. Mesmo que só para sua coleção de aberrações, mesmo que os pagantes não gostem, mesmo que seu sotaque alemão se sobressaia e os papeis de prata se desperdicem para ninguém. Naquele momento, de olhos fechados, Elsa é toda intensidade e arte.

    Ela sente, eu sinto.

    De repente, ela é a menina de quem fala a música, a menina cansada de ver sempre o mesmo filme, aquela que esperava fazer da vida um romance, mas só conseguiu transformá-la em um faroeste de quinta. A vida é “the freakiest show”. E então vem a pergunta, como uma faca de atirador: “Is there life on Mars?

    É genial. E me atinge no peito, bem onde dói mais.

    No contexto da música, perguntar se há vida em Marte é fazer uma referência aos filmes, além de sinalizar uma busca por não sermos todos tão sozinhos. Se isso já não fosse bonito o suficiente, é preciso lembrar que o sobrenome de Elsa é Mars. Quando ela pergunta, então, se há vida em Mars, isso é de uma intensidade que… não sei. Me sufoca.

    Há vida naquela mulher? E por vida se quer dizer o quê? Caminhar, respirar, trabalhar? Estar no palco, brilhar, receber flores no camarim? Estar vivo é ser amado? Por muitos? Por alguém?

    Há vida em Mars? Eu não sei. E fiquei com tanto medo de a resposta ser não que, de repente, fez sentido a série ser de terror. Apavorado, não assisti a mais nem um episódio. Mesmo assim, ainda a escuto cantar, sempre em repeat, sempre murmurando junto. “Is there life on Mars?

    Is there life on me?

    Para ver toda intensidade de Mars:

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