Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado): preconceitos e debates são atemporais

Sempre fui de ler bastante, mas literatura brasileira, especialmente a clássica, dificilmente constava na minha lista de prioridades. Até ler Jorge Amado. Foi meu primeiro livro de 2013 e de lá pra cá praticamente tenho visitado quase que exclusivamente as prateleiras de obras nacionais nas livrarias em busca do tempo perdido. E como temos autores sensacionais!

Comprei na época que estava passando a regravação da minissérie na TV. Eu não cheguei a assistir, mas estava ouvindo uns comentários bem interessantes sobre o livro e isso me fez investir na Edição Econômica (Cia das Letras) para ver no que dava.

Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado)

Tão profundo aquele gosto de sangue que o próprio árabe Nacib, afetado bruscamente em seus interesses com a partida de Filomena, esquecia tais preocupações, voltando-se por inteiro para os comentários do duplo assassinato. Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre, em todas as sociedades. (pg. 10)

A história de amor do árabe Nacib e a jovem com cheiro de cravo e cor de canela se desenrola na cidade de Ilhéus (Bahia) nos anos 1925 e 1926, tendo como pano de fundo a exploração de cacau como fato propulsor de transformações econômicas e sociais.

Nacib, proprietário do bar Vesúvio, ponto de encontro dos homens da cidade, assim como o cabaré Bataclã, se vê em apuros quando sua cozinheira resolve ir embora do emprego em busca de uma vida melhor. Após procurar sem sucesso por uma nova cozinheira, o árabe resolve apelar para a busca de uma substituta no mercado clandestino, onde encontra Gabriela, fugindo da seca apenas com uma trouxa de roupa nas costas.

O perfume de cravo enchia o quarto, um calor vinha do corpo de Gabriela, envolvia Nacib, queimava-lhe a pele, o luar morria na cama. Num sussurro entre beijos, a voz de Gabriela agonizava: – Moço bonito… (pg. 134)

A moral na sociedade

Partindo da diferença de idade e de classe social entre o casal, descrevendo personagens luxuosos, como Glória, revolucionários, como Malvina (que descobriu que outro mundo era possível através da leitura) e mostrando debates entre os personagens acerca da exploração na zona cacaueira e a chegada do progresso, Jorge Amado em Gabriela Cravo e Canela discute a moral na sociedade da época e põe em voga temas como adultério, preconceito, cultura popular, machismo, resistência a mudanças, politicagens, malandragens e especialmente a tradição da honra lavada com sangue.

O que me encantou bastante na escrita do autor é que a malemolência da Gabriela e suas particularidades são “costuradas” aos acontecimentos da cidade, não sendo o tempo inteiro o centro das atenções. Em cada página é possível conhecer um pouco melhor da história do nosso país e compreender que certos preconceitos e debates são atemporais, infelizmente.

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