Escrever um livro de memórias não deve ser simples. Vasculhar o passado pode ser algo muito doloroso. Algumas coisas ficarão de fora; outras, serão vistas com novos ângulos e poderão ascender lugares obscuros do ser humano e cada leitor irá interpretar à sua maneira. Assim, ler o livro O Castelo de Vidro, da jornalista e escritora americana Jeannette Walls, é um exercício de empatia com uma mulher que teve sua infância e adolescência totalmente negligenciada pelos próprios pais.

    O castelo de vidro

    Na história, além da relação perturbada dos pais de Jeannette, vamos conhecer um pouco também a vida de seus irmãos e as tantas coisas que eles passaram juntos por conta do estilo de vida que os pais decidiram tomar. Aliás, decisão talvez não seja a palavra, pois as atitudes deles representam aqueles que preferem não tomar nenhuma decisão ou responsabilidade na vida.

    Acredito que o mais grave nesta história seja o relacionamento abusivo que o pai exerce sobre toda a família. Ele – violento, alcoólatra, fugitivo da polícia e sem desejo de ter um trabalho fixo por muito tempo, transforma a vida de sua família em um tipo de jogo, como se eles estivessem vivendo uma grande aventura. E a mãe, imersa em seu mundo particular e delirante, também não consegue se manter em um emprego, tampouco cuidar dos filhos e de si mesma. Ela trabalhou como professora em alguns momentos, mas eram os filhos que, em casa, corrigiam as atividades dos alunos.

    Capitalismo

    É curioso como os valores em relação ao capitalismo estão presentes no livro. Os pais, que queriam dar aos filhos uma vida diferente para não vê-los inseridos nesse padrão social e cultural – ir à escola, trabalhar, comprar casa, carro etc…, de repente se contradizem em suas atitudes. O pai, principalmente, que tentou inventar uma máquina capaz de refinar ouro e queria construir um castelo de vidro. A mãe, que era artista plástica, mas em certo momento demonstrou precisar de muito dinheiro para manter as terras de sua família.

    As crianças Walls cresceram sozinhas, amadurecem rápido demais e perceberam a tempo que era necessário sair do meio tão tóxico que viviam. Porém, muitas marcas ficaram e muitas atitudes tomadas no futuro, representam o jeito que cada uma encontrou de seguir em frente.

    O castelo de vidro
    Foto da família Walls em 1961. A mãe Rose Mary, o irmão Brian, a irmã Lori, o pai Rex e Jeannette. Fonte: CBS News

    A jornalista e escritora – hoje bastante famosa, por muito tempo escondeu de todas as pessoas o seu passado, porém, ao ver a mãe catando lixo na rua, iniciou o doloroso processo de revisitar o seu passado. O livro O Castelo de Vidro pode ser visto como uma tentativa de encarar todo o seu sofrimento na infância, porém, não são todos os leitores que conseguirão se envolver com a história, pois a escrita de Jeannette Walls está apenas focada nas ações das pessoas retratadas na história.

    Família e sociedade

    Em capítulos curtos e simples, vamos saber por onde eles andaram, o que faziam, onde viviam, o que falaram uns para os outros durante essa trajetória violenta. Por outro lado, os recursos narrativos utilizados por Jeannette Walls não contemplam seus pensamentos mais profundos ou tece hipóteses mais significativas sobre a convivência familiar e a vida em sociedade.

    Ao final do livro, alguns leitores poderão ficar admirados com a história e, principalmente, com a volta por cima da autora. Outros vão pensar no quanto ainda falta para que ela consiga explorar os fragmentos de seu passado com mais autenticidade. Há ainda aqueles que ficarão divididos entre gostar e não gostar do livro, mas, sabem o quanto é importante que mulheres escrevam sobre tudo, sobre qualquer coisa, do jeito que for possível. O olhar empático sempre é um bom caminho e Jeannette Walls escreveu do jeito que foi possível lidar com o seu passado e isso já é um ato admirável.

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