O papel de parede amarelo, um conto de Charlotte Perkins Gilman, quando publicado em 1892, já causou um certo desconforto por sua essência feminista, mas também foi visto apenas como uma história de terror. Hoje em dia, é reconhecido como um dos pioneiros no campo da Literatura Feminista Americana, pois aborda a violência psicológica e social contra a mulher que, infelizmente, ainda se faz presente.
O conto é sobre uma mulher que, por conselhos médicos de seu próprio marido, fica isolada em uma casa para cuidar de sua saúde. No entanto, a sua doença é o próprio encarceramento em que vive. Não somente pelo espaço físico em que se encontra, mas principalmente pelas mutilações psicológicas que sofre por ser mulher; por não ser ouvida; por ser silenciada constantemente em uma sociedade que condena qualquer fala não convencional como um ato de descontrole.
Assim, num mergulho doloroso em suas feridas, que também representam as dores de muitas mulheres, a personagem promove um encontro com o seu próprio grito.
O grito das mulheres, muitas vezes sufocado, é o desejo de matar o anjo do lar
O anjo do lar é o nome de um poema escrito por Coventry Patmore, um poeta inglês do século XIX, sobre o ideal de um casamento feliz, em que a mulher é colocada em um papel doméstico e que, ao seguir as suas ideias – engessadas e categóricas, traz a imagem da mulher perfeita, que torna o homem feliz.
Virginia Woolf (1882-1941), em seu artigo Profissões para Mulheres, fruto de um discurso realizado em 1931 para um grupo de mulheres trabalhadoras, comenta sobre o poema de Patmore e da necessidade de matar esse tal anjo do lar. Afinal, essa mulher perfeita para os homens, nada mais é que uma mulher silenciada e preparada para agradar a todos, esquecendo de si mesma. E neste sentido, O papel de parede amarelo pode ser um exemplo do que acontece quando as mulheres precisam matar esse anjo do lar para ter (ou sentir) uma conexão mais profunda com o seu eu verdadeiro.
Mas o que é o papel de parede amarelo?
Isolada na casa cheia de quartos, o marido decide que o melhor quarto é aquele com mais janelas, para ela respirar melhor. Assim, a personagem-narradora, mesmo não gostando do quarto, mergulha naquele universo solitário e fica obcecada pelo papel de parede amarelo: sujo, velho, mofado, rasgado. Nele, ela tenta todos os dias – e a cada dia mais – decifrar os padrões do desenho do papel. Em seu caminho psicológico, ela vê o papel se movimentar; ela vê o papel ganhar vida, mas também o reconhece como uma camada que prende a vida que mora lá dentro. E essa vida é a vida de muitas mulheres.
À medida que seu mergulho aumenta, o leitor também irá se conectar com essas relações da mulher e o papel de parede amarelo. De repente, a personagem fará tentativas para matar esse anjo do lar que a tornou tão aprisionada.
Conto de terror para alguns, conto de libertação para outros, por fim, a história curta e com tantos significados, é um registro da dor, do sofrimento, mas também do poder da mulher em emergir das cinza. E do quanto, tudo isso, assusta os homens, de maneira subjetiva, mas literalmente também.