Ler Virginia Woolf é uma forma de mergulhar em lugares obscuros e ao mesmo tempo nomear essas obscuridades através do cotidiano de pessoas comuns. No conto O Vestido Novo, a personagem Mabel, em uma festa na casa de Mrs. Dalloway, incomodada com a sua roupa, mostra o quanto a ansiedade e a depressão podem modificar a percepção que temos de nós mesmos.
Ao chegar na festa, tudo é motivo para que Mabel se coloque em uma posição de inferioridade e preocupação. O ato de ser ajudada a se olhar no espelho e ajeitar a roupa já configura para ela um estado de inquietação. A roupa é um vestido novo que ela reformou somente para ir à festa. No entanto, sua insegurança inicial revela-se apenas como a ponta de um iceberg chamado ansiedade e depressão.
A própria autora, Virginia Woolf, sofria de depressão e deixou registrado em seu diário uma preocupação tóxica em relação à sua aparência. Ela se achava alta demais, um pouco desengonçada e acredita que seus vestidos não lhe caiam bem. Portanto, podemos entender o conto como algo realmente vivenciado pela própria escritora, que ficcionou a sua insegurança na personagem de Mabel.
Será mesmo ansiedade e depressão?
“… e dali ela saiu pela sala como se lanças estivessem sendo atiradas, de todos os lados, em seu vestido amarelo.” (p. 244)
É claro que quando estamos lidando com o texto literário, afirmações sobre aspectos psicológicos não possuem como objetivo definir características dessas doenças. No entanto, a percepção do leitor é essencial para compreensão do conto e, neste sentido, me coloco em um campo íntimo, de quem já sentiu, pelo menos em algum momento, uma ponta dessas doenças ainda tão estigmatizadas em nossa sociedade.
E, sendo Mabel uma personagem do sexo feminino, é fácil cair no campo da futilidade, como se suas preocupações não merecessem uma atenção digna. A personagem se assemelha, neste aspecto, a personagem do livro A Redoma de Vidro, que também possui características da própria autora Sylvia Plath.
Assim, lidar com essas questões do universo das mulheres é muito mais complexo do que se imagina. Afinal, existe toda uma ordem social que indica o que é ser mulher, como se comportar, o que falar, como falar, de que forma vestir-se etc.
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O fluxo de consciência: “somos moscas na beirada do pires”
Impossível ler um conto de Virginia Woolf sem mencionar o fluxo de consciência, pois é a partir dele que conseguimos mergulhar na mente da personagem Mabel e, assim, receber essa percepção sobre os aspectos psicológicos do conto.
Virginia Woolf, com seu estilo único, nos envolve mais uma vez em uma festa na casa de uma de suas maiores personagens, a Mrs. Dalloway. E lá, o movimento das pessoas e as formalidades de uma festa contribuem para a carga emocional de Mabel.
Entre suas ideias, mergulhadas na tristeza e ansiedade em torno de sua situação naquele vestido que não a deixa confortável, ela pensa que todos são como “moscas tentando se arrastar pela beirada do pires“. E, na medida que seus pensamentos depressivos crescem, ela chega a pensar que “sendo ela mosca, os outros eram borboletas, libélulas, belos insetos adejando, deslizando, dançando, enquanto apenas ela se arrastava para fora do pires.”
Como ganchos precisos e pontuais, a mente de Mabel vai sendo desenhada e detalhada para que o leitor compreenda toda a complexidade de seu momento. É apenas um conto, no entanto, o fluxo de pensamento nos leva para esse campo tão profundo e que precisa ser encarado.
Se depressão ou ansiedade. Se um pouquinho dos dois. O fato é que O Vestido Novo explora com inteligência e elegância as diversas camadas da mente humana e, sabemos que, de alguma forma, está todo mundo mal, como as moscas na beira do pires.
“… sim, esse era um momento divino, e ela ali se achava então, sentia, nas mãos da Deusa que era o mundo.” (p. 248)
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