Triste fim de Policarpo Quaresma é o romance que Lima Barreto pagou do próprio bolso, em 1915, para ser publicado em livro. Antes disso, a história circulou pelo “Jornal do Commercio”, em 1911.
“Conheces Lima Barreto? (…). Facílimo na língua, engenhoso, fino, dá impressão de escrever sem torturamento – ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda-d’água.”
Monteiro Lobato, em carta de 1 de outubro de 1916 ao escritor Godofredo Rangel
Na obra, iremos acompanhar a vida de Policarpo Quaresma, um ser ingênuo, apaixonado pelo seu país e que não vê os males tão enraizados da sociedade. Narrado em terceira pessoa e divido em três partes, o livro contém muita crítica social, ironia e também as dores do próprio autor.
Quem é Policarpo Quaresma?
No início, o leitor irá encontrar um cenário comum aos livros escritos no Brasil do início do século XX: a rotina de um homem e a sociedade em que vive. Os outros homens e suas idas e vindas em uma sociedade em que eles mesmo dominam. Policarpo, cheio de desejos de mudar o mundo e de valorizar o que considera ser um verdadeiro espírito de ser brasileiro, vai movendo o seu mundo dentro de uma ingenuidade que mistura também uma certa prepotência e arrogância.
No entanto, essa construção da personagem, a forma como Policarpo se move dentro da narrativa nos deixa num estado de compreensão sobre essa figura tão peculiar. Porque, suas palavras e seu modo patriótico, são validados o tempo todo. De repente, por mais egocêntricas que pareçam ser as atitudes de Quaresma, acreditamos nele e queremos que ele realize suas façanhas.
Lima Barreto e sua ironia
Em Lima Barreto a ironia está presente em diferentes formas e, de repente, quando acontece essa compreensão em relação às motivações de Policarpo Quaresma, ele nos entrega o tema da loucura. Um tema que, infelizmente, o autor conheceu muito bem devido aos seus problemas com alcoolismo e depressão.
“Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após.”
p. 57
E assim como o autor, Policarpo vai parar em um hospício e tudo que o leitor constrói em relação ao personagem se desfaz em nada e, claro, dentro do universo da ironia genial do autor, vem a pergunta: estamos todos enlouquecendo como Quaresma?
“O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote.”
(Lima Barreto, “Não queria, mas…”. crônica publicada na revista “Careta” em 3 de junho de 1922.)
Os fracassos de Quaresma e a política
Como uma característica das obras pré-modernistas, Policarpo Quaresma é um personagem construído em fracassos. Ele não é o herói que conquista grandes coisas. Ele não é o príncipe que vai ao encontro da princesa. Ele é um homem que tenta, a princípio, uma vida na cidade e por querer mudanças, fracassa. Depois, ele se torna um homem do campo, tenta se conectar com a natureza e com os afazeres do arado, mas também fracassa. E sua última tentativa é o retorno para a cidade, é o se ajustar à sociedade que tanto o condenou; ora por querer mudanças; ora por quere viver no campo. Assim, além do fracasso, vem a dor dilacerante da desilusão.
E esse vazio cresce conforme Policarpo se envolve com a política da época, a tirania de Floriano Peixoto (ditador* do Brasil entre 1891 – 1894) e os acontecimento da guerra. Lima Barreto faz uma exposição precisa e contundente sobre o período histórico do Brasil e coloca os personagens em situações reais, de modo a nos mostrar que, além da vida – suas loucuras e mazelas, ainda há a política que transforma tudo.
A sua concepção de governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia; era a de uma tirania doméstica. O bebê portou-se mal, castiga-se. Levada a coisa ao grande o portar-se mal era fazer-lhe oposição, ter opiniões contrárias às suas e o castigo não eram mais palmadas, sim, porém, prisão e morte. Não há dinheiro no Tesouro; ponham-se as notas recolhidas em circulação, assim como se faz em casa quando chegam visitas e a sopa é pouca: põe-se mais água.
Demais, a sua educação militar e a sua fraca cultura deram mais realce a essa concepção infantil, raiando-a de violência, não tanto por ele em si, pela sua perversidade natural, pelo seu desprezo pela vida humana, mas pela fraqueza com que acobertou e não reprimiu a ferocidade dos seus auxiliares e asseclas.
p. 115
*Floriano Peixoto é chamado de “presidente”, mas uso a palavra ditador, assim como Lima Barreto em sua obra.
À margem da sociedade
Triste Fim de Policarpo Quaresma é também uma história sobre colocar luz em personagens que estão à margem da sociedade. Assim como o próprio Lima Barreto esteve durante toda a sua vida. Mesmo sendo apadrinhado por um homem que pode contribuir para os seus estudos, ele não fez parte do meio literário vigente, tampouco alcançou reconhecimento e sucesso durante sua vida.
Dessa forma, seremos apresentados a algumas mulheres que compõe um sentido muito importante para a obra, como Adelaide, irmã de Quaresma; e Olga, afilhada dele. Outra figura importante para o enredo da obra é Ricardo Coração dos Outros, um artista do subúrbio e amigo de Policarpo que o ajuda em diversos momentos da vida.
Quem vê Policarpo como ele realmente é são essas pessoas que não compõe a elite política e intelectual da obra. Os outros homens, veem Policarpo como uma figura risível, mas que, de certa forma, cumpre o seu papel perante o universo de aparências e masculinidades. E isso fica mais evidente quando ele é convocado para a guerra, quando ele é convidado a fazer parte dos líderes que irão defender a pátria.
Nesse contexto, após o período no hospício e suas tentativas fracassadas de cuidar de um sítio, Quaresma parte para mais uma ilusão entrelaçada nas oportunidades em conviver com a alta sociedade carioca.
O triste fim de Policarpo Quaresma
É triste o fim de Policarpo Quaresma porque ele é apenas mais um levando as rasteiras da vida. Mais um que tentou e não conseguiu; mais um que teve uma faísca de lucidez e mesmo assim nada aconteceu. Mais um que teve coragem de falar com o presidente (como na música da Legião Urbana) e nada aconteceu. Quaresma é um pouco de todo mundo que vê os problemas da sociedade – da violência, do poder, da miséria e não consegue fazer nada enquanto a burguesia continua fazendo sua dança mórbida.
E nas figuras das mulheres e de Ricardo Coração dos Outros temos outras vozes quase apagadas mas que ainda tentam fazer alguma coisa, independente do preço que se paga. Nas ações de Olga, uma mulher tão silenciada, vemos uma faísca feminista, de indignação. E Ricardo Coração dos outros, a certeza de que música e amizade verdadeira sempre são boas companhias quando a vida se mostra tão dura.
Se olharmos a história de Lima Barreto com um binóculo de pouco alcance, vemos a tragédia, vemos a invisibilidade social. Mas se olharmos a obra com uma lente mais ampla e adicionarmos a passagem do tempo, fica nítido o quanto os Ricardos, as Olgas e os próprios Policarpos, hoje em dia, mesmo trágicos, conseguem fazer mais pelo mundo.
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