Sarah Munck, autora, professora e pesquisadora mineira compila poesias que exploram as trajetórias das mulheres, no enfrentamento ao patriarcado e ao mascaramento social neurodivergente

    “Sarah estreia na poesia com este Diagnóstico do espelho, poética  do diagnóstico, do tempo descongelado da poesia que esteve  sempre aí, do reconhecimento do poemar na memória e com a memória da poeta mulher que ela é.”

    Orelha do livro escrita pela Dra Silvina Carrizo, 
    da Faculdade de Letras da UFJF

    Fases, ciclos, mudanças, cobranças estéticas e comportamentais, além de batalhas com violência de gênero. O viver feminino, principalmente quando entrelaçado pela neurodigergência, é permeado pela intensidade desde os primeiros anos de vida até o envelhecer. E foi no fazer poético que a escritora, pesquisadora e professora do Instituto Federal do Sudeste de Minas, Sarah Munck (@sarahmunckv), natural de Juiz de Fora (MG), encontrou uma forma de traduzir essas vivências compartilhadas por diversas mulheres na sua nova obra “O Diagnóstico do Espelho” (119 pág., Editora Mondru). A orelha da obra é assinada pela doutora Silvina Carrizo, da faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora e o posfácio é de autoria da psicóloga Mariana dos Santos Cordeiro Esposito.

    Sarah Munck

    A importância do olhar poético e social para a mulher neurodivergente 

    “O agravamento da pandemia e as restrições sociais me levaram a olhar, com maior profundidade, para meu interior e, de forma interessante, a enxergar as minhas semelhantes, isto é, todas as mulheres, neurodivergentes ou não, e suas trajetórias repletas de violência, mas também bravura”, aponta a autora, cujo estilo de escrita dialoga com o modernismo e o surrealismo. Em seus poemas, confluem metáforas e “concretudes” que conversam também com reflexões de uma vivência como criança e pessoa adulta autista. Na obra, Sarah dedica poemas para crianças “anestesistas/neurotípicas/atípicas” e seu eu poético também se apresenta como “neurodiversa”.  Ademais, a poeta trabalha questões socioculturais como a violência de gênero e o patriarcado e elementos  da escrita intimista, tais como a memória e a introspecção. “Creio ser imprescindível re/considerar a neurodivergência nas discussões sobre feminismo, igualdade de direitos, educação e justiça social. Assim, aliei a temática ao universo infinito e plurissignificativo da poesia, lugar onde todas as pessoas podem e devem encontrar a própria voz.”

    No posfácio, a psicóloga Mariana Esposito, frisa a importância de se falar sobre o tema. “Meninas consideradas inadequadas, desajeitadas e diferentes cresceram, tornaram-se mulheres que ao se levantar precisam mascarar seu jeito através de mecanismos compensatórios para serem aceitas em uma sociedade que não está preparada para recebê-las e ninguém neurodivergente”, escreve.

    “Ao chegarem à fase adulta, carregam em suas bagagens ansiedade, depressão e principalmente incompreensão. Muitas relatam que eram motivo de chacotas em seus grupos sociais, vivenciaram relacionamentos abusivos, dificuldade em manter-se em empregos e assim por diante”, aponta a profissional, frisando a importância de se procurar ajuda profissional ao perceber sintomas como prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social; padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades; dificuldade para iniciar interações sociais; inflexibilidade do comportamento; dificuldade de lidar com mudança; grande sofrimento com a quebra de rotina.

    “Escrever é essa confluência de sons e ecos e, sobretudo, vazios”

    Entre os principais escritores que influenciaram a escrita de “O Diagnóstico do Espelho”, estão Gabriela Mistral, Isabel Meyrelles, Hilda Hilst, Orides Fontela e Eduardo Galeano. Sarah também cita como referências para seu fazer literário Victoria Ocampo, Josefina Plá, Alejandra Pizarnik, Tamara Kamenszain, Margo Glantz, Nina Simone, Lygia Fagundes Telles, Juan Rulfo, Mário Cesariny, Murilo Mendes, Ferreira Gullar,  Roberto Piva, Pablo Neruda e Júlio Cortázar.

    A autora começou a “poemar”, ou seja, escrever poesia nos primeiros anos de escola. A escrita é sua companheira desde lá, seja como poeta ou como professora e pesquisadora. Suas diferentes faces se complementam na criação literária: para se preparar para desenvolver uma nova obra, a autora lê muito, pesquisa continuamente e busca inspiração sinestésica. O conhecimento prévio, os eixos sócio discursivo, linguístico, literário e filosófico, a memória e a construção do público-leitor configuram seu projeto literário.

     “Quem escreve poesia deve ler e estudar o gênero todos os dias. E não apenas os textos poéticos: é preciso se debruçar sobre manifestações orais e escritas de diferentes gêneros, literários ou não”, frisa. “O ritual da escrita envolve, também, a leitura do mundo e do universo que me cerca”, detalha a autora, que procura escrever diariamente, em qualquer lugar ou horário. Pode ser numa folha em branco de caderno ou no bloco de notas do celular. “Dessa maneira, um artigo acadêmico pode se transformar em um verso; um texto filosófico em outro verso; um livro degustado em sinestesia; a buzina do ônibus em elipse; a saudade na faringe do pássaro, na próxima estrofe.”

    “Gosto de brincar com as palavras e retirá-las de seu uso comum para testar que a língua é, sem dúvida, um organismo vivo e misterioso”, frisa, apontando também que questões existenciais e filosóficas e elementos intimistas dão sangue ao seu corpus poético. “Mas também busco olhar para o exterior, quero dizer, para aquilo que está além de mim ou, simplesmente, me entrecorta, constrói e intercepta. Sendo assim, vetores sócio-políticos são, de forma igual,  de meu real interesse.”

    Para a autora, escrever é essa confluência de sons e ecos e, sobretudo, vazios. “Escrever é olhar nos olhos dos que se foram e permanecem nas palavras. E escrever é, de igual modo, sentar-se à mesa de meus contemporâneos”, finaliza.

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