O que fica no presente são fragmentos do que consideramos mais importante, de acordo com a nossa própria interpretação sobre o que passou. Assim é o romance “O inventário das coisas ausentes” (Companhia das Letras), escrito por Carola Saavedra.

    Olho em volta. As estantes cobrem toda uma parede. Os livros de Luzia. Olho para aquele livros como se olhasse para uma pessoa, como se a investigasse, como uma criança diante da biblioteca do pai ou do avô, diante da possibilidade. Passo os dedos pelas lombadas, escolho um autor húngaro. Abro ao acaso, vejo que há um trecho sublinhado. Leio. Instintivamente, fecho o livro. O que fazer com as frases sublinhadas por outra pessoa, essa invasão, essa repentina intimidade. Devolvo-o à estante. (p. 63)

    Há diversas histórias fragmentadas na literatura. Não citarei autores, mas acredito que todo mundo já se deparou com uma história assim, meio sem sentido, meio confusa, meio estranha, mas também tão bonita. Porque assim é a vida, por mais que a nossa memória esteja saudável, é difícil reunir todas as informações sobre o passado. O que fica no presente são fragmentos do que consideramos mais importante, de acordo com a nossa própria interpretação sobre o que passou. Assim é o romance “O inventário das coisas ausentes” (Companhia das Letras), escrito por Carola Saavedra, que nasceu no Chile em 1973, mudou-se para o Brasil aos 3 anos de idade. Depois morou na Alemanha, Espanha e França. Hoje vive no Rio de Janeiro e além de escritora é também tradutora.

    Eu quis ler esse livro porque gostei do título, como é que inventariamos algo que está ausente? Segundo a regra contábil, fazer um inventário é montar uma lista de tudo que há de valor numa casa, num quarto, num galpão, numa família, numa empresa, enfim. “Quando alguém morre é preciso fazer um inventário”, uma frase comum.

    Mas se o inventário é feito de coisas ausentes, ele não existe. Se ele não existe, sobre o que fala o livro da Carola Saavedra? Ele fala sobre o que pode não estar presente na vida, desde sentimentos a alguém que amamos. Pode ser também uma palavra não dita, um gesto não feito, uma atitude não tomada, o que fica ausente quando outra pessoa não corresponde ao que desejamos, quando a nossa ilusão termina e é preciso encarar a verdade. O livro poderia se chamar também “o inventário após o fim da ilusão”. Mas ele se chama “o inventário das coisas ausentes”, que é um título muito melhor que a minha ideia, pode dizer.

    O narrador da história é um personagem do livro consciente de sua condição de personagem-narrador que permite um caminho livre para construir a história alterando os pontos de vista e também servindo como um pensador sobre a estrutura de sua própria narrativa, do romance, da literatura e tal. E nesse formato é que Saavedra constrói grandes frases em pequenos fragmentos que ora representam o narrador, ora o personagem-narrador, e também outros personagens, como Nina, a namorada dele, a família de Nina e o pai do narrador.

    A narrativa de Carola é muito bonita. O vocabulário utilizado é simples sem ser banal ou clichê. Ela consegue formar belas sentenças apenas com o uso da vírgula, em frases grandes, como já comentei, e sem deixar o leitor confuso. E quando penso em literatura contemporânea, na importância do texto escrito hoje representar a vida de hoje (tão fragmentada), a linguagem de Carola Saavedra é um excelente exemplo do que nossa literatura precisa: originalidade.

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