O Encantador: Nabokov e a felicidade (Lila Azam Zanganeh)

Lila teve seu primeiro contato com Vladimir Nabokov (VN, como é referido no livro) ainda criança, quando sua mãe lia algum livro do autor (acredito que tenha sido Fala, memória, não me lembro) e recebeu um “Ainda não é pra sua idade” mediante sua curiosidade a respeito do livro. Após a mãe abandonar o cômodo, Lila também não pode destrinchar a história contida no volume, pois a edição era inglesa e Lila (filha de pais iranianos) nasceu em Paris. Mas sua curiosidade não arrefeceu por isso, tanto é que, anos depois, temos um livro de sua autoria sobre a obra e vida de Nabokov.

O Encantador: Nabokov e a felicidade (Lila Azam Zanganeh)

O Encantador não é um livro comum. Os capítulos (14) são avulsos entre si mesmos, de modo que a escritora nos convida a um itinerário alternativo no começo do livro (uma espécie de O Jogo da Amarelinha). O primeiro capítulo trata da morte de Nabokov, e após este, creio que seguem em ordem cronológica desde a infância. Há também inúmeras fotos sobre ocasiões que estejam sendo comentadas, como por exemplo, Nabokov caçando borboletas.

Um assunto que permeia todo o livro e pelo que percebi através da leitura acontece também nas biografias a respeito de Nabokov, e até mesmo em Fala, Memória (sua autobiografia com edição recente da Alfaguara) é a divisão geográfica de sua vida, já que ele nasceu na Rússia e passou seus primeiros anos lá, depois Europa, América do Norte, e novamente Europa. O capítulo da entrevista (que não foi feita pela autora do livro, já que VN morreu quatro meses antes de seu nascimento) indaga constantemente sobre a percepção do escritor concernente aos vários lugares que morou. A ressalva do livro no geral é que em algumas partes os floreios da escrita da autora soam forçados e excedem na medida em relação à informação útil.

Outro aspecto a ser levado em conta, e talvez o mais importante é a luz que Lila traz sobre a obra de Nabokov, uma espécie de interpretação que compartilhei ao ler Lolita, que também me serviu de impulso para a busca de outros livros do autor. O título do livro, Encantador, é como Lila vê o modo como Vladmir encara o mundo e o descreve para seus leitores, muito embora suas obras carreguem temas conflituosos, como amores proibidos.

Nabokov consegue transformar qualquer situação em seus livros, por mais pungente que seja, numa chama ardente que anseia mais e mais pela vida. Sintetizo todo o tom do livro em uma frase de Vladmir Nabokov que se encontra abaixo de uma das fotos do livro: “Eu, Vladimir Nabokov, te saúdo, vida!”

“O berço/ balança por cima/ de um abismo/ e o/ senso comum/ nos ensina que/ nossa/ existência não/ passa de uma/ breve fresta/ de luz entre/ duas eternidades de trevas…” página 47

“A memória detém o tempo nas mãos em concha. O presente é levado adiante. (Mas ‘não podemos jamais desfrutar o verdadeiro Presente, que é um instante de duração nula’!) O Presente é a memória sendo feita. (O que mais é presente?) O amor. Apenas o amor. A ‘floração do Presente’, ‘a quietude da pura memória’. Uma cápsula de consciência.” Página 124

“Aos quinze anos, Vladimir sentiu-se movido a compor seu primeiro poema, quando, nos bosques encantadores de Vyra, notou uma gota de chuva deslizando pelas nervuras de uma folha em forma de coração. ‘Toque, folha, pingo, alívio – o instante em que tudo se deu me pareceu menos uma fração de tempo que uma fissura nele, o coração perdendo uma batida.” A poesia tão sentida que se seguiu era uma elaboração extremamente infeliz. E, tão logo o jovem Sirin [editor] publicasse sua primeira coleção, o pequeno livro cairia nas mãos de seu furioso professor, um certo Vladimir Hippius, poeta ruivo que, diante de uma turma de alunos rugindo, se deleitava ‘destilando seu sarcasmo ferino’ às estrofes purpúreas. A prima de seu professor, Zinaïda Hippius, ela própria uma poeta de renome, mais tarde pediria casualmente ao pai de Vladimir que por favor dissesse a ele que ‘nunca, jamais seria um escritor’.” Pág. 131

“Quando a primeira versão de Fala, memória, intitulada Evidência conclusiva, foi publicada, em 1951, o crítico Morris Bishop escreveu a seu amigo Vladimir Nabokov: ‘Algumas frases suas são tão boas que me deixam com uma ereção – e na minha idade, você sabe, isso não é fácil.’” Pág. 141

Lila Azam Zanganeh nasceu em Paris, filha de pais iranianos. Estudou literatura e filosofia na École Normale Supérieure e, após se mudar para os Estados Unidos, deu aulas de literatura e cinema na Universidade Harvard. Vive atualmente em Nova York.

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