Os personagens de Vidas Secas não conseguem falar sem a ajuda do narrador. E essa é a seca que mais atrofia a vida dessa família alegórica, que representa não apenas a do Sertão…

Quando cursei a sétima série, éramos obrigados a ler um livro a cada duas semanas. O livro nós pegávamos na própria biblioteca da escola, numa visita com todos os colegas de turma mais a professora de português. A bibliotecária da época sempre me indicava excelentes livros. O melhor palpite de livro que ela pressupôs que eu fosse gostar, como fui eleger anos depois, foi Angústia, de Graciliano Ramos. Foi a leitura mais desafiadora e traumatizante da minha adolescência. Fiquei extasiado com os personagens, os enlaces que o enredo lhes proporcionava e principalmente o tom agonizante do livro. Esse foi meu primeiro contato com Graciliano. Passado um tempo, já no ensino médio, tivemos de ler os autores do Modernismo, e lá estava, entre as opções, o nome Graciliano Ramos. Lembrando-me do passado, naquela ocasião, pensei que já havia tido muito Graciliano para apenas uma vida, de modo que posterguei a leitura de Vidas Secas.

Vidas Secas

Foi só no pré-vestibular que, novamente, a oportunidade de ler Vidas Secas voltou a bater na minha porta. Dessa vez eu poderia colocar a culpa na obrigatoriedade da leitura: qualquer dano emocional não seria embutido de intenção, era algo necessário. E aconteceu de novo.

“Vidas secas” conta a história de uma família que vive em função da pobreza, colhendo toda sorte de frutos que essa deixa cair, já murcho e até talvez meio podre, no chão. A história não possui um enredo relevante e unificador, uma espinha que sustenta o livro (metaforicamente falando); o que acontece é o autor explorar situações sociais através de pequenos capítulos usando algum membro da família. O primeiro capítulo se dá com a fuga da família à seca, procurando alguma fazenda na qual possam trabalhar; já o último (por favor, não se assustem, isso não é spoiler) é, novamente, a família fugindo da seca, após passarem o livro trabalhando em uma fazenda. O que nos faz entender que o livro é uma parte do finito ciclo daquela família, além do que, os capítulos situados entre o início e o fim, podem ser lidos na ordem que interessar ao leitor, sem maiores problemas.

A família é composta pelo pai, Fabiano, a mãe, Sinhá Vitória, o Menino Mais Velho, o Menino Mais Novo, a cachorra Baleia, e um papagaio que nos abandona logo no início da narração. Com exceção do primeiro e último capítulo, os outros são uma espécie de Game of Thrones, ou o contrário se preferirem, em que o narrador em terceira pessoa se foca em determinado personagem. A diferença é que os personagens de Graciliano Ramos não conseguem falar sem a ajuda do narrador. E essa é a seca que mais atrofia a vida dessa família alegórica, que representa não apenas a do Sertão, mas toda aquela que não consegue se comunicar com o meio externo, de impor seu direito, de evitar ser enganada e sofrer abstinência de víveres.

A falta de comunicação impede que ao longo dos capítulos, cada personagem consiga entender plenamente o contexto de sua situação, e por meio do diálogo encontrar um meio de burlar o ciclo vicioso que as intempéries da vida impõem aos oprimidos.

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