Virginia Woolf, além da ficção, deixou para o mundo muitos artigos, resenhas e ensaios. Um dos escritores que Virginia Woolf usou para refletir sobre literatira é Jane Austen, escritora que até hoje causa fascínio e admiração por suas histórias sobre a sociedade inglesa do século XVIII.
“Com suas ferramentas toscas e materiais primitivos”
No ensaio intitulado “Ficção Moderna”, publicado pela primeira vez em 10 de abril de 1919, Virginia Woolf comenta sobre Jane Austen, usando-a como exemplo de escritora que, em sua própria época, foi capaz de atingir os picos da perfeição. Mas hoje (que pode ser hoje mesmo ou o século XX) não podemos nos contentar com a ficção igual a de Jane Austen, pois é preciso ir além, naturalmente, porque é necessário que a arte saia de seu lugar de conforto.
“Ao se fazer qualquer exame da ficção moderna, mesmo o mais descuidado e livre, é difícil não ter por certo que a prática moderna da arte é de algum modo um progresso em relação à antiga. Pode-se dizer que, com suas toscas ferramentas e materiais primitivos, Fielding se saiu bem e Jane Austen ainda melhor, mas compare as oportunidades deles com as nossas!” (p. 103)
“Jane Austen foi tão exímia”
Em outro ensaio, publicado em 1923 com o título de “Como impressionar o leitor contemporâneo”, Virginia Woolf evoca a dificuldade dos críticos em se posicionar perante uma obra da atualidade, uma vez que sendo importante “demonstrarem sensibilidade apurada e possuírem um entusiasmo legítimo”, um mesmo livro pode ser bom para um e ruim para outro, diferente de quando a análise permeia um clássico, como “Orgulho e preconceito”, como sendo escrito “na era dos gênios”. Porém ela também ressalta a importância de saber OLHAR os livros contemporâneos, pois “o choque da comparação entre passado e presente, sinceramente, é a princípio desconcertante.” (p. 127):
“Há no presente alguma coisa que não queremos tocar, ainda que viver em qualquer das eras passadas se oferecesse à nossa escolha. E a literatura moderna, com todas as suas imperfeições, tem esse mesmo poder de retenção sobre nós e exerce o mesmo fascínio.” (p. 125)
Virginia Woolf sobre Jane Austen: uma escritora moderna e sua voz em relação ao romance clássico
Percebe-se neste artigo que Virginia quer destacar a importância dos contemporâneos e assim ela faz uma crítica sobre os romances de Jane Austen:
“Em grandes livros, sem dúvida, há monotonia. Em página após página de Wordsworth e Scott e Jane Austen há uma tranquilidade impassível que é sedativa e beira a sonolência. Ocorre oportunidades que eles deixam passar. Sutilezas e sombras se acumulam e as ignoram. Parece que deliberadamente eles se negam a gratificar os sentidos que os modernos estimulam com tanta intensidade; os sentidos da visão; da audição; do tato – e, acima de tudo, o sentido do ser humano, a diversidade de suas percepções, sua profundeza, sua complexidade, sua confusão, sua personalidade, em suma.” (p. 127)
Perfeição e contexto
Em um outro momento do mesmo artigo, Woolf parte para um elogio, a explicar que certos escritores foram perfeitos dentro do contexto em que estavam inseridos.
“(…) você não só fará que pessoas de cem anos depois sintam o mesmo, mas também fará que o sintam como literatura. Pois esse tipo de certeza é a condição que possibilita escrever. Acreditar que suas impressões são válidas para outros é ser liberto do estorvo e confinamento da própria personalidade. É fica livre, como Scott foi livre, para explorar com um vigor que ainda nos mantem encantados um mudo inteiro de romantismo e aventuras. Esse também é o primeiro passo daquele misterioso processo em que Jane Austen foi tão exímia.” (p. 129)
“Mais sugestivo e profundo”
É no artigo chamado “Jane Austen”, escrito em 1923, que Virginia traça em poucas linhas um conteúdo cronológico muito interessante e rico sobre Jane Austen e mais uma vez aproveita para tecer elogios e também críticas construtivas sobre os romances.
Se Jane Austen estivesse no canto de uma sala, aos 15 anos escrevendo, como seria a cena?
Em primeiro lugar, para Virginia Woolf, a garota estaria já no auge da perfeição, quando a escrita consegue ser “para todo mundo, para ninguém, para a nossa época, para a dela. (…) E do canto da sala ela estaria também rindo do mundo. (p. 138)
Em segundo, a alma liberta de Jane Austen faria com que o seu talento entrasse em ação, “nossos sentidos disparam de imediato; somos possuídos pela peculiar intensidade que só ela sabe transmitir” (p. 142). E, na sequência, Virginia Woolf comenta que “Austen é uma atiçadora de fogo (…) está entre os satiristas mais consistentes de toda a literatura” (p. 143).
Virginia Woolf sobre Jane Austen: “um método claro e sereno como sempre”
Há um embate na vida de Austen, segundo Virginia Woolf, porque em sua fase adulta, quando escreveu o romance “Persuasão”, a autora pareceu meio entediada, pois familiarizou-se demais com os costumes de seu mundo e perdeu o frescor”. Entretanto, foi a morte que não permitiu Jane Austen se reinventar, pois ela conseguiria:
“Ela haveria de inventar um método, claro e sereno como sempre, porém mais sugestivo e profundo, para nos transmitir não só o que as pessoas dizem, mas também o que deixam de dizer; não só o que elas são, mas o que a vida é”. (p. 152)
Virginia Woolf, p. 152. O valor do riso e outros ensaios. COSAC NAIFY
Por fim, o olhar de Virginia Wolf sobre Jane Austen parece refletir também um olhar para a literatura, uma vez que as obras literárias, cada qual com o seu estilo, possuem um valor – bom para um, ruim para outro. E o mesmo se aplica aos escritores que, conforme a posição que nos colocamos para olhá-lo – onde cabe infinitos pontos de vista – há um gênio e um medíocre dentro de um mesmo livro. Talvez o erro esteja em ter apenas um ponto de vista. Um leitor sábio é aquele que consegue olhar diferente para.
Referência:
WOOLF, Virginia. O valor do riso e outros ensaios, CosacNaify, 2014. 512 p. Tradução de Leonardo Fróes.