Não dá. Eu tento fugir de Borges, mas quando menos espero, estou novamente presa a uma pequena parte de seu labirinto. Digo isso porque não conheço o seu labirinto por completo, conheço uma pequena ponta – sem saída. Há beleza nessa ponta, mas também uma certa angústia. Eu quero entender mais Borges, porém, é como se sua própria linguagem me deixasse em um estado de pausa. Enquanto eu não entender por completo essa pequena parte a qual tive acesso, será impossível retornar e tomar outro caminho do labirinto.

No conto O Imortal, há um pequeno trecho que me encanta toda vez que releio. É sobre a linguagem e a vejo como uma representação de nossas buscas em se comunicar e se fazer entender:

“Pensei num mundo sem memória, sem tempo; considerei a possibilidade de uma linguagem que ignorasse os substantivos, uma linguagem de verbos impessoais ou de epítetos indeclináveis. Assim foram morrendo os dias e com os dias os anos, mas alguma coisa parecida à felicidade ocorreu numa manhã. Choveu, com poderosa lentidão.” (p. 17)

Primeiro, há a questão do tempo, pois vejo a sua importância perante a nossa consciência da existência. Sem o tempo, não consigo compreender como existiríamos. Então, se há algo divino, pode ser o tempo e também tenho certeza que os cientistas podem ver essa questão com olhos muito mais complexos. Mas para hoje, o que consigo dizer é que o tempo pode ser o que realmente nos dá a vida.

E a vida é composta da linguagem. É ela que nos torna humanos, apesar de, muitas vezes, ser possível fazer do seu uso uma ferramenta de poder, controle e destruição e nesses itens não há nada de muito humano no sentido de respeito pela vida, mesmo também representando uma parte obscura de todos nós.

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E quando Borges sugere uma linguagem que ignore os verbos impessoais e sem substantivos, me pergunto como seria a nossa comunicação e nossa conexão com o outro. O haver não há. O fazer do tempo inexiste. E assim, como ficamos? Como existimos?

O mínimo espaço da não-linguagem é algo que talvez presenciamos diariamente, mas tão rápido que a percepção de sua não-existência só possa ocorrer quando o tempo passar. O tempo no sentido da vida, de passar os anos, de crescer, amadurecer e morrer. E aqui está o labirinto novamente. A não-linguagem passa a ser um pequeno fio que nos conecta a ser quem somos e, assim, nos dá essa sensação de vida, essa sensação de existência da própria linguagem. O tempo e a linguagem podem ser tão cruéis, mas também reconfortantes como uma bela cama que repousamos todos as noites.

E numa certa manhã, choveu. O verbo impessoal acontece por meio de forças que não controlamos. “Choveu, com poderosa lentidão”, é o que Borges escreve. A impessoalidade da chuva pode representar o que todos nós buscamos, uma síntese da linguagem. A lentidão de ser e de prevalecer como um lugar em que habitamos.

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