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Trechos do livro “O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão”

O livro O demônio do meio-dia, de Andrew Solomon é sobre depressão. E por acreditar na seriedade e urgência do tema, como não sou da área, quero apenas deixar registrado aqui alguns trechos que colaboram para a desmitificação dessa doença tão mais comum do que pensamos, infelizmente.

O demônio do meio-dia
Capa da edição lançada pela Companhia das Letras, disponível na Amazon.

“Lançado em 2000, O demônio do meio-dia continua sendo uma referência sobre a depressão, para leigos e especialistas. Com rara humanidade, sabedoria e erudição, o premiado autor Andrew Solomon convida o leitor a uma jornada sem precedentes pelos meandros de um dos temas mais espinhosos e complexos de nossos dias.

Entremeando o relato de sua própria batalha contra a doença com o depoimento de vítimas da depressão e a opinião de especialistas, Solomon desconstrói mitos, explora questões éticas e morais, descreve as medicações disponíveis, a eficácia de tratamentos alternativos e o impacto que a depressão tem nas várias populações demográficas (sejam crianças, homossexuais ou os habitantes da Groenlândia).

No epílogo inédito escrito exclusivamente para a reedição brasileira, conhecemos o que aconteceu com Solomon, com os entrevistados e com os tratamentos da depressão desde a publicação de O demônio do meio-dia. A inteligência, a curiosidade e a empatia do autor nos permitem conhecer não só as doenças mentais, mas a profundidade da experiência humana. Uma obra monumental.” (informações da sinopse)

1 – O que desencadeia a depressão

Geralmente são os eventos da vida que desencadeiam a depressão. ‘Um indivíduo está muito menos propenso a sofrer depressão numa situação estável do que numa instável’, diz Melvin McGuinness, da Universidade Johns Hopkins. George Brown, da Universidade de Londres, é o fundador das pesquisas sobre ‘eventos da vida’ e diz: ‘Acreditamos que a maioria das depressões é anti-social na sua origem; existe também uma doença depressão, mas a maioria das pessoas é capaz de criar uma depressão grave a partir de um determinado conjunto de circunstâncias. O nível de vulnerabilidade varia, é claro, mas acho que pelo menos dois terços da população têm um nível suficiente de vulnerabilidade.’ Segundo sua exaustiva pesquisa realizada durante mais de 25 anos, eventos que ameaçam gravemente a vida são responsáveis pelo desencadeamento inicial da depressão. Tais eventos envolvem tipicamente alguma perda – de uma pessoa querida, de uma função, de uma ideia sobre si mesmo – e se apresentam da pior forma quando envolvem humilhação ou uma sensação de estar preso numa armadilha. A depressão pode também ser causada por uma mudança positiva. O nascimento de um bebê, uma promoção ou um casamento podem desencadear uma depressão quase tão facilmente quanto uma morte ou perda. (p. 60)

2. O demônio do meio dia e o mundo através de uma névoa…

Na depressão, você não pensa que pôs um véu cinzento e está vendo o mundo através da névoa de um estado de espírito ruim. Você pensa que o véu foi retirado, o véu da felicidade, e que agora está realmente enxergando. Você tenta se agarrar à verdade e destrinchá-la, e acredita que a verdade é a única coisa fixa, mas ela é viva e corre de cá para lá. Você pode exorcizar os demônios dos esquizofrênicos que percebem que há algo estranho dentro deles. Mas é muito mais difícil com gente deprimida, porque nós acreditamos estar vendo a verdade. Mas a verdade mente. Olho para mim mesma e penso,’Sou divorciada!’, e isso parece terrível. Embora eu pudesse pensar ‘Sou divorciada!’ e me sentir ótima e livre. Apenas um comentário foi realmente útil durante este pesadelo. Uma amiga disse: ‘Não vai ser sempre assim. Veja se consegue lembrar disso. É assim neste momento, mas não vai ser sempre assim.’ A outra frase que disse e que também ajudou foi: ‘Isso é a depressão falando. Ela está falando através de você.” (p. 123)

3 – O demônio depois do meio-dia e a complexidade da vitalidade humana

As pessoas neste livro são na maioria fortes ou inteligentes ou resistentes ou se destacam de algum modo. Não acredito que haja uma pessoa média, ou que ao contar uma realidade prototípica se possa transmitir uma verdade abrangente. A busca pelo ser humano não-individual, genérico, é a praga dos livros populares de psicologia. Ao ver quantos tipos de resistência, força e imaginação podem ser encontrados, aprecia-se não apenas o horror da depressão, mas também a complexidade da vitalidade humana. Tive uma conversa com um idoso gravemente deprimido que me disse que ‘os deprimidos não têm histórias, não temos nada a dizer’. Todos temos histórias, e os verdadeiros sobreviventes tem histórias interessantes. Na vida real, o ânimo tem que existir em meio à confusão dos brindes, bombas atômicas e campos de trigo. (p. 376)

4 – O oposto da depressão não é a felicidade

O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade, e minha vida, enquanto escrevo isto, é vital, mesmo quando triste. Posse acordar de novo sem minha mente em algum dia do próximo ano: provavelmente ela não ficará por aí o tempo todo. Enquanto isso, porém, descobri o que tenho que chamar de alma, uma parte de mim que eu jamais teria imaginado até o dia, sete anos atrás, em que o inferno veio me visitar de surpresa. É uma descoberta preciosa. Quase todo dia sinto de relance a desesperança, e cada vez que acontece me pergunto se estarei me desestabilizando de novo. Por um instante petrificador aqui e ali, um rápido relâmpago, quero que um carro me atropele e tenho que cerrar os dentes para continuar na calçada até o sinal abrir; ou imagino como seria fácil cortar os pulsos; ou experimento famintamente o metal do cano de uma arma na boca; ou fantasio dormir e jamais acordar de novo. Detesto essas sensações, mas sei que elas me impeliram a olhar a vida de modo mais profundo, a descobrir e agarrar razões para viver. A cada dia, às vezes combativamente e às vezes contra a razão do momento, eu escolho ficar vivo. Isso não é uma rara alegria? (p. 389)

O livro “O demônio do meio-dia” está disponível na Amazon

Leia também: A redoma de vidro (Sylvia Plath): o horror silencioso do cotidiano

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