O verão tardio possui uma narrativa poderosa sobre um homem e suas tentativas de reatar os fios do passado. Uma jornada às bordas de um Brasil cindido, em que o diálogo não parece mais possível.
“O Verão Tardio” (Companhia das Letras, 240 p., 2019) é uma obra literária do escritor Luiz Ruffato que se destaca por sua habilidade em tecer críticas e abordar questões sociais de forma sutil em sua narrativa. O livro conduz o leitor por uma jornada pelas ruas de uma cidade industrial brasileira, Cataguases, que se encontra em constante transformação, moldada pelo inexorável passar do tempo. Ruffato consegue imergir o leitor nesse cenário, construindo uma atmosfera que transcende o tempo e a realidade.
Através de uma linguagem direta e por vezes melancólica e brutalmente honesta, o autor nos envolve em um casulo de emoções, onde o protagonista Oséias enfrenta a solidão, a angústia existencial e as ambivalências humanas. Não se trata apenas de mais uma história sobre um homem confrontando seu inevitável fim, mas sim de um retrato da vulnerabilidade humana, da nossa condição de fragilidade perante as mudanças estruturais inevitáveis e a passagem do tempo.
A temática do silêncio
A temática do silêncio, presente ao longo da narrativa como um constante elipse, revela-se de natureza ambivalente nas mãos de Ruffato. Por um lado, ele utiliza o silêncio para contrastar a complexidade barulhenta da vida adulta e moderna com um passado mais simples e nostálgico, frequentemente ressuscitado por Oséias em passagens que mesclam passado e presente. Por outro lado, o silêncio também marca o desconforto do presente, afastando os personagens uns dos outros.
Embora alguns personagens, especialmente as mulheres, possam parecer superficiais, devido ao esforço do autor em destacar as forças sociais em jogo, o personagem de João Lúcio emerge como uma figura complexa e cativante. A tradução de Sanches proporciona uma leitura fluída e envolvente, ressaltando a experimentação estilística do autor.
O cenário
O cenário da pequena cidade brasileira é habilmente caracterizado por Ruffato, tornando-o mais do que um simples cenário provincial para a trama. Ao eliminar as divisões tradicionais entre parágrafos e interromper o fluxo com pensamentos irrelevantes que distraem Oséias, o autor integra o leitor intimamente à história do protagonista, permitindo que o leitor se identifique ainda mais com suas emoções e seu destino inevitável.
No cerne de “O verão tardio”, Ruffato presenteia seus leitores com um romance tranquilo sobre a solidão, o desejo universal de ser visto e compreendido, e o custo lento do isolamento humano. Através dessa obra, o autor nos apresenta uma visão rara do Brasil multicultural, moderno e repleto de desigualdades, uma face pouco conhecida pelos leitores estrangeiros, e que, por vezes, opta pelo silêncio em vez de confrontar suas próprias falhas.
“O verão tardio” é uma obra sensível e envolvente que provoca reflexões profundas sobre a condição humana, a inevitabilidade do tempo e o valor das palavras não ditas. Ruffato brilha ao nos levar a uma viagem pela complexidade da vida e da mente humana, ao mesmo tempo em que retrata a transformação de uma cidade em um retrato vivo do Brasil moderno e multifacetado.
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