Darcy Ribeiro foi um renomado antropólogo, educador, escritor e político brasileiro que desempenhou um papel fundamental na promoção da cultura e da literatura brasileira. Nascido em 1922, sua contribuição literária é marcada por obras que exploram a diversidade cultural e étnica do Brasil, incluindo “O Povo Brasileiro” e “Maíra”.
Darcy Ribeiro é lembrado como uma figura emblemática que não apenas enriqueceu a literatura brasileira com suas obras, mas também trabalhou incansavelmente para promover a diversidade e a identidade cultural do Brasil. Sua escrita é um convite à reflexão sobre a riqueza da cultura, das raízes indígenas, africanas e europeias que se entrelaçaram na formação da nação brasileira. Em sua poesia, vamos mergulhar em um campo mais íntimo, que revela a alma e a essencia dos sentimentos que entrelaçam a vida como um todo. Confira abaixo 7 poesias de Darcy Ribeiro, retiradas do livro “Eros e Tanatos”:
1. Mim
O tempo transcorre em mim
Celeremente. Tão afoito que finda.
Acho que sei, afinal, a que vim.
E já me vou. Uma pena.
Não há tempo mais pra mim.
Volto à silente matéria cósmica
Que em mim, um dia, se organizou
Para me ser. Uma vez, uma vez somente.
2. Amor
Quero um amor alucinado, depravado, tarado.
Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.
Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.
Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,
Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.
Seus seios túmidos, me furando o peito.
Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.
Carne encravada na carne. Bocas coladas,
Babadas, meladas, sangrando sufocadas.
Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.
Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.
3. A indesejada
Aí estão eles, os da terceira idade.
Gregários, vivem aos bandos.
Sentados, jogando cartas, andando devagar.
Conversando pretéritos assuntos.
Olhando tristes os outros viverem.
Antigamente, todos seriam avós, vovozinhos.
Hoje, são sogros, os chatos dos sogros.
Uns são viúvos, outros largados, poucos.
Muitos deles, os mais, ainda casados.
As mulheres duram demais.
Órfãos de seus filhos, ocupadíssimos.
Não reclamam, resmungam disfarçados.
Estão todos aflitos, na espera
Da indesejada, que tarda.
Tarda, é certo, mas virá. Inexorável.
4. Aquela
Minha amada é de carne, de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.
Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.
Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.
Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.
5. Idos sidos
Que é que fiz, não fiz, de mim?
Que é que fiz na vida, da vida?
Quem sou eu? Esse eu que me sou.
Minhas mãos me pendem soltas.
Inúteis para fazimentos.
Só servem para escrever, acarinhar.
Não sei dançar, nunca soube.
Olho, idiota, o céu estrelado.
Não conheço estrela nenhuma.
As árvores, tantíssimas, que vi.,
Recordo inumeráveis, enormíssimas,
Não sei quem são.
Diante das flores me extasio.
Tolo, só reconheço rosas, orquídeas, cravos.
A música clássica me atordoa, cansa.
Quem sou eu, septuagenário,
Que esgoto meu tempo de me ser aqui?
Insciente, perplexo, inexplicado.
Só cheio de saudades de mim.
De tantos eus que fui. Sidos. Idos.
Somos descartáveis, sei, mas dói.
6. Lassa
Tesão — força que move a vida.
Na plenitude, é felicidade pura.
Na carência, é dor que dói.
Ó gozo de ver, admirar, acariciando.
Ò gozo de abraçar, beijar, bolinando
Ó supremo gozo de meter, possuir, penetrando,
na divina convulsão rítmica do coito.
Ficar lá dentro abismado, apertado.
Sentindo o grelo tremer de gozo.
O sacro canal melar, enlanguescer.
Vendo você se aquietar, lassa.
Tudo, afinal, uma tremura arrepiada.
7. Fagulhas de memória
O cacho de bananas amarelíssimas, que meu avô tirou do armário preto de papéis cartoriais.
A velha naturalista estrangeira, meio surda, se fazendo carregar pelos índios, de aldeia em aldeia.
Uma légua de piranhas mortas, dourando a baía ao amanhecer
de não mais ser, nem estar, jamais aí.
Vocês todos vivendo, seus filhos da puta. Só eu não.
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