“Ópera dos Mortos”, de Autran Dourado, é um romance que merece destaque por sua riqueza narrativa, profunda psicologia dos personagens e uma estrutura que lembra a grandiosidade de uma ópera barroca. “Ópera dos Mortos”, de Autran Dourado, é um romance que merece destaque por sua riqueza narrativa, profunda psicologia dos personagens e uma estrutura que lembra a grandiosidade de uma ópera barroca.
Autran Dourado, nascido em 9 de janeiro de 1926 em Patos de Minas, Minas Gerais, Brasil, e falecido em 30 de setembro de 2012, foi um importante escritor brasileiro do século XX. Em seu livro “Ópera dos mortos” seremos convidados a adentrar numa casa com vida própria e conhecer personagens inesquecíveis por tamanha magnitude e criação literária perfeita do autor.
Meus personagens se parecem muito comigo. Eu os conheço muito bem e sofro a angústia que eles sofrem. Não tenho nenhum prazer em escrever. Depois de pronta a obra, aí me dá uma certa satisfação, mas a mesma que dá quando se descarrega dos ombros um fardo pesado. […] (Escrever é) também uma fatalidade. Você é destinado à literatura, e não a literatura a você.
em entrevista para Júlian Fuks
A estrutura da obra “Ópera dos Mortos” é notável por sua complexidade e sofisticação, assemelhando-se a uma ópera barroca. O autor utiliza recursos literários que se assemelham a uma partitura, com personagens representando diferentes vozes e temas que se entrelaçam ao longo da narrativa. Isso confere à história uma sensação de grandiosidade e dramaticidade, semelhante à ópera, onde cada personagem desempenha seu papel fundamental na trama.
O livro faz parte da lista da Unesco de obras representativas da literatura universal, um reconhecimento da importância e da qualidade da obra de Dourado. A inclusão na coleção da Unesco destaca a capacidade da narrativa de transcender fronteiras culturais e se tornar um tesouro literário para o mundo.
Uma ambientação precisa e ampla
Embora a história esteja ambientada em Minas Gerais, a obra não se limita a um contexto histórico específico. Em vez disso, Autran Dourado, que gostava muito de James Joyce, Stendhal e Nietzsche explora questões universais, como a decadência de uma família, a passagem do tempo, a loucura e as complexidades das relações humanas. Isso torna a narrativa atemporal e capaz de ressoar com leitores de diferentes culturas e épocas.
A casa onde se passa a história desempenha um papel significativo, quase como um personagem. A habilidade do autor em descrever a casa e seus detalhes cria uma atmosfera única e opressiva que contribui para a compreensão dos estados mentais dos personagens. A casa é como um personagem silencioso que testemunha e influencia os eventos, adicionando uma camada adicional de complexidade à narrativa.
Pode-se dizer que “Ópera dos Mortos” é essencialmente um romance psicológico, explorando as profundezas da mente dos personagens e suas motivações. Isso significa que a narrativa concentra-se nas complexidades das emoções, nos conflitos internos e nas relações interpessoais, em vez de eventos externos e ações.
O livro conta com um prefácio de Itamar Vieira Junior, que contribui para a compreensão da obra ao contextualizá-la no cenário da literatura brasileira e mundial. O prefácio serve como uma porta de entrada para a complexidade e a riqueza da narrativa.
As personagens principais em Ópera dos mortos
As personagens principais, como o coronel João Capistrano Honório Cota, sua filha Rosalina, o forasteiro José Feliciano e a criada Quiquina, são profundamente desenvolvidas ao longo da história. Suas motivações, desejos e conflitos são muito bem explorados, tornando-os personagens tridimensionais e fortes.
O estilo de Autran Dourado é caracterizado por uma prosa sóbria e elegante, sem o excesso de adjetivos. Sua contribuição para a literatura brasileira está na capacidade de criar histórias densas, ricas em simbolismo e profundidade psicológica, que continuam a encantar leitores e estudiosos da literatura.
Por fim, “Ópera dos Mortos” é uma obra-prima da literatura brasileira que merece seu lugar na lista da Unesco de obras representativas da literatura universal. Autran Dourado, com sua narrativa complexa e personagens psicologicamente ricos, deixa um legado duradouro sobre como fazer literatura brasileira e elaborar personagens tão ricos.
Trechos do livro Ópera dos mortos”:
“Abriu-se caminho para Rosalina. Quando a gente pensou que ela fosse primeiro para junto do pai, voltou-se para a parede e aquilo que ela trazia brilhante na mão era o relógio de ouro do falecido João Capistrano Honório Cota, aquele mesmo que a gente babava de ver ele tirando do bolso do colete branco, tão bonito e raro, Patech Philip dos bons, legítimo. Que ela colocou num prego na parede, junto do relógio comemorativo da Independência. Os relógios da sala estavam todos parados, a gente escutava as batidas do silêncio. Só na copa ouvia uma pêndula no seu trabalho de aranha.”
p. 42
Rosalina descia as escadas, toda a sua figura bem maior do que era, a cabeça erguida, digna, soberba, que nem uma rainha —os olhos postos num fundo muito além da parede, os passos medidos, nenhuma vacilação; trazia alguma coisa brilhante na mão. Rosalina era uma figura recortada de história, desses casos de damas e nobres que contam pra gente, toda inexistente, etérea, luar… Abriu-se caminho para Rosalina…aquilo que ela trazia na mão era o relógio de ouro do falecido João Capistrano Honório Cota, aquele mesmo que a gente babava de ver ele tirando do bolso do colete branco, tão bonito e raro, Pateck Philip dos bons, legítimo. Que ela colocou num prego na parede, junto do relógio comemorativo da Independência. Os relógios da sala estavam todos parados, a gente escutava as batidas do silêncio. Só na capa ouviam a pêndula no seu trabalho de aranha… A gente via tudo em silêncio de igreja: Rosalina subiu de novo as escadas, direitinho como desceu.”
Ópera dos mortos, p. 76
“Ela não sabia que graça podia achar Rosalina naqueles casos de caçadas. Rosalina chegava até a rir. O riso doía em Quiquina. Como se fosse um carinho que lhe tinha sido roubado, um riso que devia ser só pra ela, só dela.”
p. 109
Dona Rosalina era vária, não se fixava em nenhuma das muitas donas Rosalinas que ele todo dia ia descobrindo e juntando para um dia quem sabe poder entender. Ele queria entender dona Rosalina para melhor viver no sobrado, não estar sempre em sobressalto, pesando as palavras, cauteloso. Dona Rosalina sumia como por encanto entre os seus dedos, visonha. Dissimulava, os olhos líquidos, quando a gente pensava que a tinha presa, ela escapulia. Que nem um guará que ele quisesse caçar. Aqueles guarás do sertão, ariscos, matreiros, coriscando por entre as moitas, se confundindo com os matos, parecendo estar em todos os lugares e em lugar nenhum.
p. 122
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