Conheça Fagundes Varela, um dos grandes poetas do romantismo brasileiro. Saiba de sua vida, principais obras poéticas e seus poemas.

    Fagundes Varela foi um dos grandes poetas do romantismo brasileiro, cuja vida e obra deixaram uma marca indelével na literatura brasileira do século XIX. Nascido em 1841, no Rio Grande do Sul, José Luís de Araújo Varela, mais conhecido pelo pseudônimo de Fagundes Varela, teve uma trajetória marcada por intensidade poética e turbulências pessoais.

    Sua poesia, marcada pela exaltação dos sentimentos, pela musicalidade e pela busca do sublime, refletia as características do movimento romântico. Desde cedo, Varela demonstrou talento para a escrita, publicando seus primeiros poemas na adolescência. Sua obra mais conhecida, “Cantos e Fantasias”, publicada em 1865, revela uma linguagem lírica e uma sensibilidade ímpares, explorando temas como o amor, a morte, a natureza e a religiosidade.

    No entanto, a vida pessoal de Varela foi marcada por tragédias e conflitos. Problemas familiares, incluindo a separação dos pais e a morte prematura de sua mãe, influenciaram profundamente sua obra, conferindo-lhe uma melancolia e uma intensidade emocional singulares. Além disso, Varela enfrentou questões de saúde, incluindo o alcoolismo, que acabaram por abreviar sua vida.

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    Apesar das adversidades, o legado de Fagundes Varela na literatura brasileira é inegável. Sua poesia influenciou gerações posteriores de escritores e continua a ser estudada e apreciada até os dias de hoje. Sua capacidade de expressar os mais profundos anseios da alma humana e sua habilidade em transformar a dor em beleza poética garantem-lhe um lugar de destaque no cânone literário brasileiro. Fagundes Varela faleceu em 1875, aos 34 anos, deixando para trás um rico e comovente legado poético.

    Algumas obras de Fagundes Varela:

    Fagundes Varela é conhecido principalmente por suas obras poéticas, que refletem os ideais e as características do romantismo brasileiro. Algumas de suas principais obras incluem:

    1. Noturnas” (1859): Seu primeiro livro de poemas, que já revelava sua sensibilidade lírica e sua habilidade em expressar emoções profundas. + AMAZON
    2. “Cantos e Fantasias” (1865): Considerada sua obra mais importante, esta coletânea de poemas aborda temas como amor, natureza, religiosidade e morte, com uma linguagem rica e imagética. + AMAZON
    3. “O Estandarte Auriverde” (1873): Uma coletânea de poemas patrióticos e nacionalistas, que celebram o Brasil e sua cultura. + AMAZON

    Embora essas sejam algumas das principais obras de Fagundes Varela, sua contribuição para a literatura brasileira vai além desses títulos específicos. Seu estilo poético influenciou significativamente seus contemporâneos e as gerações seguintes de escritores, deixando um legado duradouro na história da literatura do Brasil.

    Principais temas da obra de Fagundes Varela

    Os temas mais comuns na obra de Fagundes Varela incluem:

    1. Amor e paixão: Varela frequentemente explorava os sentimentos intensos e as emoções relacionadas ao amor romântico.
    2. Natureza: A exaltação da natureza e sua relação com os sentimentos humanos eram temas recorrentes em sua poesia.
    3. Religião e espiritualidade: Varela abordava questões religiosas e espirituais, refletindo sobre a fé, a morte e a existência humana.
    4. Melancolia e sofrimento: Sua obra muitas vezes refletia sua própria angústia e sofrimento pessoal, resultando em uma atmosfera melancólica em muitos de seus poemas.
    5. Patriotismo e nacionalismo: Em alguns de seus trabalhos, Varela expressava seu amor pela pátria e seu desejo de liberdade e justiça para o Brasil.

    Esses temas se entrelaçam ao longo de sua obra, refletindo sua sensibilidade poética e sua visão de mundo marcada pela intensidade emocional e pela busca da beleza e do sublime.

    Conheça abaixo algumas poesias de Fagundes Varela:

    1. CÂNTICO DO CALVÁRIO

                      À memória de meu filho, morto a 11 de dezembro de 1863.

     Eras na vida a pomba predileta 
     Que sobre um mar de angústias conduzia 
     O ramo da esperança. — Eras a estrela 
     Que entre as névoas do inverno cintilava 
     Apontando o caminho ao pegureiro. 
     Eras a messe de um dourado estio. 
     Eras o idílio de um amor sublime. 
     Eras a glória, — a inspiração, — a pátria, 
     O porvir de teu pai! — Ah! no entanto, 
     Pomba, — varou-te a flecha do destino! 
     Astro, — engoliu-te o temporal do norte! 
     Teto, caíste! — Crença, já não vives! 

     Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, 
     Legado acerbo da ventura extinta, 
     Dúbios archotes que a tremer clareiam 
     A lousa fria de um sonhar que é morto! 
     Correi! Um dia vos verei mais belas 
     Que os diamantes de Ofir e de Golgonda 
     Fulgurar na coroa de martírios 
     Que me circunda a fronte cismadora! 
     São mortos para mim da noite os fachos, 
     Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, 
     E à vossa luz caminharei nos ermos! 
     Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa, 
     Brando orvalho do céu! — Sede benditas! 
     Oh! filho de minh’alma! Última rosa 
     Que neste solo ingrato vicejava! 
     Minha esperança amargamente doce! 
     Quando as garças vierem do ocidente 
     Buscando um novo clima onde pousarem, 
     Não mais te embalarei sobre os joelhos, 
     Nem de teus olhos no cerúleo brilho 
     Acharei um consolo a meus tormentos! 
     Não mais invocarei a musa errante 
     Nesses retiros onde cada folha 
     Era um polido espelho de esmeralda 
     Que refletia os fugitivos quadros 
     Dos suspirados tempos que se foram! 
     Não mais perdido em vaporosas cismas 
     Escutarei ao pôr do sol, nas serras, 
     Vibrar a trompa sonorosa e leda 
     Do caçador que aos lares se recolhe! 

     Não mais! A areia tem corrido, e o livro 
     De minha infanda história está completo! 
     Pouco tenho de ansiar! Um passo ainda 
     E o fruto de meus dias, negro, podre, 
     Do galho eivado rolará por terra! 
     Ainda um treno, e o vendaval sem freio 
     Ao soprar quebrará a última fibra 
     Da lira infausta que nas mãos sustento! 
     Tornei-me o eco das tristezas todas 
     Que entre os homens achei! O lago escuro 
     Onde ao clarão dos fogos da tormenta 
     Miram-se as larvas fúnebres do estrago! 
     Por toda a parte em que arrastei meu manto 
     Deixei um traço fundo de agonias! … 

     Oh! quantas horas não gastei, sentado 
     Sobre as costas bravias do Oceano, 
     Esperando que a vida se esvaísse 
     Como um floco de espuma, ou como o friso 
     Que deixa n’água o lenho do barqueiro! 
     Quantos momentos de loucura e febre 
     Não consumi perdido nos desertos, 
     Escutando os rumores das florestas, 
     E procurando nessas vozes torvas 
     Distinguir o meu cântico de morte! 
     Quantas noites de angústias e delírios 
     Não velei, entre as sombras espreitando 
     A passagem veloz do gênio horrendo 
     Que o mundo abate ao galopar infrene 
     Do selvagem corcel? … E tudo embalde! 
     A vida parecia ardente e douda 
     Agarrar-se a meu ser! … E tu tão jovem, 
     Tão puro ainda, ainda n’alvorada, 
     Ave banhada em mares de esperança, 
     Rosa em botão, crisálida entre luzes, 
     Foste o escolhido na tremenda ceifa! 

     Ah! quando a vez primeira em meus cabelos 
     Senti bater teu hálito suave; 
     Quando em meus braços te cerrei, ouvindo 
     Pulsar-te o coração divino ainda; 
     Quando fitei teus olhos sossegados, 
     Abismos de inocência e de candura, 
     E baixo e a medo murmurei: meu filho! 
     Meu filho! frase imensa, inexplicável, 
     Grata como o chorar de Madalena 
     Aos pés do Redentor … ah! pelas fibras 
     Senti rugir o vento incendiado 
     Desse amor infinito que eterniza 
     O consórcio dos orbes que se enredam 
     Dos mistérios do ser na teia augusta! 
     Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! 
     Que se expande em torrentes inefáveis 
     Do seio imaculado de Maria! 
     Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! 
     E de meu erro a punição cruenta 
     Na mesma glória que elevou-me aos astros, 
     Chorando aos pés da cruz, hoje padeço! 

    Fagundes Varela
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     O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, 
     A voz mentida de rafeiros bardos, 
     Torpe alegria que circunda os berços 
     Quando a opulência doura-lhes as bordas, 
     Não te saudaram ao sorrir primeiro, 
     Clícia mimosa rebentada à sombra! 
     Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te, 
     Tiveste mais que os príncipes da terra! 
     Templos, altares de afeição sem termos! 
     Mundos de sentimento e de magia! 
     Cantos ditados pelo próprio Deus! 
     Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, 
     E o gênio esmagam dos soberbos tronos, 
     Trocariam a púrpura romana 
     Por um verso, uma nota, um som apenas 
     Dos fecundos poemas que inspiraste! 

     Que belos sonhos! Que ilusões benditas! 
     Do cantor infeliz lançaste à vida, 
     Arco-íris de amor! Luz da aliança, 
     Calma e fulgente em meio da tormenta! 
     Do exílio escuro a cítara chorosa 
     Surgiu de novo e às virações errantes 
     Lançou dilúvios de harmonias! — O gozo 
     Ao pranto sucedeu. As férreas horas 
     Em desejos alados se mudaram. 
     Noites fugiam, madrugadas vinham, 
     Mas sepultado num prazer profundo 
     Não te deixava o berço descuidoso, 
     Nem de teu rosto meu olhar tirava, 
     Nem de outros sonhos que dos teus vivia! 

     Como eras lindo! Nas rosadas faces 
     Tinhas ainda o tépido vestígio 
     Dos beijos divinais, — nos olhos langues 
     Brilhava o brando raio que acendera 
     A bênção do Senhor quando o deixaste! 
     Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos, 
     Filhos do éter e da luz, voavam, 
     Riam-se alegres, das caçoilas níveas 
     Celeste aroma te vertendo ao corpo! 
     E eu dizia comigo: — teu destino 
     Será mais belo que o cantar das fadas 
     Que dançam no arrebol, — mais triunfante 
     Que o sol nascente derribando ao nada 
     Muralhas de negrume! … Irás tão alto 
     Como o pássaro-rei do Novo Mundo! 

     Ai! doudo sonho! … Uma estação passou-se, 
     E tantas glórias, tão risonhos planos 
     Desfizeram-se em pó! O gênio escuro 
     Abrasou com seu facho ensanguentado 
     Meus soberbos castelos. A desgraça 
     Sentou-se em meu solar, e a soberana 
     Dos sinistros impérios de além-mundo 
     Com seu dedo real selou-te a fronte! 
     Inda te vejo pelas noites minhas, 
     Em meus dias sem luz vejo-te ainda, 
     Creio-te vivo, e morto te pranteio! … 

     Ouço o tanger monótono dos sinos, 
     E cada vibração contar parece 
     As ilusões que murcham-se contigo! 
     Escuto em meio de confusas vozes, 
     Cheias de frases pueris, estultas, 
     O linho mortuário que retalham 
     Para envolver teu corpo! Vejo esparsas 
     Saudades e perpétuas, — sinto o aroma 
     Do incenso das igrejas, — ouço os cantos 
     Dos ministros de Deus que me repetem 
     Que não és mais da terra!… E choro embalde. 

     Mas não! Tu dormes no infinito seio 
     Do Criador dos seres! Tu me falas 
     Na voz dos ventos, no chorar das aves, 
     Talvez das ondas no respiro flébil! 
     Tu me contemplas lá do céu, quem sabe, 
     No vulto solitário de uma estrela, 
     E são teus raios que meu estro aquecem! 
     Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho! 
     Brilha e fulgura no azulado manto, 
     Mas não te arrojes, lágrima da noite, 
     Nas ondas nebulosas do ocidente! 
     Brilha e fulgura! Quando a morte fria 
     Sobre mim sacudir o pó das asas, 
     Escada de Jacó serão teus raios 
     Por onde asinha subirá minh’alma.

    2. A FLOR DO MARACUJÁ

     Pelas rosas, pelos lírios, 
     Pelas abelhas, sinhá, 
     Pelas notas mais chorosas 
     Do canto do Sabiá, 
     Pelo cálice de angústias 
     Da flor do maracujá! 

     Pelo jasmim, pelo goivo, 
     Pelo agreste manacá, 
     Pelas gotas de sereno 
     Nas folhas do gravatá, 
     Pela coroa de espinhos 
     Da flor do maracujá. 

     Pelas tranças da Mãe-d’água 
     Que junto da fonte está, 
     Pelos colibris que brincam 
     Nas alvas plumas do ubá, 
     Pelos cravos desenhados 
     Na flor do maracujá. 

     Pelas azuis borboletas 
     Que descem do Panamá, 
     Pelos tesouros ocultos 
     Nas minas do Sincorá, 
     Pelas chagas roxeadas 
     Da flor do maracujá! 

     Pelo mar, pelo deserto, 
     Pelas montanhas, sinhá! 
     Pelas florestas imensas 
     Que falam de Jeová! 
     Pela lança ensanguentada 
     Da flor do maracujá! 

     Por tudo que o céu revela! 
     Por tudo que a terra dá 
     Eu te juro que minh’alma 
     De tua alma escrava está!… 
     Guarda contigo este emblema 
     Da flor do maracujá! 

     Não se enojem teus ouvidos 
     De tantas rimas em – a – 
     Mas ouve meus juramentos, 
     Meus cantos ouve, sinhá! 
     Te peço pelos mistérios 
     Da flor do maracujá!

    3. JUVENÍLIA I

    Lembras-te, Iná, dessas noites
    Cheias de doce harmonia,
    Quando a floresta gemia
    Do vento aos brandos açoites?

    Quando as estrelas sorriam,
    Quando as campinas tremiam
    Nas dobras de úmido véu?
    E nossas almas unidas
    Estreitavam-se, sentidas,
    Ao langor daquele céu?

    Lembras-te, Iná? Belo e mago,
    Da névoa por entre o manto,
    Erguia-se ao longe o canto
    Dos pescadores do lago.

    Os regatos soluçavam,
    Os pinheiros murmuravam
    No viso das cordilheiras,
    E a brisa lenta e tardia
    O chão relvoso cobria
    Das flores das trepadeiras.

    Lembras-te, Iná? Eras bela,
    Ainda no albor da vida,
    Tinhas a fronte cingida
    De uma inocente capela.

    Teu seio era como a lira
    Que chora, canta e suspira
    Ao roçar de leve aragem;
    Teus sonhos eram suaves
    Como o gorjeio das aves
    Por entre a escura folhagem.
                      ***

    Que é feito agora de tudo?
    De tanta ilusão querida?
    A selva não tem mais vida,
    O lar é deserto e mudo!

    Onde foste, ó pomba errante?
    Bela estrela cintilante
    Que apontavas o porvir?
    Dormes acaso no fundo
    Do abismo tredo e profundo,
    Minha pérola de Ofir?

    Ah! Iná! por toda parte
    Que teu espírito esteja,
    Minh’alma que te deseja
    Não cessará de buscar-te!

    Irei às nuvens serenas,
    Vestindo as ligeiras penas
    Do mais ligeiro condor;
    Irei ao pego espumante,
    Como da Ásia o possante,
    Soberbo mergulhador!

    Irei à pátria das fadas
    E dos silfos errabundos,
    Irei aos antros profundos
    Das montanhas encantadas;

    Se depois de imensas dores,
    No seio ardente de amores
    Eu não puder apertar-te,
    Quebrando a dura barreira
    Deste mundo de poeira,
    Talvez, Iná, hei de achar-te!

    4. O ESCRAVO
                                                     Ao Sr. Tomaz de Aquino Borges

    Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
    Cujo dedo imortal
    Gravou-te sobre a testa bronzeada
    O sigilo fatal!
    Dorme! Se a terra devorou sedenta
    De teu rosto o suor,
    Mãe compassiva agora te agasalha
    Com zelo e com amor.

    Ninguém te disse o adeus da despedida,
    Ninguém por ti chorou!
    Embora! A humanidade em teu sudário
    Os olhos enxugou!
    A verdade luziu por um momento
    De teus irmãos à grei:
    Se vivo foste escravo, és morto… livre
    Pela suprema lei!

    Tu suspiraste como o hebreu cativo
    Saudoso do Jordão,
    Pesado achaste o ferro da revolta,
    Não o quiseste, não!
    Lançaste-o sobre a terra inconsciente
    De teu próprio poder!
    Contra o direito, contra a natureza,
    Preferiste morrer!

    Do augusto condenado as leis são santas,
    São leis porém de amor:
    Por amor de ti mesmo e dos mais homens
    Preciso era o valor…
    Não o tiveste! Os ferros e os açoites
    Mataram-te a razão!
    Dobrado cativeiro! A teus algozes
    Dobrada punição!

    Por que nos teus momentos de suplício,
    De agonia e de dor,
    Não chamaste das terras africanas
    O vento assolador?
    Ele traria a força e a persistência
    À tu’alma sem fé,
    Nos rugidos dos tigres de Benguela,
    Dos leões de Guiné!…

    Ele traria o fogo dos desertos,
    O sol dos areais,
    A voz de teus irmãos viril e forte,
    O brado de teus pais!
    Ele te sopraria às moles fibras
    A raiva do suão
    Quando agitando as crinas inflamadas
    Fustiga a solidão!

    Então ergueras resoluto a fronte,
    E, grande em teu valor,
    Mostraras que em teu seio inda vibrava
    A voz do Criador!
    Mostraras que das sombras do martírio
    Também rebenta a luz!
    Oh! teus grilhões seriam tão sublimes,
    Tão santos como a cruz!

    Mas morreste sem lutas, sem protestos,
    Sem um grito sequer!
    Como a ovelha no altar, como a criança
    No ventre da mulher!
    Morreste sem mostrar que tinhas n’alma
    Uma chispa do céu!
    Como se um crime sobre ti pesasse!
    Como se foras réu!

    Sem defesa, sem preces, sem lamentos,
    Sem círios, sem caixão,
    Passaste da senzala ao cemitério!
    Do lixo à podridão!
    Tua essência imortal onde é que estava?
    Onde as leis do Senhor?
    Digam-no o tronco, o látego, as algemas
    E as ordens do feitor!

    Digam-no as ambições desenfreadas,
    A cobiça fatal,
    Que a eternidade arvoram nos limites
    De um círculo mortal!
    Digam-no o luxo, as pompas e grandezas,
    Lacaios e brasões,
    Tesouros sobre o sangue amontoados,
    Paços sobre vulcões!

    Digam-no as almas vis das prostitutas,
    O lodo e o cetim,
    O demônio do jogo, a febre acesa
    Em ondas de rubim!…
    E no entanto tinhas um destino,
    Uma vida, um porvir,
    Um quinhão de prazeres e venturas
    Sobre a terra a fruir!

    Eras o mesmo ser, a mesma essência
    Que teu bárbaro algoz;
    Foram seus dias de rosada seda,
    Os teus de atro retrós!…
    Pátria, família, ideias, esperanças,
    Crenças, religião,
    Tudo matou-te, em flor no íntimo d’alma,
    O dedo da opressão!

    Tudo, tudo abateu sem dó, nem pena!
    Tudo, tudo, meu Deus!
    E teu olhar à lama condenado
    Esqueceu-se dos céus!…
    Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
    Cuja cifra imortal,
    Selando-te o sepulcro, abriu-te os olhos
    À luz universal!

    5. A CRUZ

    Estrelas
    Singelas,
    Luzeiros
    Fagueiros,
    Esplêndidos orbes, que o mundo aclarais!
    Desertos e mares, – florestas vivazes!
    Montanhas audazes que o céu topetais!
    Abismos
    Profundos!
    Cavernas
    E t e r nas!
    Extensos,
    Imensos
    Espaços
    A z u i s!
    Altares e tronos,
    Humildes e sábios, soberbos e grandes!
    Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz!
    Só ela nos mostra da glória o caminho,
    Só ela nos fala das leis de – Jesus!

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