Homem em queda (Don Delillo) não é sobre o 11 de Setembro (a política externa, os EUA, Oriente Médio). É sobre o que desmorona nos sobreviventes, sobre o que se abriu dentro e não tem mais volta, sobre a insatisfação dissimulada amoldada por uma derrota física e outra emocional.

    O 11 de Setembro visto por dentro, de dentro do drama de um grupo de sobreviventes divididos, num grupo de autoajuda, entre os que esperam mais de Deus e aqueles que sabem exatamente o que Deus não é; homens e mulheres sujos de sangue e cinza que viram corpos caindo, de mãos dadas; um homem sem rumo que volta para a família anterior, movido pelo instinto de sobreviver, que é amor, ou um sacrifício maior, uma espécie de acordar para uma segunda etapa da vida visto que a primeira sempre foi um engodo. Qualquer música de tema árabe torna-se irritante, uma ameaça.

    É sobre a estranheza do dia-a-dia, detalhes incomuns que poucos atentam, esteja o 11 de setembro inteiro ou desmontado em destroços de concreto, cinzas, corpos, e sua alma gigante desfeita em milhões de papéis picados fumegantes tomando o céu soturno e carregado de perda, em dia delirante que nunca mais será um dia qualquer.

    Não é para ser engraçado, talvez . Nem sei se é para ser comovente. Às vezes, eu quis rir, mas lembrei de que havia uma catástrofe como pano de fundo e senti que precisava parar no meio da gargalhada, trancá-la no sentido trágico adquirido.

    Apesar de ser toda a questão aparentemente conhecida, ninguém sabe mesmo o que leva alguém a matar alguém, o que leva um país a atacar o outro. Mas nem tudo é pânico; embora a dúvida possa estar em qualquer estranho.

    O artista performático

    Há um artista performático, O Homem em Queda, que encena um desastre para qualquer público nas ruas, despertando uma curiosidade que se desespera, ajudando-as a elaborar estratégias de fuga diante de eventos inesperados, a tensão latente vibrando do artista para o público improvisado, que nunca saberia o que fazer, outra vez, se o pior acontecesse. Um homem que não quer despertar o desastre pessoal, que é recente, que só quer “espalhar a notícia, de modo mais íntimo, como as torres e os aviões sequestrados” (pág 170). O Homem em Queda instiga um pavor recente, que envelhece também, ao simular desastres diários; Keith e Lianne são as duas torres da vida repetida e comum, agora abalada; Martin é a tentativa de reconstruir a peculiaridade cotidiana das repetições ordinárias observando o céu com dois amigos, catando sinais de novas catástrofes.

    Lá, existem homens cujo único vínculo é o pôquer, o jogo de cartas que oculta a dor, o jogo de cartas que sumiu do mapa, os outros jogadores que desapareceram, todos sumiram. A impessoalidade do jogo de pôquer, homens escondidos do que acontece fora, o mundo que mudou, a América ferida, homens que mudam a cada partida.

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    Homem em Queda não é sobre o 11 de Setembro

    Não é sobre o 11 de Setembro (a política externa, os EUA, Oriente Médio). É sobre o que desmorona nos sobreviventes, sobre o que se abriu dentro e não tem mais volta, sobre a insatisfação dissimulada amoldada por uma derrota física e outra emocional.

    Se eu fosse psicólogo (Epa! Pera aí! Eu sou psicólogo.) diria que Don Delillo é mais um gênio intuitivo e precisamente técnico que sujeito empático, ou não se atém ao método piegas que a empatia às vezes empresta a alguns escritores. Os trechos em que ele enxerga o mundo islâmico, as rotinas dos terroristas, através dos olhos de Hammad, são tensos, sutis, poéticos, detalhados, mas não objetivamente desgastados. Talvez você precise de muita alma, alguma dor expressiva que goteje de alguma ferida sua para entender os sentidos presentes no livro, os sentidos escondidos no livro, os sentidos rasgados do livro.

    O Islã agora se inicia em qualquer lugar: para Hammad, que está num curso de piloto, para Keith, Lianne, para Martin, para qualquer pessoa que não entende o Islã.

    O exílio pós-desastre, a decadência, nunca iminente, esconde-se num canto secreto dos personagens. A potência inviolável continua vitoriosa, menos os sujeitos que nela vivem. Todos são desastres agora.

    Humanidade e estranheza

    Quando terminei a leitura de Homem em Queda, não quis me aproximar de nenhum outro livro, por um dia inteiro. O êxtase assustado de saber-me perdido nas palavras de alguém, o vazio alucinado, a falta concentrada que Don Delillo entrega nas mãos do leitor produzem um tipo de humanidade repleta de estranheza e ao mesmo tempo conscienciosa, roubando o sossego e abrindo uma falha robusta na capacidade do leitor de manter-se firme durante muitas páginas sem questionar a fé em qualquer coisa que exista no mundo: Porque tudo perde seu lugar de origem nas mãos do autor; as palavras são uma missão de sabotagem nos sentidos iniciais e o leitor está sem saída. As palavras de Delillo sempre te levam a um lugar que você não espera chegar. Esse lugar é seu, está em você, algum desastre.

    “As vidas não costumam fazer sentido”, é o que diz um dos personagens do livro, na página 224. Isso é porque ele nunca leu Don Delillo.

    Nenhum leitor volta a ser o mesmo depois de ler quaisquer livros do Delillo. Impossível. Coisa de gênio.

    A multidão era tão grande que qualquer ponto dela podia ser considerado meio. A multidão era densa e fluía, ao cair da tarde, levando-as junto, passando por barracas de vender comida, e as amigas as desgarraram em menos de trinta segundos. O que ela começou a sentir, além de impotência, foi a consciência acentuada de ser quem era em relação aos outros, milhares deles, ordeiros porém cercando-a por completo. Os que estavam ao redor a viam, sorriam, alguns deles, e lhe dirigiam a palavra, um ou dois, e ela foi obrigada a se ver na superfície espelhada da multidão.

    p. 193

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