Vozes Anoitecidas é uma coletânea de contos do moçambicano vencedor do Prêmio Camões, Mia Couto, que chegou ao público em 1987 e foi publicada em 2013 no Brasil, pela Companhia das Letras. O livro reúne doze pequenos contos. Foi o livro de estreia de Mia Couto na prosa, antes disso ele já atuava como escritor, era jornalista e também escrevia poemas, que também são belíssimos. Sou suspeita para falar do escritor, o lirismo que contém seus versos, sejam eles em poesia ou prosa sempre me encanta.

    A maioria dos contos da coletânea mostra personagens passando por dificuldades e problemas sociais, questões que incomodavam Mia Couto, uma vez que na época em que o livro foi escrito o país passava pela Guerra Civil e a população sofria com isso.

    Dentre os doze contos da obra, destaco “A fogueira”, “O último aviso do corvo falador” e “De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro” como meus favoritos.

    O conto “A fogueira” mostra um senhor cavando a sepultura de sua velha esposa, ainda viva. Gostei da ideia central e apesar do desfecho já ser esperado, a história é muito bem contada. A figura da mulher submissa também é retratada.

    “- Somos pobres, só temos nadas. Nem ninguém não temos. É melhor começar já a abrir tua cova, mulher.
    A mulher comovida, sorriu:
    – Como és bom marido! Tive sorte no homem da minha vida.” (A fogueira, pág. 22)

    Em “O último aviso do corvo falador” temos uma mostra de realismo mágico (marca registrada de Mia). O pintor Zuzé, após um acesso de tosse cospe um corvo, animal este, muito especial. Oriundo da fronteira da vida e capaz de fornecer informações sobre os mortos através de seu crocito.

    “Foi ali, no meio da praça, cheio da gente bichando na cantina. Zuzé Paraza, pintor reformado, cuspiu migalhas do cigarro “mata-ratos”. Depois, tossiu sacudindo a magreza do seu todo corpo. Então, assim contam os que viram, ele vomitou um corvo vivo.” Pág. 29

    “A notícia, como um relâmpago, correu a povoação. Afinal, esse Zuzé! Era mesmo, o gajo. Dono de bruxezas, realmente. No dia seguinte, todos levantaram cedo. Correram à casa de Zuzé Paraza. Todos queriam ver o pintor, todos queriam-lhe pedir favor, encomendar felicidades.” Pág. 38

    “De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro” narra as peripécias de um português que vai ao bar todos os dias, montado na bicicleta que seu empregado vai pedalando. Até que um dia, ao retornar para casa de uma de suas bebedeiras, descobre que sua mulher o abandonou e parte em seu encalço.

    “Houvesse ou não visitas repetia-se o ritual. Vasco João Joãoquinho, fiel e dedicado empregado, surgia da sombra das mangueiras. Fardava caqui, balalaica e calção engomado. Aproximava-se trazendo uma bicicleta. Ascolino Fernandes, protocolar, inclinava-se perante ausentes e presentes. O empregado entregava-lhe uma pequena almofada que ele ajeitava no quadro da bicicleta. Acomodava-se, com cuidado de não manchar as calças na corrente. Ultimados os preparos, Vasco João Joãoquinho montava no selim e, com um puxão vigoroso, dava início ao desfile.” Pág. 60

    A narrativa crua e poética de Mia já pode ser observada nesses pequenos contos, que parecem valorizar o folclore e a oralidade de Moçambique, através de personagens singelos e ao mesmo tempo enigmáticos. Couto é um grande contador de histórias. Sua obra merece ser conhecida, por que não começar com Vozes Anoitecidas? É uma ótima opção!


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    3 Comentários

    1. Quero muito começar a ler Mia Couto, Aléxia, mas acho que vou começar por um dos romances dele. As temáticas são sempre muito fortes, né?
      Beijo! ^_^

    2. Aléxia Roche on

      São sim, Eduarda. Eu comecei por “O fio das missangas” que é um livro de contos, belíssimo por sinal. De romance já li “O Outro Pé da Sereia” e “A confissão da leoa”, gostei bastante dos dois.

      Bjs.

    3. Candidapereira on

      Oi Alexia. Sou como vc uma apaixonada por Literatura; principalmente Poesia. O Mia Couto alem de um grande romancista e um grande poeta. Lugar onde, a meu ver, ele se enquandra muito bem, sendo um extraordinario poeta. De romances gosto muito do “Terra Sonambula”. Espero esse ano ler o livro “Poemas Escolhodos”. Um abraco.

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