Estação Atocha (Bem Lerner, escritor americano) nos apresenta um personagem muito singular: Adam Gordon, um rapaz estadunidense que passa um ano na Espanha por conta de uma bolsa de estudos. Fiquei interessado no livro porque ele tem em sua premissa um universo que eu admiro muito, o literário. Adam trabalha com literatura além também de produzi-la. Mas o foco não está em nos mostrar esse universo, o que acontece em livros como Os Detetives Selvagens e Travessuras da Menina Má, mas sim em explorar a personalidade desse narrador, o que faz com que a narrativa em primeira pessoa nos ajude a perceber características da mentalidade do protagonista. Uma dessas características é o egotismo: Adam tem um problema com o idioma espanhol, e nunca sabe exatamente o que uma pessoa está lhe dizendo, o que simbolicamente revela a inabilidade do narrador de lidar com o mundo exterior a ele, o que envolve dialogar, se posicionar no lugar do outro, etc. Um exemplo dessa falha de comunicação que me lembrou muito o livro de Melville, Bartleby, o Escrivão, é a que se segue:

    Sentamos na mureta de pedra que beirava o rio para observar os reflexos das tochas na água e, depois de um tempo, Isabel começou a falar. A princípio, descreveu uma casa ou a sua casa ou um apartamento, uma descrição que soava vagamente familiar depois da nossa primeira conversa na lagoa, mas ainda não tinha certeza se as palavras dela se referiam a uma casa no sentido de lar ou, mais concretamente, à estrutura física em que ela morava.

    Uma segunda, e talvez a mais importante, característica é o ceticismo. No início do livro há um momento muito cômico que se passa em um museu que Adam costuma frequentar. Numa das salas há um observador que fica profundamente tocado por uma pintura e começa a chorar, o que desencadeia em Adam todo um monólogo interno sobre a falácia que é essa comoção proporcionada pela arte, a qual ele nunca experimentou e duvidava muito que algum conhecido seu já tivesse experimentado. A falta de credibilidade não se restringe apenas ao poder da arte, que ironicamente é com o que ele trabalha, mas principalmente em si mesmo. Adam possui uma estarrecedora baixo auto-estima que o desacredita nos diversos aspectos de sua vida, inclusive como poeta.

    E assim as páginas vão acontecendo, o leitor conhecendo mais do personagem que é um completo anti-herói, observando seus relacionamentos que de uma forma ou de outra não dão certo, os seus projetos que pesquisa que ele nunca leva a sério ou se julga capaz de fazer. Mas a partir de certo ponto, senti que o livro não teve muito propósito além de nos apresentar um personagem que não conseguiu por si só arcar com o peso de um livro que centrasse tanto sobre ele. Além do que, o final é muito romântico e incoerente com tudo o que o livro mostrou até aquele ponto.

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