Iniciar o diário de leitura Os Miseráveis está sendo uma das minhas melhores experiências de leitura. E que bom que tem uma galera linda comigo!

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    É muito bom quando o início de um livro causa um enorme impacto no leitor. Assim é o prefácio do livro Os Miseráveis, que consegue deixar o leitor atento com o que está por vir. E não é uma simples atenção, é como um soco no estômago, o que pode causar até um certo medo, pois o soco vem junto com uma gigante expectativa. Será que Victor Hugo conseguirá mesmo mostrar tudo isso em sua obra? Posso dizer que sim, pelo simples fato do livro ser um clássico da literatura. Um livro essencial e atual:

    Semana 1: 01/01/2016 a 09/01/2016

    Livro I – Um Justo

    “Enquanto os três problemas do século – a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis”

    (Victor Hugo, 1862)

    Das primeiras 150 páginas lidas, sem dúvida, para mim, o grande destaque fica com o diálogo entre o Bispo Bienvenu e G., pois muitas coisas que estavam me incomodando antes deste momento da obra, ficaram mais claras e eu pude, de uma vez me render à Victor Hugo.

    Bispo Bienvenu é um homem extremamente bom. Ajuda os necessitados e vive em uma constante busca para se livrar dos poucos luxos que tem, de forma a contribuir mais com as causas sociais de seu povo. Como uma pessoa religiosa, a base para o seu trabalho é a religião, os preceitos do catolicismo envolvem os seus atos com intensidade e assim, ele ganha o respeito e a confiança do povo, assim como a moral e a cordialidade com os poderosos do local.

    Ele também possui bom-humor e gosta de, com sutileza, quebrar alguns paradigmas. Se dizem para ele que é melhor não ir a tal lugar, ele vai; e sempre volta com uma boa história sobre piedade e amor ao próximo para contar.

    Assim, as primeiras páginas do livro afagam o leitor, mas é preciso atenção, pois o título do livro indica que a miséria se faz presente na obra, então, um olhar mais cuidadoso com o que a narrativa fornece é fundamental.

    O narrador

    O livro possui um narrador em terceira pessoa, onisciente e onipresente. Ele sabe de tudo e de todos e, então, em alguns momentos, o que estamos lendo é a verdade sobre aquele personagem, não é a verdade da obra, a moral da história ou algo neste sentido. E, assim, podemos desconfiar um pouco sobre os excessos – necessários – da história. Será mesmo o Bispo tão maravilhosos e bondoso assim? É neste ponto que o personagem G. aparece para desequilibrar alguns conceitos de bondade, sociedade e religião. Ele, que vive isolado da cidade porque recebeu um ódio gratuito por conta das suas escolhas durante a Revolução Francesa, faz até mesmo o Bispo ponderar, rever, ou no mínimo, revogar algumas certezas e repensar o mundo como ele vê.

    No início da leitura de um livro, é comum fazermos algumas subjeções, não há, ainda, a grande certeza sobre alguma coisa, são apenas suposições aqui, outras lá, principalmente sobre a postura de alguns personagens, sobre gostar disso ou aquilo, sobre ser do bem e do mal, etc. No caso do Bispo, é evidente que ele é uma pessoa do bem e as entrelinhas informam que ele não era a favor da Revolução Francesa (que ocorreu antes da história em si, porém, é sempre lembrada), colocando-o como alguém de ideologias conservadoras, de direita. Por outro lado, o contraponto deste primeiro momento da história, é G., personagem que aparece como alguém do mau, “quase um monstro”, “afinal era um ateu como todos os da sua espécie”, (p. 67), mas é ele que coloca uma luz diferente na mente do Bispo, que mexe com as estruturas que pareciam tão sólidas para ele e que, na medida em que a leitura avança, se mostra como uma pessoa do bem, que luta por grandes mudanças sociais e políticas de sua época. E assim, os dois personagens se mostram tão parecidos e diferentes, cada um lutando com a sua própria arma. De um lado a ciência, de um outro lado Deus. Quem está certo? Quem está errado? Quem julga?

    Uma fala do Bispo:

    “Ensinem o mais possível aos que nada sabem; a sociedade é culpada de não instruir gratuitamente e responderá pela escuridão que provoca. Uma alma na sombra da ignorância comete um pecado? A culpa não é de quem o faz, mas de quem provocou a sombra.” (p. 37)

    Uma fala de G.:

    “Votei pelo fim do tirano, isto é, pelo fim da prostituição da mulher, da escravização do homem, da ignorância da juventude. Votando pela república, votei por tudo isso. Votei pela fraternidade, pela concórdia, por uma nova aurora. Acelerei a queda de preconceitos e erros, o fim dos preconceitos e falsas doutrinas gera a luz. Nós fizemos a ruína do velho mundo, e esse mundo velho, vaso de misérias, derramando-se sobre o gênero humano, transformou-se numa taça de alegrias.” (p. 72)

    Outra do Bispo:

    “Temamos a nós mesmos. Os preconceitos é que são os ladrões; os vícios é que são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós.” (p. 56)

    Outra de G.:

    “O infinito existe. Lá está ele. Se o infinito não tivesse um ser, o ser seria o limite, e ele não seria infinito, ou melhor, não existiria. Mas ele existe. Portanto, é um ser à parte. Essa objetividade do infinito é Deus.” (p. 79)

    Depois da conversa entre esses dois grandes personagens, fiquei mais tranquila com a leitura, pois eu estava um pouco incomodada com o quanto o Bispo estava sendo vangloriado pelo próprio narrador, porém com a presença de G., tudo ficou diferente e muito mais interessante, uma vez que abriu para o leitor uma visão do Bispo mais humana, menos perfeita e mística.

    Na sequência, evidencia-se sutis mudanças no comportamento do Bispo, por causa de sua conversa com G., pois, se no passado ele defendeu o rei, no presente ele não se importou com o declínio de Napoleão, se afastou de encontros políticos e se dedicou mais ainda em se preocupar com os pobres.

    Assim, Victor Hugo se mostra um analista das questões políticas de nossa época, pois esclarece sobre o que seria uma opinião política, uma postura política. Em tempos que tudo parece ser resolvido entre o lado A e B, Victor Hugo, no século XIV, afirmou que nada é tão simples assim:

    “Ninguém, todavia, se engane sobre o nosso modo de pensar: absolutamente não confundimos o que comumente se chama de “opiniões políticas” com esse desejo imenso de progresso, essa sublime fé patriótica, democrática e humana que, em nossos dias, deve servir de base a toda inteligência generosa.” (p. 85)

    Dom Bienvenu, mesmo exercendo uma postura diferente ao povo, que tanto o amava, nada mudou em sua relação de caridade com o próximo. O povo, amava Napoleão e amava o Bispo também. Um aprendizado sobre tolerância e respeito que, mesmo divergentes, opiniões podem viver em harmonia.

    Mas a solidão caminha ao lado do Bispo, mesmo cercado por admiradores, ele estava só, pois não se comportava como os outros bispos, preocupados em fazer a fama, que ajudar realmente os necessitados:

    “Vivemos numa sociedade sombria. Ter êxito, eis o ensinamento destilado gota a gota pela corrupção que avança.” (p. 89)

    “Não há nada mais odioso que o sucesso. Sua quase semelhança com o merecimento engana muito os homens. Para a multidão, êxito é o mesmo que superioridade. O sucesso, sósia do talento, infelizmente tem um ingênuo que nele crê facilmente: a história.” (p. 90)

    O fim do primeiro capítulo contém esperança e amor. O Bispo, diverge dos padrões que o nome dele representa, mas também reflete a verdadeira essência de alguém que decide trabalhar pelo amor, no caso dele, o amor ao próximo acima de todas as coisas.

    “Um pequeno jardim para passear e a imensidão para sonhar. A seus pés, o que se pode cultivar e colher; sobre sua cabeça, o que se pode meditar e estudar; algumas flores na terra e todas as estrelas no céu.” (p. 96)

    Livro II – A queda

    Nesta segunda parte da história, vamos conhecer o personagem Jean Valjean. Ele, apunhalado pela própria sociedade diariamente, é um homem perdido no ódio. Por apenas roubar um pão para alimentar sete crianças, ele ficou na cadeia por mais de 15 anos. E a cadeia o transformou em um homem duro, triste, raivoso e vingativo:

    “Os homens só o haviam tocado para fazê-lo sofrer. Cada contato tinha sido um golpe. Jamais, depois de sua infância, de sua mãe, de sua irmã, havia encontrado uma palavra amiga, um olhar de bondade. De sofrimento em sofrimento, chegara à convicção de que a vida era uma guerra, e que nessa guerra ele era o vencido. Ele não tinha outra arma além do ódio” (p. 141)

    Assim, com tudo que o leitor conheceu no Livro I, o Bispo Bienvenu com sua bondade, amor ao próximo, sabedoria, calma e paciência, aparece Jean V. como um oposto a tudo o que o Bispo conhece. O encontro dos dois acontece na própria cada do Bispo e pelo livro dar tanto destaque ao novo personagen, imagino que muitas coisas irão acontecer ente ele e o Bispo, que até então “venceu” todo o mal que tentou o atingir.

    E assim, fechamos as 150 primeiras páginas da leitura coletiva.

    Eu estou amando ler. E você?

    Victor Hugo me conquistou pela clareza de sua linguagem. O texto possui um ritmo bom, as palavras fluem e os personagens cativam por motivos diferentes, o que mostra a grande capacidade dele em criar bons personagens. Dos três principais que conheci até este momento da leitura (Bispo Jean V. e G.) o que mais me deixou intrigada foi G., mas tudo indica que ele não voltará mais para a história.

    O que será que está pro vir?

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