Embora faltem contextualizações, o interesse pelo cronista Raul Pompeia permanece. Não apenas como comentarista da política da época, como dos fatos corriqueiros. Aborda o protestantismo, o carnaval, os crimes.

    No Brasil, a crônica foi o ganha-pão de muitos importantes escritores. O texto curto, ligeiro, feito para o jornal teve adeptos de peso: Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, mais um amplo etc. A crônica chegou a tornar-se a atividade literária principal de alguns escritores, como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, este também poeta nas horas vagas.

    Raul Pompeia
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    Por ser coisa do dia, da hora, a crônica caminha rente aos acontecimentos cotidianos. O assunto do momento, a polêmica da vez, a crise política mais recente inevitavelmente tornam-se temas de crônicas. Não são diferentes as crônicas de Raul Pompeia (1863 – 1895), reunidas num volume da coleção Melhores crônicas, organizado por Cláudio Murilo Leal.

    Terminada a faculdade de Direito, e sem nenhum interesse em seguir a carreira de advogado, Raul Pompeia passou a colaborar em várias publicações da época. Em seus artigos e crônicas vemos algumas facetas do escritor sequer entrevistas em seus romances: a do militante político, do debatedor, do polemista, do observador do cotidiano. Justamente por essas temáticas tão distintas, seu estilo nas crônicas é muito diferente do que nos habituamos a ler no seu famoso O Ateneu.

    Basta uma breve comparação para deixar clara a distância dos estilos do romancista e do cronista. Um trecho de O Ateneu, tomado ao acaso:

    Eu me sentia pequeno deliciosamente naquele círculo de conchego como em um ninho.

    O tom suave, o longo advérbio demorando-se na frase, a imagem final. Tudo conspira para um ritmo lento e manso. Muito diferente da objetividade e do sarcasmo do cronista:

    A morte é a coisa mais triste deste mundo. Não é preciso ser M. Prudhomme para dizê-lo. Mas a morte, no Rio de Janeiro, além de ser uma coisa muito triste, é uma coisa muito cara.

    Dois estilos distintos que respondem a intenções distintas. No romancista d´O Ateneu, a suavidade e delicadeza ecoam a espírito delicado e frágil do jovem Sérgio enfrentando as dificuldades da vida no colégio. No cronista, a objetividade e assertividade caracterizam o discurso argumentativo do militante, a agudeza do observador do cotidiano e a necessidade de falar muito em pouco espaço.

    Porém, como dito acima, a crônica caminha muita próxima do cotidiano. E num escritor tão combativo quanto Pompeia ainda mais. Abolicionista, republicano, florianista, Pompeia defendeu com vigor tudo quanto pensou ser o correto. Por isso mesmo, o volume ganharia muito se contextualizasse as crônicas historicamente. Por exemplo: na crônica intitulada Em tão grande porcentagem, uma nota dizendo que o momento político a que Pompeia se refere era a crise política que levou à renúncia de Deodoro da Fonseca, a 23 de novembro de 1891, e à ascensão do seu vice Floriano Peixoto, seria muito útil ao leitor de hoje. Outro exemplo: na crônica Uma bela manhã, ajudaria muito uma nota dizendo que o fato narrado por Pompeia era a revolta ocorrida no forte de Santa Cruz, em 19 de janeiro de 1892, em que um grupo de militares defendia a volta de Deodoro à presidência. Seria importante até para compreendermos por que Pompeia qualificava essa revolta de “traição”.

    Embora faltem contextualizações, o interesse pelo cronista Raul Pompeia permanece. Não apenas como comentarista da política da época, como dos fatos corriqueiros. Aborda o protestantismo, o carnaval, os crimes. Critica a faculdade de Direito de São Paulo, pela qual passou. Relata a partida de D.Pedro II para o exílio após a queda da monarquia, naquela que talvez seja a mais famosa crônica de Pompeia. E faz um balanço do ano de 1891 que, curiosamente, parece ter sido escrito o ano passado. A crônica é curta e vale a transcrição na íntegra:

    E está acabado o ano de 1891.

    Que se vá para a eternidade esse atribuladíssimo 91 e não pense em voltar, são os nossos sinceros votos.

    Há muito que não se vê, com efeito, na história brasileira um pedaço de cronologia tão levado da breca como o que hoje se encerra.

    Que lutas teve de sofrer o nosso pobre Brasil, durante uma ingrata temporada, que desconhecidas angústias! A gente não cessa de pensar com amargura em tudo que foi o ano daqui a poucas horas concluído, senão para temer que os males que nos legou talvez queira a fatalidade que ainda venham a frutificar.

    Não parece coisa atual? Não parece com muitos balanços feitos de 2016? Talvez esta seja um exemplo de crônica que transcendeu seu momento histórico e se adapta, talvez excessivamente bem, a outros. Não foi apenas 2016 que foi um ano terrível. Quantos anos no Brasil não mereceriam crônicas como esta?

    Apesar dos defeitos, a compilação de crônicas de Raul Pompeia é muito interessante. Com algum esforço de pesquisa, conseguimos captar um pouco do espírito e das discussões que animavam o final do século 19 no Brasil. E nos permite conhecer, para além d´O Ateneu, um pouco mais do escritor que foi Raul Pompeia, suas ideias, inquietações e combates.

    imagem: Obra do artista brasileiro Almeida Junior (1850 – 1899)

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    Cahoni Chufalo, formado em Letras, com pós-graduação em crítica e curadoria de arte. Fez a curadoria das exposições Memória Imprensa, em Ouro Preto e Figuras Recorrentes, em Novo Hamburgo. Mantêm o blog fiaposblog.wordpress.com

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