Manuel Bandeira é um do grandes nomes da poesia brasileira. O poeta, que fez parte da Semana da Arte Moderna em 1922, é considerado um dos melhores na poesia modernista. Seus temas, que abordam o cotidiano de um jeito simples e direto, revelam muita coisa desse nosso país. Mesmo tanto tempo depois, a obra do autor permanece atual Confira os 15 melhores poemas de Manuel Bandeira.

    1. O bicho

    Vi ontem um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.

    Quando achava alguma coisa,
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.

    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.

    O bicho, meu Deus, era um homem.

    2. Vou-me embora

    Vou-me embora pra Pasárgada
    Lá sou amigo do rei
    Lá tenho a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei

    Vou-me embora pra Pasárgada
    Vou-me embora pra Pasárgada
    Aqui eu não sou feliz
    Lá a existência é uma aventura
    De tal modo inconsequente
    Que Joana a Louca de Espanha
    Rainha e falsa demente
    Vem a ser contraparente
    Da nora que nunca tive

    E como farei ginástica
    Andarei de bicicleta
    Montarei em burro brabo
    Subirei no pau-de-sebo
    Tomarei banhos de mar!
    E quando estiver cansado
    Deito na beira do rio
    Mando chamar a mãe-d’água
    Pra me contar as histórias
    Que no tempo de eu menino
    Rosa vinha me contar
    Vou-me embora pra Pasárgada

    Em Pasárgada tem tudo
    É outra civilização
    Tem um processo seguro
    De impedir a concepção
    Tem telefone automático
    Tem alcaloide à vontade
    Tem prostitutas bonitas
    Para a gente namorar

    E quando eu estiver mais triste
    Mas triste de não ter jeito
    Quando de noite me der
    Vontade de me matar
    — Lá sou amigo do rei —
    Terei a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei
    Vou-me embora pra Pasárgada.

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    3. Andorinha

    Andorinha lá fora está dizendo:
    — “Passei o dia à toa, à toa!”

    Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
    Passei a vida à toa, à toa…

    4. Arte de amar (Manuel Bandeira)

    Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
    A alma é que estraga o amor.
    Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
    Não noutra alma.
    Só em Deus — ou fora do mundo.
    As almas são incomunicáveis.
    Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
    Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

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    5. Os Sapos

    Enfunando os papos,
    Saem da penumbra,
    Aos pulos, os sapos.
    A luz os deslumbra.

    Em ronco que aterra,
    Berra o sapo-boi:
    — “Meu pai foi à guerra!”
    — “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

    O sapo-tanoeiro,
    Parnasiano aguado,
    Diz: — “Meu cancioneiro
    É bem martelado.

    Vede como primo
    Em comer os hiatos!
    Que arte! E nunca rimo
    Os termos cognatos.

    O meu verso é bom
    Frumento sem joio.
    Faço rimas com
    Consoantes de apoio.

    Vai por cinquenta anos
    Que lhes dei a norma:
    Reduzi sem danos
    A fôrmas a forma.

    Clame a saparia
    Em críticas céticas:
    Não há mais poesia,
    Mas há artes poéticas…”

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    6. A morte absoluta

    Morrer.
    Morrer de corpo e de alma.
    Completamente.

    Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
    A exangue máscara de cera,
    Cercada de flores,
    Que apodrecerão – felizes! – num dia,
    Banhada de lágrimas
    Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

    Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
    A caminho do céu?
    Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

    Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
    A lembrança de uma sombra
    Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
    Em nenhuma epiderme.

    Morrer tão completamente
    Que um dia ao lerem o teu nome num papel
    Perguntem: “Quem foi?…”

    Morrer mais completamente ainda,
    – Sem deixar sequer esse nome.

    7. Pneumotórax

    Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
    A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
    Tosse, tosse, tosse.

    Mandou chamar o médico:
    — Diga trinta e três.
    — Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
    — Respire.

    — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
    — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
    — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

    8. Poética

    Estou farto do lirismo comedido
    Do lirismo bem comportado
    Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
    protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
    Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
    o cunho vernáculo de um vocábulo.
    Abaixo os puristas
    Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
    Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
    Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
    Estou farto do lirismo namorador
    Político
    Raquítico
    Sifilítico
    De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
    fora de si mesmo
    De resto não é lirismo
    Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
    exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
    maneiras de agradar às mulheres, etc
    Quero antes o lirismo dos loucos
    O lirismo dos bêbedos
    O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
    O lirismo dos clowns de Shakespeare

    — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

    9. O Último Poema

    Assim eu quereria meu último poema
    Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
    Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
    Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
    A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
    A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

    10. Balõezinhos

    Na feira do arrabaldezinho
    Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
    — “O melhor divertimento para as crianças!”
    Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
    Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

    No entanto a feira burburinha.
    Vão chegando as burguesinhas pobres,
    E as criadas das burguesinhas ricas,
    E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

    Nas bancas de peixe,
    Nas barraquinhas de cereais,
    Junto às cestas de hortaliças
    O tostão é regateado com acrimônia.

    Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
    Os tomatinhos vermelhos,
    Nem as frutas,
    Nem nada.

    Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

    O vendedor infatigável apregoa:
    — “O melhor divertimento para as crianças!”
    E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto.

    11. Poema tirado de uma notícia de jornal

    João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
    Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
    Bebeu
    Cantou
    Dançou
    Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

    Aquele pequenino anel que tu me deste,
    — Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
    Assim também o eterno amor que prometeste,
    — Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

    Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
    Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —
    Aquele pequenino anel que tu me deste,
    — Ai de mim — era vidro e logo se quebrou

    Não me turbou, porém, o despeito que investe
    Gritando maldições contra aquilo que amou.
    De ti conservo no peito a saudade celeste
    Como também guardei o pó que me ficou
    Daquele pequenino anel que tu me deste

    13. Porquinho-da-Índia

    Quando eu tinha seis anos
    Ganhei um porquinho-da-índia.
    Que dor de coração me dava
    Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
    Levava ele prá sala
    Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
    Ele não gostava:
    Queria era estar debaixo do fogão.
    Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

    — O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

    14. Noite morta

    Noite morta.
    Junto ao poste de iluminação
    Os sapos engolem mosquitos.

    Ninguém passa na estrada.
    Nem um bêbado.

    No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
    Sombras de todos os que passaram.
    Os que ainda vivem e os que já morreram.

    O córrego chora.
    A voz da noite . . .

    (Não desta noite, mas de outra maior.)

    15. Auto-retrato

    Provinciano que nunca soube
    Escolher bem uma gravata;
    Pernambucano a quem repugna
    A faca do pernambucano;
    Poeta ruim que na arte da prosa
    Envelheceu na infância da arte,
    E até mesmo escrevendo crônicas
    Ficou cronista de província;
    Arquiteto falhado, músico
    Falhado (engoliu um dia
    Um piano, mas o teclado
    Ficou de fora); sem família,
    Religião ou filosofia;
    Mal tendo a inquietação de espírito
    Que vem do sobrenatural,
    E em matéria de profissão
    Um tísico profissional.

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