Wislawa Szymborska, cujo nome completo era Maria Wisława Anna Szymborska, nasceu em Kórnik, em 1923, e faleceu na Cracóvia, em 2012, aos 88 anos. Szymborska foi uma escritora polaca contemplada com diversos prêmios, incluindo o Prêmio Nobel de Literatura, em 1996. Poetisa, crítica literária e tradutora, viveu na Cracóvia, onde se formou em Filologia Polaca e Sociologia pela Universidade Jaguellonica.

    A sua extensa obra, traduzida em 36 línguas, foi caracterizada pela Academia de Estocolmo como “uma poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico se manifeste em fragmentos da realidade humana”, tendo sido a poetisa definida, como “o Mozart da poesia”. Tímida e reservada, mas com sua poesia indagadora, Szymborska foi também chamada de “poeta filosófica”, ou “poeta da consciência do ser”. 

    No Brasil, teve poemas esparsos publicados em jornais e revistas ao longo dos anos, em geral traduzidos por Ana Cristina Cesar e Nelson Ascher. Apenas em 2011, a Companhia das Letras lançou a coletânea “Poemas”, com seleção, introdução e tradução de Regina Przybycien. Já em 2016, a editora publicou “Um amor feliz”, também com tradução de Regina Przybycien.

    Sobre a poesia de Szymborska, escreveu Regina Przybycien:

    “[…] o vasto leque de seus interesses, que abrange as ciências e a filosofia, o micro e o macrocosmo, a história antiga e contemporânea, assim como a vida cotidiana, na qual sempre consegue ver algo inusitado e assombroso. Temas sombrios em sua maioria, mitigados pelo humor e pela leveza da linguagem. Um olhar muitas vezes irônico para as tragédias do século, a fragilidade da vida, a indiferença do universo, a incomunicabilidade entre os homens e entre os humanos e as outras formas de vida. Formulação de perguntas que desestabilizam maneiras de ver o mundo, convicções arraigadas, certezas.”

    Trazemos, neste post, cinco poemas desta grande poetisa, que soube ler a vida com profundidade e lirismo.

    Nada duas vezes
    
    Nada acontece duas vezes
    nem acontecerá. Eis nossa sina.
    Nascemos sem prática
    e morremos sem rotina.
     
    Mesmo sendo os piores alunos
    na escola deste mundão,
    nunca vamos repetir
    nenhum inverno nem verão.
     
    Nem um dia se repete,
    não há duas noites iguais,
    dois beijos não são idênticos,
    nem dois olhares tais quais.
     
    Ontem quando alguém falou
    o teu nome junto a mim
    foi como se pela janela aberta
    caísse uma rosa do jardim.
     
    Hoje que estamos juntos,
    o nosso caso não medra.
    Rosa? Como é uma rosa?
    É uma flor ou é uma pedra?
     
    Por que você tem, má hora,
    que trazer consigo a incerteza?
    Você vem – mas vai passar.
    Você passa – eis a beleza.
     
    Sorridentes, abraçados
    tentaremos viver sem mágoa,
    mesmo sendo diferentes
    como duas gotas d’água.
    A vida na hora
    
    A vida na hora.
    Cena sem ensaio.
    Corpo sem medida.
    Cabeça sem reflexão.
    
    Não sei o papel que desempenho.
    Só sei que é meu, impermutável.
    
    De que trata a peça
    devo adivinhar já em cena.
    
    Despreparada para a honra de viver,
    mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
    Improviso embora merepugne a improvisação.
    Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
    Meu jeito de ser cheira a província.
    Meus instintos são amadorismo.
    O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
    As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
    
    Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
    inacabada a contagem das estrelas,
    o caráter como o casaco às pressas abotoado
    eis os efeitos deploráveis desta urgência.
    
    Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
    ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
    Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não
    conheço.
    Isso é justo — pergunto
    (com a voz rouca
    porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
    
    É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
    feita em acomodações provisórias. Não.
    De pé em meio à cena vejo como é sólida.
    Me impressiona a precisão de cada acessório.
    O palco giratório já opera há muito tempo.
    Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
    Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
    
    E o que quer que eu faça,
    vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
    Ocaso do século
    
    Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX.
    Agora já não tem mais jeito,
    os anos estão contados,
    os passos vacilantes,
    a respiração curta.
    
    Coisas demais aconteceram,
    que não eram para acontecer,
    e o que era para ter sido
    não foi.
    
    Era para se chegar à primavera
    e à felicidade, entre outras coisas.
    
    Era para o medo deixar os vales e as montanhas.
    Era para a verdade atingir o objetivo
    mais depressa que a mentira.
    
    Era para já não mais ocorrerem
    algumas desgraças:
    a guerra por exemplo,
    e a fome e assim por diante.
    
    Era para ter sido levada sério
    a fraqueza dos indefesos,
    a confiança e similares.
    
    Quem quis se alegrar com o mundo
    depara com uma tarefa
    de execução impossível.
    
    A burrice não é cômica.
    A sabedoria não é alegre.
    A esperança
    já não é aquela bela jovem
    et cetera, infelizmente.
    
    Era para Deus finalmente crer no homem
    bom e forte
    mas bom e forte
    são ainda duas pessoas.
    
    Como viver — me perguntou alguém numa carta,
    a quem eu pretendia fazer
    a mesma pergunta.
    
    De novo e como sempre,
    como se vê acima,
    não há perguntas mais urgentes
    do que as perguntas ingênuas.
    Filhos da época
    
    Somos filhos da época
    e a época é política.
    
    Todas as tuas, nossas, vossas coisas
    diurnas e noturnas,
    são coisas políticas.
    
    Querendo ou não querendo,
    teus genes têm um passado político,
    tua pele, um matiz político,
    teus olhos, um aspecto político.
    
    O que você diz tem ressonância,
    o que silencia tem um eco
    de um jeito ou de outro político.
    
    Até caminhando e cantando a canção
    você dá passos políticos
    sobre um solo político.
    
    Versos apolíticos também são políticos,
    e no alto a lua ilumina
    com um brilho já pouco lunar.
    Ser ou não ser, eis a questão.
    Qual questão, me dirão.
    Uma questão política.
    
    Não precisa nem mesmo ser gente
    para ter significado político.
    Basta ser petróleo bruto,
    ração concentrada ou matéria reciclável.
    Ou mesa de conferência cuja forma
    se discuta por meses a fio:
    deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
    numa mesa redonda ou quadrada.
    
    Enquanto isso matavam-se os homens,
    morriam os animais,
    ardiam as casas,
    ficavam ermos os campos,
    como em épocas passadas
    e menos políticas.
    Fim e começo
    
    Depois de cada guerra
    alguém tem que fazer a faxina.
    Colocar uma certa ordem
    que afinal não se faz sozinha.
    
    Alguém tem que jogar o entulho
    para o lado da estrada
    para que possam passar
    os carros carregando os corpos.
    
    Alguém tem que se atolar
    no lodo e nas cinzas
    em molas de sofás
    em cacos de vidro
    e em trapos ensanguentados.
    
    Alguém tem que arrastar a viga
    para apoiar a parede,
    pôr a porta nos caixilhos,
    envidraçar a janela.
    
    A cena não rende foto
    e leva anos.
    E todas as câmeras já debandaram
    para outra guerra.
    
    As pontes têm que ser refeitas,
    e também as estações.
    De tanto arregaçá-las,
    as mangas ficarão em farrapos.
    
    Alguém de vassoura na mão
    ainda recorda como foi.
    Alguém escuta
    meneando a cabeça que se safou.
    Mas ao seu redor
    já começam a rondar
    os que acham tudo muito chato.
    
    Às vezes alguém desenterra
    de sob um arbusto
    velhos argumentos enferrujados
    e os arrasta para o lixão.
    
    Os que sabiam
    o que aqui se passou
    devem dar lugar àqueles
    que pouco sabem.
    Ou menos que pouco.
    E por fim nada mais que nada.
    
    Na relva que cobriu
    as causas e os efeitos
    alguém deve se deitar
    com um capim entre os dentes
    e namorar as nuvens.

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