O ano novo pode começar com planos, promessas, angústias por tudo que aconteceu no passado e – por que não? – poemas. Inspirada numa lista do Book Riot, decidi selecionar alguns poemas de Ano Novo que podem nos dar alguma luz para o futuro, que sempre chega com tantas expectativas e alguns medos…

    Aproveite a leitura e a reflexão! E não deixe de comentar o que achou das poesias, se outros escritos também te ajudar a começar um ano novo e tudo mais!

    Uma verdade corajosa e surpreendente, de Maya Angelou

    Nós, esse povo, num planeta pequeno e solitário

    Viajando casualmente pelo espaço

    Passando por estrelas desinteressadas, pelo caminho de sóis indiferentes

    Para um destino onde todos os sinais nos dizem que

    É possível e imperativo aprender

    Uma verdade corajosa e surpreendente.

    E quando chegarmos a isso

    Ao dia de pacificação

    Quando soltarmos nossos dedos

    Dos punhos da hostilidade

    Quando chegarmos a isso

    Quando a cortina cair sobre o espetáculo de menestréis do ódio

    E os rostos sujos de escárnio forem esfregados

    Quando os campos de batalha e o coliseu

    Já não rastelarem nossos filhos e filhas únicos e particulares

    Junto com a grama pisada e ensanguentada

    Para deitá-los em covas idênticas em solo estrangeiro

    Quando o ataque ganancioso das igrejas

    E a extorsão barulhenta dos templos tiverem cessado

    Quando as flâmulas balançarem alegremente

    Quando as bandeiras do mundo tremerem

    Por uma boa, leve brisa

    Quando chegarmos a isso

    Quando os rifles caírem de nossos ombros

    E nossos filhos puderem vestir suas bonecas com bandeiras de trégua

    Quando as minas terrestres da morte forem removidas

    E os idosos puderem caminhar em noites de paz

    Quando os rituais religiosos não forem perfumados

    Por incensos de carne queimando

    E os sonhos de infância não forem bruscamente acordados

    Por pesadelos de abuso sexual

    Quando chegarmos a isso

    Então, admitiremos que não são as Pirâmides

    Com suas pedras colocadas em perfeição misteriosa

    Nem os Jardins da Babilônia Pendurados em beleza eterna

    Na nossa memória coletiva

    Nem o Grande Cânion

    Aceso em cores deliciosas

    Pelos entardeceres do Oeste

    Nem o Danúbio, derramando sua alma azul na Europa

    Nem o pico sagrado do Monte Fuji

    Se esticando ao Sol Nascente

    Nem o Pai Amazonas nem a Mãe Mississippi que, sem distinção,

    Alimentam todas as criaturas das profundezas e das margens

    Essas não são as únicas maravilhas do mundo

    Quando chegarmos a isso

    Nós, esse povo, nesse minúsculo globo

    Que diariamente recorre a bombas, a lâminas e a adagas

    E que ainda assim pede sinais de paz no escuro

    Nós, esse povo, nesse cisco de matéria

    Em cujas bocas habitam palavras corrosivas

    Que desafiam nossa própria existência

    Mas dessas mesmas bocas

    Podem vir também sons de doçura tão requintadas

    Que fazem o coração vacilar no seu trabalho

    E o corpo se acalmar em reverência

    Nós, este povo, neste planeta pequeno e à deriva

    Cujas mãos podem atacar com tanto desembaraço

    Que, num piscar de olhos, a vida é extraída de um ser vivo

    Entretanto essas mesmas mãos ainda podem tocar com ternura tão terapêutica e irresistível,

    Que o pescoço soberbo fica feliz em se curvar

    E as costas orgulhosas têm prazer em se dobrar

    Em meio a tanto caos, em meio a tanta contradição

    Nós aprendemos que não somos nem anjos nem demônios

    Quando chegarmos a isso

    Nós, este povo, neste corpo caprichoso e flutuante

    Criado nesta terra, desta terra

    Temos o poder de criar para essa terra

    Um ambiente em que cada homem e cada mulher

    Possa viver livremente sem beatices

    Sem medos paralisantes

    Quando chegarmos a isso

    Devemos confessar que somos o possível

    Que somos o milagre, a verdadeira maravilha deste mundo

    Quando, e só quando,

    Chegarmos a isso.

    Poema inspirado pelo texto “Pálido Ponto Azul”, de Carl Sagan, e traduzido por Lubi Prates no livro Maya Angelou — Poesia Completa, publicado pela Astral Cultural, 2020.

    A brave and startling truth, de Maya Angelou

    We, this people, on a small and lonely planet
    Traveling through casual space
    Past aloof stars, across the way of indifferent suns
    To a destination where all signs tell us
    It is possible and imperative that we learn
    A brave and startling truth

    And when we come to it
    To the day of peacemaking
    When we release our fingers
    From fists of hostility
    And allow the pure air to cool our palms

    When we come to it
    When the curtain falls on the minstrel show of hate
    And faces sooted with scorn are scrubbed clean
    When battlefields and coliseum
    No longer rake our unique and particular sons and daughters
    Up with the bruised and bloody grass
    To lie in identical plots in foreign soil

    When the rapacious storming of the churches
    The screaming racket in the temples have ceased
    When the pennants are waving gaily
    When the banners of the world tremble
    Stoutly in the good, clean breeze

    When we come to it
    When we let the rifles fall from our shoulders
    And children dress their dolls in flags of truce
    When land mines of death have been removed
    And the aged can walk into evenings of peace
    When religious ritual is not perfumed
    By the incense of burning flesh
    And childhood dreams are not kicked awake
    By nightmares of abuse

    When we come to it
    Then we will confess that not the Pyramids
    With their stones set in mysterious perfection
    Nor the Gardens of Babylon
    Hanging as eternal beauty
    In our collective memory
    Not the Grand Canyon
    Kindled into delicious color
    By Western sunsets

    Nor the Danube, flowing its blue soul into Europe
    Not the sacred peak of Mount Fuji
    Stretching to the Rising Sun
    Neither Father Amazon nor Mother Mississippi who, without favor,
    Nurture all creatures in the depths and on the shores
    These are not the only wonders of the world

    When we come to it
    We, this people, on this minuscule and kithless globe
    Who reach daily for the bomb, the blade and the dagger
    Yet who petition in the dark for tokens of peace
    We, this people on this mote of matter
    In whose mouths abide cankerous words
    Which challenge our very existence
    Yet out of those same mouths
    Come songs of such exquisite sweetness
    That the heart falters in its labor
    And the body is quieted into awe

    We, this people, on this small and drifting planet
    Whose hands can strike with such abandon
    That in a twinkling, life is sapped from the living
    Yet those same hands can touch with such healing, irresistible tenderness
    That the haughty neck is happy to bow
    And the proud back is glad to bend
    Out of such chaos, of such contradiction
    We learn that we are neither devils nor divines

    When we come to it
    We, this people, on this wayward, floating body
    Created on this earth, of this earth
    Have the power to fashion for this earth
    A climate where every man and every woman
    Can live freely without sanctimonious piety
    Without crippling fear

    When we come to it
    We must confess that we are the possible
    We are the miraculous, the true wonder of this world
    That is when, and only when
    We come to it
    .


    Ano Novo em Dartmoor, de Sylvia Plath

    Esta é a novidade: cada pequeno, trivial

    E peculiar obstáculo envolto em cristal,

    Cintilando e tinindo em falsete de santo. Só tu

    Não sabes o que fazer desse resvaladiço imprevisto,

    O cego, alvo, assustador, inacessível declive.

    Não há como apreendê-lo por meio das palavras que conheces.

    Não há como superá-lo nem sobre elefante, rodas ou sapatos.

    Nós viemos tão apenas para olhar. Tu és muito nova

    Para ambicionar o mundo num chapéu de cristal.

    PLATH, Sylvia. New year on Dartmoor. 1962, In: __________. The collected poems. Edited by Ted Hughes. 4th ed. New York, NY: Harper & Row, 1981. p. 176. Tradução literal de J. A. Rodrigues.

    New Year on Dartmoor, de Sylvia Plath

    This is newness: every little tawdry

    Obstacle glass-wrapped and peculiar,

    Glinting and clinking in a saint’s falsetto. Only you

    Don’t know what to make of the sudden slippiness,

    The blind, white, awful, inaccessible slant.

    There’s no getting up it by the words you know.

    No getting up by elephant or wheel or shoe.

    We have only come to look. 

    You are too new

    To want the world in a glass hat.

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    Se lembre, de Joy Harjo

    Se lembre do céu sob o qual você nasceu,
    saiba todas as histórias estrelares.
    Se lembre da lua, saiba quem ela é.
    Se lembre do nascer do sol ao amanhecer, este é o
    ponto mais forte do tempo. Se lembre do entardecer
    e do entregar-se à noite.
    Se lembre do seu nascimento, como sua mãe se esforçou
    pra te dar forma e fôlego. Você é uma evidência da
    vida dela, e da mãe dela, e da dela.
    Se lembre do seu pai. Ele é sua vida, também.
    Se lembre da terra da qual sua pele é:
    terra vermelha, terra preta, terra amarela, terra branca
    terra marrom, terra-somos.
    Se lembre das plantas, árvores, vidas animais que têm suas
    tribos, suas famílias, suas histórias, também. Converse com elas,
    escute elas. Elas são poemas vivos.
    Se lembre do vento. Se lembre da sua voz. Ela sabe a
    origem deste universo.
    Se lembre que você é toda gente e toda gente
    é você.
    Se lembre que você é este universo e este
    universo é você.
    Se lembre que tudo se mexe, cresce, é você.
    Se lembre que a linguagem vem daí.
    Se lembre a dança que a linguagem é, que a vida é.
    Se lembre.

    Tradução de Rafael de Arruda Sobral

    Remember, de Joy Harjo

    Remember the sky that you were born under,
    know each of the star’s stories.
    Remember the moon, know who she is.
    Remember the sun’s birth at dawn, that is the
    strongest point of time. Remember sundown
    and the giving away to night.
    Remember your birth, how your mother struggled
    to give you form and breath. You are evidence of
    her life, and her mother’s, and hers.
    Remember your father. He is your life, also.
    Remember the earth whose skin you are:
    red earth, black earth, yellow earth, white earth
    brown earth, we are earth.
    Remember the plants, trees, animal life who all have their
    tribes, their families, their histories, too. Talk to them,
    listen to them. They are alive poems.
    Remember the wind. Remember her voice. She knows the
    origin of this universe.
    Remember you are all people and all people
    are you.
    Remember you are this universe and this
    universe is you.
    Remember all is in motion, is growing, is you.
    Remember language comes from this.
    Remember the dance language is, that life is.
    Remember.


    Tenta louvar o mundo mutilado, de Adam Zagajewski

    Tenta louvar o mundo mutilado.
    Recorda os longos dias de Junho
    e os morangos silvestres, as gotas de vinho rosé.
    As urtigas que cobrem metodicamente
    as herdades abandonadas dos exilados.
    Tens de louvar o mundo mutilado.
    Observaste os iates elegantes e os navios;
    um tinha uma longa viagem pela frente,
    ao outro esperava-o apenas o nada salgado.
    Viste os refugiados que caminhavam para lugar nenhum,
    ouviste os carrascos que cantavam com alegria.
    Deves louvar o mundo mutilado.
    Recorda os momentos em que estiveram juntos
    no quarto branco, as cortinas movendo-se.
    Volta em pensamento ao concerto, quando a música eclodiu.
    No Outono colheste bolotas no parque
    e as folhas rodopiavam sobre as cicatrizes da terra.
    Louva o mundo mutilado
    e a pena cinzenta, perdida pelo tordo,
    e a luz delicada, que erra e desaparece
    regressa.

    Tradução de João Ferrão e Anna Kuśmierczyk

    Try to Praise the Mutilated World, de Adam Zagajewski

    Try to praise the mutilated world.
    Remember June’s long days,
    and wild strawberries, drops of rosé wine.
    The nettles that methodically overgrow
    the abandoned homesteads of exiles.
    You must praise the mutilated world.
    You watched the stylish yachts and ships;
    one of them had a long trip ahead of it,
    while salty oblivion awaited others.
    You’ve seen the refugees going nowhere,
    you’ve heard the executioners sing joyfully.
    You should praise the mutilated world.
    Remember the moments when we were together
    in a white room and the curtain fluttered.

    Return in thought to the concert where music flared.
    You gathered acorns in the park in autumn
    and leaves eddied over the earth’s scars.
    Praise the mutilated world
    and the gray feather a thrush lost,
    and the gentle light that strays and vanishes
    and returns.

    Tradução de Clare Cavanagh

    Receita de ano novo, de Carlos Drummond de Andrade

    Para você ganhar belíssimo Ano Novo
    cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
    Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
    (mal vivido talvez ou sem sentido)
    para você ganhar um ano
    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
    novo
    até no coração das coisas menos percebidas
    (a começar pelo seu interior)
    novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
    mas com ele se come, se passeia,
    se ama, se compreende, se trabalha,
    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
    não precisa expedir nem receber mensagens
    (planta recebe mensagens?
    passa telegramas?) 

    Não precisa
    fazer lista de boas intenções
    para arquivá-las na gaveta.
    Não precisa chorar arrependido
    pelas besteiras consumidas
    nem parvamente acreditar
    que por decreto de esperança
    a partir de janeiro as coisas mudem
    e seja tudo claridade, recompensa,
    justiça entre os homens e as nações,
    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
    direitos respeitados, começando
    pelo direito augusto de viver.

    Para ganhar um Ano Novo
    que mereça este nome,
    você, meu caro, tem de merecê-lo,
    tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
    mas tente, experimente, consciente.
    É dentro de você que o Ano Novo
    cochila e espera desde sempre.

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