Nascida em Portugal em 1894, Florbela Espanca viveu até seus 36 anos e nos deixou poesias que encantam por sua beleza, romantismo e panteísmo. A autora foi ignorada pela preconceituosa crítica do início do século, porém, é considerada hoje em dia a mais sublime voz da poesia portuguesa de todos os tempos. Confira abaixo uma seleção das melhores poesias de Florbela Espanca.

    Eu…

    Eu sou a que no mundo anda perdida,
    Eu sou a que na vida não tem norte,
    Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
    Sou a crucificada … a dolorida …

    Sombra de névoa tênue e esvaecida,
    E que o destino amargo, triste e forte,
    Impele brutalmente para a morte!
    Alma de luto sempre incompreendida!…

    Sou aquela que passa e ninguém vê…
    Sou a que chamam triste sem o ser…
    Sou a que chora sem saber porquê…

    Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
    Alguém que veio ao mundo pra me ver,
    E que nunca na vida me encontrou!

    Fanatismo

    Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
    Meus olhos andam cegos de te ver.
    Não és sequer razão do meu viver
    Pois que tu és já toda a minha vida!

    Não vejo nada assim enlouquecida…
    Passo no mundo, meu Amor, a ler
    No misterioso livro do teu ser
    A mesma história tantas vezes lida!…

    “Tudo no mundo é frágil, tudo passa…
    Quando me dizem isto, toda a graça
    Duma boca divina fala em mim!

    E, olhos postos em ti, digo de rastros:
    “Ah! podem voar mundos, morrer astros,
    Que tu és como Deus: princípio e fim!…”

    O meu impossível

    Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
    É um brasido enorme a crepitar!
    Ânsia de procurar sem encontrar
    A chama onde queimar uma incerteza!

    Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
    É nada ser perfeito. É deslumbrar
    A noite tormentosa até cegar,
    E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…

    Aos meus irmãos na dor já disse tudo
    E não me compreenderam!… Vão e mudo
    Foi tudo o que entendi e o que pressinto…

    Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
    Contar, não a chorava como agora,
    Irmãos, não a sentia como a sinto!…

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    Torre de névoa

    Subi ao alto, à minha Torre esguia,
    Feita de fumo, névoas e luar,
    E pus-me, comovida, a conversar
    Com os poetas mortos, todo o dia.

    Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
    Dos versos que são meus, do meu sonhar,
    E todos os poetas, a chorar,
    Responderam-me então: “Que fantasia,

    Criança doida e crente! Nós também
    Tivemos ilusões, como ninguém,
    E tudo nos fugiu, tudo morreu!…”

    Calaram-se os poetas, tristemente…
    E é desde então que eu choro amargamente
    Na minha Torre esguia junto ao Céu!…

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    Velhinha

    Se os que me viram já cheia de graça
    Olharem bem de frente para mim,
    Talvez, cheios de dor, digam assim:
    “Já ela é velha! Como o tempo passa!…”

    Não sei rir e cantar por mais que faça!
    Ó minhas mãos talhadas em marfim,
    Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
    Deixem correr a vida até o fim!

    Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
    Tenho cabelos brancos e sou crente…
    Já murmuro orações… falo sozinha…

    E o bando cor-de-rosa dos carinhos
    Que tu me fazes, olho-os indulgente,
    Como se fosse um bando de netinhos…

    Vaidade

    Sonho que sou a Poetisa eleita,
    Aquela que diz tudo e tudo sabe,
    Que tem a inspiração pura e perfeita,
    Que reúne num verso a imensidade!

    Sonho que um verso meu tem claridade
    Para encher todo o mundo! E que deleita
    Mesmo aqueles que morrem de saudade!
    Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

    Sonho que sou Alguém cá neste mundo…
    Aquela de saber vasto e profundo,
    Aos pés de quem a terra anda curvada!

    E quando mais no céu eu vou sonhando,
    E quando mais no alto ando voando,
    Acordo do meu sonho… E não sou nada!…

    Lágrimas ocultas

    Se me ponho a cismar em outras eras
    Em que ri e cantei, em que era querida,
    Parece-me que foi noutras esferas,
    Parece-me que foi numa outra vida…

    E a minha triste boca dolorida,
    Que dantes tinha o rir das Primaveras,
    Esbate as linhas graves e severas
    E cai num abandono de esquecida!

    E fico, pensativa, olhando o vago…
    Toma a brandura plácida dum lago
    O meu rosto de monja de marfim…

    E as lágrimas que choro, branca e calma,
    Ninguém as vê brotar dentro da alma!
    Ninguém as vê cair dentro de mim!

    Tortura

    Tirar dentro do peito a Emoção,
    A lúcida Verdade, o Sentimento!
    – E ser, depois de vir do coração,
    Um punhado de cinza esparso ao vento!…

    Sonhar um verso de alto pensamento,
    E puro como um ritmo de oração!
    – E ser, depois de vir do coração,
    O pó, o nada, o sonho dum momento!…

    São assim ocos, rudes, os meus versos:
    Rimas perdidas, vendavais dispersos,
    Com que eu iludo os outros, com que minto!

    Quem me dera encontrar o verso puro,
    O verso altivo e forte, estranho e duro,
    Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

    “Publicado em 1919, Livro de Mágoas é a primeira obra poética de Florbela Espanca. Nesta, já é possível localizar traços da poesia pungente e melancólica que marcaria a breve carreira literária da poetisa, morta aos 36 anos. Florbela teve uma vida inquieta, turbulenta, repleta de sofrimentos, que soube transformar em uma arte bela e de alta qualidade.” Compre na Amazon

    Voz que se cala (Florbela Espanca)

    Amo as pedras, os astros e o luar
    Que beija as ervas do atalho escuro,
    Amo as águas de anil e o doce olhar
    Dos animais, divinamente puro.
    Amo a hera que entende a voz do muro,
    E dos sapos, o brando tilintar
    De cristais que se afagam devagar,
    E da minha charneca o rosto duro.
    Amo todos os sonhos que se calam
    De corações que sentem e não falam,
    Tudo o que é Infinito e pequenino!
    Asa que nos protege a todos nós!
    Soluço imenso, eterno, que é a voz
    Do nosso grande e mísero Destino!…

    O meu impossível

    Minha alma ardente é uma fogueira acesa,
    É um brasido enorme a crepitar!
    Ânsia de procurar sem encontrar
    A chama onde queimar uma incerteza!
    Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
    É nada ser perfeito! É deslumbrar
    A noite tormentosa até cegar
    E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…
    Aos meus irmãos na dor já disse tudo
    E não me compreenderam!… Vão e mudo
    Foi tudo o que entendi e o que pressinto…
    Mas se eu pudesse, a mágoa que em mim chora.
    Contar, não a chorava como agora,
    Irmãos, não a sentia como a sinto!…

    Para quê?! (Florbela Espanca)

    Tudo é vaidade neste mundo vão…
    Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
    E mal desponta em nós a madrugada,
    Vem logo a noite encher o coração!

    Até o amor nos mente, essa canção
    Que o nosso peito ri à gargalhada,
    Flor que é nascida e logo desfolhada,
    Pétalas que se pisam pelo chão!…

    Beijos de amor! Pra quê?!… Tristes vaidades!
    Sonhos que logo são realidades,
    Que nos deixam a alma como morta!

    Só neles acredita quem é louca!
    Beijos de amor que vão de boca em boca,
    Como pobres que vão de porta em porta!…

    A vida e a morte (Florbela Espanca)

    O que é a vida e a morte
    Aquela infernal inimiga
    A vida é o sorriso
    E a morte da vida a guarida

    A morte tem os desgostos
    A vida tem os felizes
    A cova tem a tristeza
    E a vida tem as raízes

    A vida e a morte são
    O sorriso lisonjeiro
    E o amor tem o navio
    E o navio o marinheiro

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